segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

JAMES BOND EM WASHINGTON

Impossível resistir ao convite de Najat, amiga querida a quem não via desde 1996, e lá fui eu rever Washington depois de tanto tempo. Sempre gostei da capital americana em razão de seus maravilhosos museus, tanto os ligados ao Smithsonian Institute, quando os outros, autônomos, sempre do melhor padrão.
A cidade não mudou muito desde que a visitei pela última vez, e só não havia congelado naquele fevereiro porque a acolhida de Vera e Genard foi a mais calorosa possível. Dessa vez, o calor do verão já estava chegando, e pude revisitar o Monumento à Guerra da Coréia sem ter que andar com neve na altura dos joelhos. Não esqueço a sensação de congelamento que senti daquela vez e confesso que foi uma das muitas vezes em que questionei minha sanidade mental. Enfrentar uma temperatura de cerca de 8 graus abaixo de zero para visitar um monumento ao ar livre demonstra uma completa insensatez. Enfim, o monumento impressionou-me tanto que valeu o risco de pegar uma pneumonia dupla.
Desta vez, com uma temperatura bastante civilizada, pude passear em meio às estátuas em bronze dos soldados, todos como se a caminhar em um campo de batalha, É claro que ver esse batalhão comove mesmo que o dia esteja glorioso, ao lembrar a tragédia das guerras, de quanto o homem tem se mostrado insensato através de sua história... mas a sensação de solidão se aprofunda se a neve, cortante, insiste em cair.
Pude notar, agora, a belíssima idéia de quem projetou o monumento. Foram instaladas, em granito cinza polido, paredes de cerca de 2 metros de altura, onde foram “desenhados” muitos soldados. Assim, conforme os visitantes passam ao longo desse mural, as imagens se misturam. Temos, unidos, num mesmo espaço, aqueles que foram para a guerra e os que agora, com grande emoção, procuram homenageá-los.... Mesmo os que não morreram lá longe deixaram, nos campos de batalha, a melhor parte de suas vidas e a possibilidade de serem inteiros de novo. A emoção me pega de jeito.
A vantagem de se voltar a lugares já visitados é poder, com calma, descobrir que, mesmo o que se conhece, pode tornar-se uma bela surpresa. E foi o que me aconteceu. Em cinco inesquecíveis dias, consegui me divertir muito com tanta novidade.
Há algum tempo, tenho evitado os grandes museus. Como já comentei, o excesso de informação tira um pouco do deslumbramento que se pode ter. Nesse caso, discordo do “quod abundat non nocet”. Prejudica, sim. E, por causa disso, lá fui eu em busca do novo nos de pequena extensão.
Pensei que o Newseum fosse menor... não é um Louvre, com 17 quilômetros de galerias, mas é bem grandinho.. O prédio, moderno, tem sete andares divididos em 14 galerias, 15 teatros e várias lojas. Ouvi dizer que é o único museu do mundo que trata de por que razão e como as notícias são preparadas. Foi inaugurado em 1997, em um prédio menor, mas seus fundadores logo concluíram que deveriam concentrar esforços para montar um espaço de maiores dimensões e pudessem realizar o trabalho planejado. Fecharam em 2002 e somente em 2008 o novo museu, agora muito mais espaçoso, foi aberto ao público. Uma das galerias mais interessantes é a que apresenta, a cada dia, a primeira página original de 80 diferentes jornais do mundo inteiro. Seus organizadores dizem que o objetivo maior da instituição é difundir a idéia de que a imprensa deve ser livre, para que um povo seja realmente livre.
Em outra galeria, temos à disposição, em telas de computadores, todos os dias, a primeira página de jornais do mundo inteiro. Não consegui contar quantos jornais brasileiros enviam seu material para o Newseum, mas encontrei, pelo menos, uns cinquenta. Hoje, verifiquei que o site deles mostra 759 primeiras páginas de periódicos de mais de setenta países. Tinha das Ilhas Fiji, do Iran (!?!), de Andorra, da Rússia... Aproveitei para ler a primeira página do Diário de Borborema, de Campina Grande, mas não apresentava grandes novidades. Sem dúvida, esse museu vai ficar na minha lista de prioridades toda vez que voltar a Washington. É surpreendente!
A National Gallery já era minha velha conhecida, mas a National Portrait Gallery estava na lista de espera há anos. Uma das coisas que me atraiu foi descobrir o critério utilizado para a escolha do acervo. Não são levadas em conta a personalidade do retratado e a qualidade artística da peça. O objetivo é contar, através de pinturas, esculturas e, mais recentemente, de fotografias, a história do homem, do povo, do país e também do mundo.
Em minha agenda turística, também estava indicado o International Spy Museum, localizado bem pertinho da Portrait Gallery. A fila para entrar já era grande meia hora antes da abertura das bilheterias, o que demonstra o sucesso desse museu, e encontrei enorme variedade de pessoas se acotovelando pelas galerias.
Descobri coisas do arco da velha. Saber que Josephine Baker atuou como espiã foi uma surpresa e tanto. Tudo o que eu sabia era que fora uma showwoman bastante famosa, que havia se transferido para a Europa em razão da segregação racial que ainda reinava nos Estados Unidos, e que adotara 12 crianças de diferentes nacionalidades. Só agora descobri que a espertinha trabalhava para a Resistência Francesa, na Segunda Guerra, levando e trazendo fotografias e mensagens escondidas nas exuberantes roupas que usava em seus shows. Por esse relevante serviço, recebeu do governo francês, quando de sua morte, honras militares, tendo sido a primeira mulher americana distinguida com tal honraria.
Toda essa história de espionagem tem um charme danado. Ian Fleming, ele mesmo um agente do serviço de inteligência britânico, foi quem deu vida a James Bond, aquele que minha geração e algumas outras sempre adoraram. Os filmes fizeram sucesso desde o primeiro da série, “O Satânico Dr. NO”. Mas o primeiro livro que ele realmente escreveu foi Casino Royale, que só foi para as telas no século XXI. Ele morreu em 1964, tendo assistido a apenas dois filmes, E o mais famoso intérprete de 007, Sean Connery, não era o ator que Fleming queria como Bond. Não conseguia vê-lo como o melhor para o papel, o que vem comprovar que nem sempre o criador entende bem sua própria criatura...
A ficção traz histórias de todo tamanho e cor e que despertam grande interesse em muita gente, sobretudo porque a literatura e os filmes sobre o assunto mostram personagens cheios de glamour, extremamente corajosos e que sempre vencem o “mal”. Mas a vida real tem coisas muito mais mirabolantes para contar,
Não foi durante a “guerra fria” entre os Estados Unidos e a União Soviética que os espiões “nasceram”; na verdade, foi quando floresceram e ficaram famosos. A História da civilização tem registros de espionagem desde a época das dinastias egípcias, das chinesas, enfim, desde sempre o homem se valeu dessa atividade na tentativa de vencer seu potencial inimigo. Na verdade, o primeiro serviço institucional de inteligência só foi criado durante o reinado de Luiz XIV, o famoso Rei Sol. Antes, a atividade era exercida mais informalmente, sem a organização “estatal”.
E os “inimigos” não estão só na política, e a espionagem industrial também tem história Essa, atualmente, é tão – ou mais – requintada do que aquela que se infiltra nos diferentes países. Para se manter na liderança de vendas, as empresas se valem dos mais variados meios para obter informações de seus concorrentes, para que possam evitar grandes surpresas. Contratam ex-funcionários dos oponentes, infiltram agentes em postos importantes, chantageiam empregados, interceptam comunicações... enfim, fazem de tudo para descobrir que novidade está o outro preparando.
E o cinema não ia ficar fora disso. O último filme que assisti sobre o assunto foi “Duplicidade”, com Julia Roberts e Clive Owen. Eu esperava mais, embora sempre dê para divertir um pouquinho. O mais recente, intitulado “A Origem”, com Leonardo DiCaprio, acabou não entrando na minha agenda.
Chego a Washington e penso logo em Watergate... É a capítulo de espionagem dentro da própria “casa” melhor esclarecido do último século. Veio à tona boa parte do que os republicanos fizeram nos escritórios do Partido Democrático e, como resultado, vários assessores de Nixon foram condenados e mandados para a prisão. E o presidente americano, antes que as coisas ficassem ainda piores para o lado dele, renunciou. Temia o iminente impeachment e uma mais que provável condenação. Melhor cortar o dedo do que perder a mão. Como aos inimigos não damos as costas, a traição exercida por eles não é tão perigosa quanto a que nos preparam aqueles que estão perto de nós, rondando-nos com pele de cordeiro. Daí, a razão de os provadores dos reis terem sido figuras tão importantes - o perigo mora ao lado.
Há bem pouco tempo, um ex-agente da KGB que havia se transferido para o lado britânico foi envenenado e morreu de uma forma terrível. Não foram poucos os eliminados assim, e existe até mesmo uma corrente de historiadores que afirma que Napoleão foi vítima de envenenamento, por arsênico, e que não morreu de úlcera perfurada coisa nenhuma. Tais alegações têm por base estudos científicos realizados por especialistas da Universidade de Glasgow, que tiveram acesso a fios de cabelo do grande personagem, guardados durante gerações por descendentes de funcionários seus. Eu fico na dúvida... os tais fios seriam dele mesmo?
As armas usadas pelos serviços secretos são incríveis, de causar inveja à imaginação dos maiores e melhores ficcionistas. Que tal um guarda-chuva que dispara balas de cianureto? E um “inocente” cigarrinho com cicuta? O fato é que não existe dificuldade alguma para se conseguir um veneno eficaz - a Natureza os fabrica aos borbotões.! Podemos escolher entre os de origem mineral, vegetal ou animal... Os laboratórios preparam outras tantas substâncias poderosas. O flúor, por exemplo, é uma substância altamente tóxica, mas excelente, em dosagem baixa, para tratar das cáries. O iodo, outro perigoso veneno, da mesma forma tem excelente uso terapêutico. E volto a fazer referência à conhecida expressão “Quod abunda non nocet” ... Claro que não cabe ao falarmos de venenos!
O Brasil também tem histórias para contar. Nosso primeiro serviço secreto foi criado em 1956, pelo Juscelino, e recebeu o nome de Serviço Federal de Informações e de Contra-Informação – SFICI. Teve vida curto, pois em 1964 foi desativado pelos militares, que montaram o terrível SNI, sobre o qual não preciso tecer comentários... todos conhecem bem. Nos dias de hoje, temos a tal da Agência Brasileira de Inteligência, que já se viu envolvida em vários escândalos do tipo Watergate, um deles o caso dos grampos no BNDES.
Se um dia eu quiser escrever uma história de espiões, e conseguir mil informações interessantes sobre esses aparelhinhos tipo 007, vou entrar em contato com ex-agentes da CIA, do FBI, da KGB, do Mossad, do M16, a rede que é considerada, por unanimidade, a mais eficiente de todos os tempos. Esses ingleses...
E, chegada a hora de finalizar o texto, sinto-me do mesmo jeito que a grande maioria dos escritores fica quando se senta diante da folha em branco... agora, da tela em branco. O que vou dizer? Como arrematar toda a escrivinhação? A boa técnica fala em voltar ao parágrafo inicial, retomar o tema e, assim, fechar o trabalho. Vou fugir do conselho... Não vou falar dos maravilhosos museus que visitei em Washington, dando preferência a comentar o que li em “Caixa Preta”, do brilhante escritor israelense Amós Oz.
Mesmo que o tema do romance não tenha nenhuma relação com espiões, governos estrangeiros ou com a capital americana, pude encontrar coisas interessantíssimas – e polêmicas! - sobre alguns grupos sociais. Discorrer sobre essas pérolas me obrigaria a escrever mais umas trinta laudas, o que não é o caso. Vou restringir-me a uma observação daquele autor que me pareceu apropriada para falar dos espiões. Para evitar que, na minha ignorância, eu mude uma palavra e venha desmerecer o original, vou apenas transcrever: “Na medida em que a pessoa perdeu a auto-estima, sua razão de viver, o verdadeiro significado da vida, simultaneamente eleva-se, engrandece-se, glorifica-se, santifica-se a justificação de seu credo, sua nação, sua raça, do ideal que abraçou ou do movimento ao qual jurou fidelidade.” Isso pode nos ajudar a entender porque os agentes secretos se arriscam tanto. A causa ou país que escolheram defender instalou-se naquelas almas para preencher o vazio que incomodava.
Eu, que gosto um bocado de mim, prefiro uma vida mais comum, temperada com aventuras apenas medianamente extravagantes. E, seguindo a boa técnica, arremato dizendo - “Vá a Washington... os museus são fantásticos!”

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

UM LUGAR CHAMADO TEXAS
Maio de 2008
A palavra TEXAS tem origem indígena, como têm as designações de tantos outros lugares aqui da América. Veio do termo tejas, que é como se pronuncia, em Espanhol, o vocábulo tayshas da língua dos Hasinai, que significa amigo, aliado. É uma terra bem antiga, e especialistas, com auxílio do carbono 14, comprovaram que povos bastante desenvolvidos viveram por aqui, com evidências de tribos estabelecidas há mais de 11.000 anos!

É impressionante como o Espanhol é falado aqui nos Estados Unidos. Isso se deve não só à imigração de latinos no último século, que fazem de tudo para ficar por aqui, na esperança de uma vida melhor; no caso específico do Texas, como essas terras fizeram parte do México, que as perdeu em definitivo em 1848, no final da Guerra Mexicano-Americana, a língua original permaneceu com bastante força. Por não aceitar a anexação, aos Estados Unidos, da República Independente do Texas, que havia declarado sua independência em 1836, o México resolveu brigar para ter as terras de volta. Com a derrota, acabou sofrendo um prejuízo ainda maior, e lá se foi a área que hoje é formada pelos estados da California, Nevada, Utahm Novo México,
Texas, e parte do Arizona e do Colorado, ou seja, quase um terço do atual território americano. O Espanhol, então, marca sua presença, como se a querer lembrar a todos a origem das terras. O apelido do Texas é Lone Star State, por causa da estrela solitária da bandeira, que ostenta o vermelho, o azul e o branco; ela é praticamente igual à do Chile e só agora deixei de confundir as duas.
Segundo maior estado dos Estados Unidos, é também o segundo mais populoso, com aproximadamente 23 milhões de habitantes pelo censo de 2006. Só perde para a Califórnia, considerada um paraíso por muitos americanos e outros tantos forasteiros, que para lá se mudam. Talvez inspirados em Lulu Santos, que um dia avisou que ia para a Califórnia, viver a vida sobre as ondas, ser artista de cinema, pois o destino dele era ser star.
O território texano caracteriza-se por interessantes contrastes. As regiões ao norte e a leste apresentam rios, lagos e florestas, enquanto o sul e o oeste têm um clima mais árido, desértico em vários pontos. Há regiões em que você dirige horas e horas seguidas com a impressão de que não vai chegar a lugar nenhum, que se perdeu para sempre. Sentia-me, nessas viagens, como nos filmes - as estradas vazias, terra avermelhada ao redor, muitos cactus e, de repente, aparece um carro, e o motorista é um serial killer! Para compensar esses vazios, em outros pontos do estado, as cidades são tão próximas umas das outras que parecem ser uma só. De Houston, por exemplo, já não se sabe bem onde começa ou acaba.
Nos locais menos populosos é que surgiram os cowboys que são, hoje, um dos símbolos do estado. O interessante é que não estão apenas nas áreas rurais, e em todo canto há homens usando aquele típico chapéu e com botas bem características. Nas primeiras vezes que os vi, pensei que só estariam faltando os revólveres e as espingardas. Ledo engano, pois é o estado onde mais se vendem armas! Qualquer cidadão residente pode ter uma arma não registrada, desde que seja menor do que uma metralhadora ou do que um lançador de granadas. Pode até andar no carro com ela carregada, se o destino for um outro condado fora de sua origem, passando por um terceiro?! Mesmo sendo advogada, não consegui entender a razão desse terceiro condado. O problema é que nem mesmo o Departamento de Polícia tem idéia do armamento espalhado pelo Texas. Mesmo assim, a taxa de criminalidade é bem inferior a outros estados americanos.
A partir do início do século XX, o Texas, um estado agropecuário, viu sua economia diversificar-se e, atualmente, são as indústrias petrolífera e aeroespacial e o setor financeiro que possuem maior importância no seu desenvolvimento. São quilômetros e mais quilômetros de instalações petrolíferas, um movimento intenso de caminhões... realmente uma potência. Ë, sem dúvida, o estado que apresenta as melhores condições para superar os problemas trazidos pela recente crise. Sempre que penso em filmes passados no Texas, imagino naquelas cobras todas tentando pegar o personagem principal, o que sempre me pareceu um exagero, com cobras demais. Na verdade, é isso mesmo. São 72 tipos diferentes, sendo que 15 representam real perigo aos humanos. E as aranhas? Novecentos tipos diferentes! Felizmente, só duas são perigosíssimas, e uma é a nossa conhecida viúva negra. As outras 898 apenas assustam. E existem, nos parques, as Fire-Ants... só pelo nome já se adivinha que a picada dessas formigas queima como fogo.
Não são as cobras ou as aranhas aquilo que mais assusta mesmo todo mundo. São os furacões. O mais fraquinho tem ventos de 120 kilômetros por hora, e o mais forte passa de 250. Ainda não consegui entender direito a diferença entre furacão, ciclone, tornado e tufão, mas sei que todos são terríveis. E esses fenômenos aqui acontecem com freqüência. Se o furacão for dos mais fortes, o alerta é para que todos saiam de perto do litoral e procurem cidades mais para o interior. São milhões de pessoas de carro pelas estradas, e percursos que durariam 1 hora são percorridos em quase 20 horas. Por sorte, só peguei tempestades tropicais, também assustadores, mas os transtornos que causam são bem menores. Nos últimos anos, os piores furacões foram o Katrina e o Rita. Em 2005, o Katrina desalojou cerca de um milhão de pessoas, e o Rita, logo depois, fez estragos nas Bahamas, em Cuba, México e Estados Unidos. Importante lembrar que os nomes de furacões não são apenas femininos, como muitos engraçadinhos gostavam de contar - também são masculinos! Existe uma relação de nomes já definidos por um organismo internacional, que se repetem a cada seis anos. Os mais violentos têm sua denominação retirada da lista, talvez por superstição. Mas esses dois mais recentes, realmente terríveis, tinham nome de mulher...
E como sempre tudo tem dois lados, acabei descobrindo que os furacões desempenham importantes funções ecológicas – servem para renovar os mangues, reequilibrar a atmosfera e restaurar a salinidade dos estuários. Isso dá algum conforto aos que sofrem com as consequências? Por certo que não, mas não podemos negar que são necessários.
Novo assunto. Na Primeira Guerra Mundial, a frota de navios americanos foi escoltada para a Europa por um navio de guerra que homenageou o estado - USS Texas. Na Segunda Guerra, participou do desembarque na Normandia e foi “aposentado” em 1946, sendo, hoje, um museu flutuante. Em sua longa trajetória como um dos mais importantes vasos de guerra americanos, sofreu somente uma baixa, o que é um recorde bastante interessante. Na visita a esse ponto histórico, descobri que a Coca-Cola é mais antiga do que eu. No refeitório dos marinheiros, há uma máquina do refrigerante mais conhecido do mundo com sua inconfundível marca registrada. Foi produzida, primeiramente, como nova versão de uma bebida francesa, em 1884, ainda contendo álcool. Em razão de leis que proibiam a produção e ingestão de bebidas alcóolicas, seu inventor, em 1886, desenvolveu uma nova fórmula que não contrariava a lei. De início, foi vendida como medicamento, tornando-se logo bastante popular, pois diziam que curava dor de cabeça, neurastenia, dispepsia e, acreditem, impotência. Imaginem só. Era vendida em máquinas e somente em 1935 passou a ser comercializada em garrafas. Cheguei a fotografar uma dessas primeiras máquinas, bem semelhante a uma bomba de gasolina. Em latas, só em 1955.
Voltando ao Texas, descobri que tem várias cidades com nomes interessantes e que algumas apresentam coisas diferentes, insólitas mesmo. Paris, por exemplo, a melhor pequena cidade do estado, tem até uma réplica da Torre Eiffel. Só que com um chapéu de cowboy no alto. E que é vermelho! Gustave Eiffel, lá do céu, deve ter ficado louco quando viu isso. Seu maravilhoso projeto foi alterado e ganhou um adereço que não combina com a obra. Mais uma coisa diferente? Vá até Hunt, onde poderá visitar a réplica de Stonehenge, cuja altura equivale a pouco mais da metade do monumento original na Inglaterra, e que tem quase a mesma circunferência. Para completar, estão lá também réplicas das estátuas encontradas na Ilha de Páscoa. Pisa tem sua torre inclinada? A cidade texana de Groom tem uma também... só que é uma torre com um reservatório de água. Pensa-se logo que perdeu o prumo por causa de um furacão, mas não foi nada disso. Para atrair mais fregueses para seu restaurante, o dono do estabelecimento contratou engenheiros que atenderam ao seu sonho maluco e projetaram com a inclinação. O restaurante pegou fogo há algum tempo atrás e não existe mais. A torre, no entanto, continua inclinada e chamando atenção. Talvez sobreviva à maravilhosa torre italiana.
Confesso não saber qual dessas idéias é a mais estranha, mas um dos mais fortes candidatos é o Cadillac Ranch, em Amarillo, junto à histórica Rota 66. Um milionário excêntrico juntou dez cadillacs usados, daqueles “rabo de peixe”, e enterrou-os em seu campo de trigo até a metade, deixando de fora só a traseira. Os visitantes são convidados a ilustrar as carrocerias, cada um escrevendo o que quiser, desde declarações de amor eterno, passando por estranhas mensagens ao mundo e chegando a manifestações delirantes. Os menos ousados preferem escrever apenas o nome ou as iniciais. Entretanto, quando a excentricidade faz com que um milionário chinês reconstrua a Cidade Proibida de Beijing, talvez possamos aplaudir de pé. Temos, em Houston, uma espécie de parque temático histórico, que é realmente um assombro. Em réplicas com 1/3 do tamanho original, podemos ver o exército de 6.000 soldados em terra-cota do Imperador Qin. E a cidade em si apresenta-se com um vigésimo do tamanho original. Não sei se procede a informação, mas soube que os próprios chineses que moram no Ocidente preferem vir ver essa aqui a enfrentar toda a burocracia para ir até a China.
E como se não bastasse, surpreendi-me, há alguns dias, com uma das paisagens mais belas que já vi. Eram oito e meia, e a noite acabara de chegar. O Centennial Park, todo gramado, parecia um lago verde, margeado por árvores majestosas, belíssimas... não se vislumbrava uma única construção. No céu do mais puro azul escuro, uma enorme lua cheia, dourada, mas tão dourada, que custei a acreditar no que estava vendo. Emocionada, torci pelos que, naquele momento, sonhavam com seus amores. Implorei aos poetas que pensassem suas rimas e, com a magia daquela lua, encantassem as palavras e fizessem nascer os mais belos poemas... Era a Natureza, vitoriosa, exuberante. As estrelas, escondidas, não quiseram aparecer, humilhadas com tamanha beleza. O Texas me oferecia um céu para que eu nunca mais pudesse esquecer essa terra que, honrando seu nome, fez com que eu me sentisse em casa, entre grandes amigos.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

APROVEITANDO PARA DAR UNS PALPITES
Setembro de 2010.

Para animar ainda mais o encontro de amigos, Emidio e eu passamos alguns dias procurando coisas divertidas... e conseguimos um material bastante interessante. Olhamos adesivos em jornaleiros, viajamos pelo fascinante universo do Google e, finalmente, folheamos muitos livros. Recortamos, então, versos de grandes poetas, pescamos pérolas de alguns filósofos, enfim, bebemos em incontáveis fontes de informação. Para o bem e para o mal.
Do que escolhemos, selecionei umas poucas coisas que não necessariamente são as melhores que foram ditas ou escritas, mas me parecem apropriadas para palpites. Outras se bastam... nem mesmo vou comentar, apenas transcrever
Tenho certeza de que Martha Medeiros e eu não fomos criadas pela mesma mãe, a minha no caso, mas a poeta pensa igualzinho à D. Eny, que afirmou, quando eu beirava os 30 anos, que quem tem juízo não se diverte. Vejam que belos versos a escritora gaúcha escreveu sobre isso: “Mesmo tendo juízo/não faço tudo certo/todo paraíso/precisa de um pouco de inferno”
Dela, trago, ainda, outra idéia bem interessante – “Tenho urgência de tudo que deixei para amanhã”. Na mesma linha, Picasso tinha dito: “O que já fiz não me interessa/Só penso no que ainda não fiz”. Nem vou tentar inventar outro jeito de dizer a mesma coisa – vou apenas concordar!
Oscar Wilde foi outro que sempre me encantou, e não foi difícil conseguir dezenas de pérolas dele. Escolhi três. A primeira é “Todas as pessoas fascinantes têm vícios: está aí o segredo de sua fascinação.” Agora que entendi essa história toda, vou colecionar outras tantas, vamos dizer, manias... pode funcionar!
Como ele adorava polemizar, foi bastante ácido quando diagnosticou: “As mulheres malvadas nos atormentam... as boas nos aborrecem.” Não parou por aí e afirmou que “Podemos resistir a tudo, menos às tentações.” Estaríamos, então, perdoados, por atender aos próprios desejos? Há controvérsias a esse respeito.
Por falar em tentações e mulheres malvadas, achei muito bom o que Picasso disse sobre a mulher ideal: “Um homem só encontrou a mulher ideal quando olhar seu rosto e vir um anjo e, tendo-a nos braços, ter as tentações que só os demônios provocam.” Ótimo tema para homens e mulheres discutirem noite a dentro.
Na verdade, não só as pessoas que têm vícios nos fascinam - é claro que também as pessoas que se mostram sensíveis são irresistíveis, Quando li “A menina que roubava livros”, de Markus Zusak, fiquei encantada com o jeito simples de filosofar do jovem escritor australiano. Impossível encontrar quem discorde de que “É difícil não gostar de alguém que não apenas nota as cores, mas fala delas.”
E falando em sensibilidade, não poderia deixar Charles Chaplin de fora. A maioria de nós apenas se lembra de suas comédias do tempo do cinema mudo, comédias que derramavam poesia e, por vezes, faziam a gente chorar. Do que dizia o genial criador de Carlitos, escolhi “Não devemos ter medo de confrontos. Até mesmo os planetas se chocam. E do caos nascem as estrelas.” Bem, modus in rebus. Alguém quer discutir isso?
Nessa busca de coisas interessantes, por certo esbarrei em Nietzsche, filósofo que, confesso, às vezes me irrita. Não tenho mais idade para ser hipócrita e esconder meus gostos e desgostos. Ele adorava falar mal das mulheres e, por mais que eu consiga dar um desconto em nome de sua obra como um todo, não gosto disso. Assim, para me ajudar a ser imparcial, lembrei-me de que ninguém é lúcido o tempo todo. Abandonando minha implicância, pude trazer duas maravilhas dele. Ambas falam do amor, da razão e da loucura, e nem sei de qual gosto mais. Vocês podem escolher entre “Há sempre um pouco de loucura no amor. Mas existe sempre um pouco de razão na loucura” e “O amor é o estado em que o homem é capaz de ver as coisas tal qual elas não são.” Acrescento o ditado popular – “O amor é cego...e surdo, também!”
No momento em que pensei na Arte, não resisti, fui em busca de Nietzsche de novo, e não vou discordar de uma vírgula do que encontrei! Que tal “Temos a arte para não morrer da verdade”? Com mais vigor, afirmou que “A arte deve, antes de tudo e em primeiro lugar, embelezar a vida e, portanto, fazer com que nós próprios nos tornemos suportáveis e, se possível, agradáveis uns aos outros”. Desse jeito, vou acabar achando Nietzsche o máximo.
Deixo sempre bem claro que detesto quando alguém fala na “terceira idade” ou na “melhor idade”. Ainda não acharam palavras apropriadas para essa fase da vida em que a maioria de nós ainda tem uma grande dose de energia vital, que ainda sonha, constrói, aproveita a vida e tudo mais, mas que, não há como negar, já dobrou a esquina. Ouvi, outro dia, uma definição engraçada – a juventude da velhice é a “juventice”. De qualquer forma, o termo velhice é meio assustador. Para nos consolar, Picasso dizia sempre que “Leva muito tempo para nos tornarmos jovens.” E quem levar essa idéia a sério pode aproveitar muito de todo o tempo que ainda nos resta. Eu tenho conseguido!
Hoje, dia 7 de setembro, nossa comemoração da Independência é mencionada na campanha eleitoral que toma conta do país inteiro. Cabe lembrar que o fantástico Bernard Shaw, um dia qualquer lá atrás, escreveu uma jóia com a qual muitos concordam sem pestanejar – “Ele não sabe nada e pensa que sabe tudo. Isso aponta claramente para uma carreira política”. Triste, mas verdadeiro, não?
Aproveitando o feriado chuvoso, tinha pensado em dar mil palpites sobre tudo isso, mas logo percebi que não havia muito a dizer. Escrevi um pouco para não apresentar apenas uma sequência de pensamentos, e também por ser uma palpiteira e tanto. Mas todos os comentários são desnecessários. Termino, então, com algumas raridades/barbaridades que não devem ser levadas a sério. Resolvi trazê-las apenas a título de curiosidade, certa de que os homens que estão à nossa volta jamais concordariam com o que está escrito.
“Todas as mulheres que seduzirem e levarem ao casamento os súditos de Sua Majestade mediante o uso de perfumes, pinturas, dentes postiços, perucas e recheios nos quadris, incorrem em delito de bruxaria e o casamento fica automaticamente anulado.”
(Constituição Nacional Inglesa do século XVIII)
“O pior adorno que uma mulher pode querer usar é ser sábia.” (Lutero - século XVI)
“A mulher deve adorar o homem como a um deus. Toda manhã, por nove vezes consecutivas, deve ajoelhar-se aos pés do marido e, de braços cruzados, perguntar-lhe: - Senhor, que desejais que eu faça?” (Zaratustra – filósofo persa – século VII A.C)
“Inimiga da paz, fonte de inquietação, causa de brigas que destroem toda a tranqüilidade, a mulher é o próprio diabo.” (Petrarca – século XIV)
Foram lembrados, aqui, grandes pensadores, poetas, enfim, pessoas consideradas geniais. Mas o autor (anônimo) que nos legou a filosofia “etílica” que encerra essa conversa foi, sem dúvida, muito criativo – “A cachaça e a cerveja são os maiores inimigos do homem. Mas o homem que foge de seus inimigos é um covarde!” Com uma caipirinha de maracujá na mão, convido todos - Vamos à luta!

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O SONHO DE ÍCARO

O avião ainda taxiava na pista do aeroporto em Dallas, quando ouvi a aeromoça avisando, pelo sistema de comunicação, que nove pessoas haviam desafivelado o cinto de segurança antes da autorização do capitão! Que colocassem o cinto novamente, sob pena de terem o número de seus assentos divulgados! Ou seja, todo mundo saberia quem eram os infratores. Imaginei-me estrela” do Big Brother, vigiada a cada segundo! Não posso fazer uma bobagenzinha sequer e sou logo descoberta. George Orwell, sem dúvida, sabia das coisas, e 1984 não pode ser considerada obra de pura ficção. Assustador, não?
Adoro viajar, mas confesso – morro de medo de avião. A preocupação se instala no momento da emissão do bilhete aéreo, e o pavor vai e volta o tempo todo. Resisto bravamente e não desisto nunca. Especialistas dizem que o avião é o meio de transporte mais seguro e, felizmente, todas as estatísticas confirmam. Levantamento feito nos Estados Unidos, englobando um período de cinco anos, mostrou que as mortes em desastres aéreos corresponderam a 0,08% do total, enquanto as fatalidades nas estradas somaram 39%! Estar num carro é 487 vezes mais perigoso do que andar de avião. E mais! As atividades domésticas nos expõem a acidentes 224 vezes mais do que viajar pelos céus. Cada vez que me atrevo a cozinhar, tenho consciência de que o perigo me ronda e, por isso, decidi visitar pouco essa área do apartamento. Por que correr o risco de me cortar com uma faca afiada, ou sofrer uma queimadura dolorosa?
Tais números não me deixam mais calma... o medo é irracional, eu sei, como todos os outros que carregamos vida afora. Provavelmente, é porque não posso abrir a janela e pular para o chão, e também porque o piloto não vai estacionar para que eu desça, caso seja preciso. Psicólogos dizem que esse medo tem a ver com receio de mudanças, pavor de coisas novas, e coisas do estilo. No meu caso, todos sabem que isso não faz o menor sentido... precisam descobrir outra razão para me explicar.
O ser humano, desde que tomou consciência do mundo, quis voar, e temos Ícaro talvez como o mais famoso dos aficionados. Depois que conseguiu fugir do Labirinto de Creta com as asas que seu pai, Dédalo, havia fabricado, não quis mais parar. Inebriado pela sensação de liberdade que sentia, aproximou-se demais do Sol, como sabemos, e acabou morrendo afogado no mar onde caiu.
Nós, brasileiros, temos Santos Dumont, considerado pioneiro da Aviação por nós e pelos franceses. Aqui nos Estados Unidos, como na maioria dos países, são os irmãos Wright que levam o crédito. Consta que esses dois voaram três anos antes do 14-Bis dar seu show, mas fato é que não foi um vôo com motor aeronáutico, não houve testemunhas e, o mais grave, não estava lá um comitê científico para aprovar o feito. O “avião” deles foi catapultado, tendo apenas o mérito de se manter um tempo no ar... e isso me parece bem diferente do vôo realizado pelo nosso brasileiro.
Vindo de família próspera, Santos Dumont pode aperfeiçoar seus conhecimentos de mecânica na França, onde, em outubro de 1906, realizou o primeiro vôo com um aparelho mais pesado do que o ar, que havia levantado vôo por seus próprios meios, sem o auxílio de catapultas. O 14-Bis cumpriu um circuito pré-estabelecido, na presença de especialistas do Aeroclube da França e de testemunhas, percorrendo 60 metros, a 2 metros do chão. Menos de um mês depois, diante de muitas testemunhas, nosso gênio conseguiu voar a cerca de 6 metros de altura por 220 metros! Digam o que disserem, para mim, é ele o pai da Aviação. Foi uma pena que ele não tenha patenteado suas invenções, como fizeram os outros de sua época. Seria a prova perfeita para apresentar aos fãs dos Wright. Ele era, provavelmente, um ser humano modesto, a quem não interessavam as honrarias. Não pude comprovar, mas li que, embora eleito para a Academia Brasileira de Letras, não assumiu a cadeira que lhe foi reservada.
Nosso Ícaro não se afogou no mar. Apressou sua partida definitiva para o céu, em 1932, afogado num mar de desilusão e de tristeza ao ver seu invento usado para levar a morte, durante a Primeira Guerra Mundial. Uma pena.
Para alegrar essa conversa, mudo de assunto. Voltava da Philadelphia para Houston e, como tinha pouco tempo até a hora do embarque, não quis me atracar com o livro que levava na bolsa. Achei que seria muito mais interessante apreciar o espetáculo da vida, cujos atores são as pessoas que transitam por aí, a maioria sem ter tido, ainda, seus 15 minutos de glória. Eis que surge, empurrando um carrinho de bebê rosa, uma loura cinquentona, corpo bem feito recoberto por um conjunto de plush preto, uma daquelas a quem todos chamam de “perua”. A madame chamava atenção, sem dúvida. E logo, logo, todos ostentavam um sorriso debochado. Não era um lindo bebê que ia naquele carrinho: via-se uma cachorrinha poodle, daquelas mínimas, que bem parecia filha da Madame, uma verdadeira peruinha. Com mil lacinhos fúcsia, fazia o maior charme recostada na bolsa de fraldas padrão onça que também fazia parte do show.
Depois que as duas entraram no finger, a funcionária responsável pelo embarque comentou que se diverte muito observando quem passa por aquela sala de espera. Não mencionou diretamente o carrinho de bebê com a cachorrinha, mas era óbvio que era isso que a fazia rir. Toda essa história me distraiu e, quando entrei no avião, sentia menos medo.
A tal funcionária deve ter estímulos de todo tipo para se divertir, pois o movimento nos aeroportos americanos sempre me impressiona, mesmo acostumada a ir também à Europa, onde está o aeroporto com maior volume de vôos internacionais, o Heathrow, em Londres. Mas aqui nos Estados Unidos, as estatísticas são, realmente, um assombro.
Tenho vindo para Houston pela Delta, que oferece bons preços e viagens bem confortáveis. É obrigatória a escala em Atlanta, que tem seu aeroporto de inacreditáveis dimensões sempre lotado. São 182 pontos de embarque, com 1.300 vôos diários para 150 destinos internos e 95 no mundo afora. Em 2008, foram nada mais, nada menos do que 978 mil pousos e decolagens, com 90 milhões de passageiros passando por seus terminais. Ouvi dizer que ultrapassou os números do de Los Angeles, igualmente enorme e freqüentado. Para se ter uma idéia desses dados, é só comparar com o nosso Galeão, que tem vôos para 32 destinos no Brasil e 19 internacionais.
Falando em Brasil, temos uma estatística muito desagradável no que se refere ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, que é o sexagésimo sexto em movimento no mundo e, ao mesmo tempo, o terceiro em número de vôos atrasados!
Goethe perguntava – “Almejas voar, mas temes ficar tonto?”. Fico bastante tonta com os vôos de minha fértil imaginação, que me leva muito mais alto e mais longe do que qualquer avião ou foguete levaria. Sinto-me para além desse universo conhecido. Deve ter sido essa tonteira gostosa que os sonhos nos causam que levou Cecília Meirelles a nos dizer: “Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser.” E lá vou eu, ao sabor do destino e da imaginação, decidindo, sem medo, onde vou querer pousar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O PARAISO PERDIDO
Maio de 2010.


Os primeiros que o perderem foram Adão e Eva. Essa história da maçã e da serpente é uma grande complicação. A versão dada pela cultura judaico-cristã é aquela que conhecemos bem - eles foram proibidos de comer o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal; como desobedeceram, acabaram expulsos, deixando-nos, como herança, o pecado original. Eduardo Duseck, em seu CD Adeus, Batucada, canta que, por causa da serpente tentadora, o nosso Mestre os expulsou do Paraíso, mas que, para compensar, o coração de Adão, que era pobre, pobre de amor, cresceu e multiplicou o delicioso pecado original.
Já segundo o Alcorão, Deus acabou perdoando os dois, que vieram para a Terra como seus representantes. Adão é considerado um Profeta, na tradição islâmica. Interessante também é que uma das correntes dessa religião, corrente bastante importante, não considera que teria sido Eva a induzir Adão ao pecado. Ambos seriam responsáveis pelo que fizeram, enquanto que, para cristãos e judeus, Eva, pelo que fez, tornou as mulheres para sempre “culpadas”.
Descobri, para minha surpresa, que a versão sobre os filhos de Adão e Eva no Islamismo assemelha-se bastante ao Caim e Abel da Bíblia. Dentre outras coisas em comum, deparei-me com os Anjos Gabriel e Miguel atuando junto a Deus, e vi que, além do Adão, Noé, João Batista, Moisés, Abraão e, nada mais, nada menos, do que Jesus Cristo de Nazaré são profetas citados no Alcorão! E ficamos brigando em nome de um Deus que é, reconhecidamente, o mesmo para todo mundo!
Quanto a essas duas figuras na arte e na literatura, soube que, num determinado período, muitos pintores entraram em crise. Como colocar “umbigos” em Adão e Eva, se eles não nasceram com um cordãozinho que os ligasse ao útero materno? Alguns artistas, então, procuravam disfarçar essa área do corpo dos dois, cobrindo com a mão ou com folhas de parreira, para não terem que, de certa forma, posicionar-se quanto a essa questão. Curiosa, fui conferir num livro a “Criação de Adão”, de Michelangelo, aquela no teto da Capela Sistina, e que é uma das pinturas que mais me tocam a alma. Ali, encontrei o umbigo.
Na literatura, também são personagens contados e recontados através dos tempos. Talvez John Milton tenha feito a mais completa “reportagem” sobre a vida deles, em seu célebre poema épico “Paradise lost”, do século XVI. Quem sabe um dia eu me aventuro e vou ler por inteiro sobre essa perda do Paraíso? Deve ter detalhes bastante interessantes...
O tempo passou, e a palavra “paraíso” ganhou outros tantos significados, a maioria sem qualquer sentido religioso. Aqui na Terra, cada um de nós tem o seu, ou melhor, os seus, dependendo a qual compartimento do dia-a-dia pretendemos nos referir. Quando alguma coisa nos agrada muito, acabamos qualificando como um paraíso.
Tem o fiscal, por exemplo, muito em moda atualmente... Esse é objeto do desejo da imensa maioria, mas enquanto alguns poucos chegam lá, os comuns dos mortais não têm a menor idéia para que lado fica. Em Brasília, estão alguns que sabem, e o que nós, cidadãos, sabemos muito bem é de onde sai o dinheiro que vai para esse tipo de paraíso... do nosso bolso, mas para a conta deles!
De vez em quando, a gente ouve falar de algum político que está ameaçado de perder o que colocou nesse “Jardim do Éden”. Mas se trata, sempre, de mera ameaça... Como pertencem a um grupo muito unido, todos acabam conseguindo preservar o que consideram de sua propriedade... Para eles, é um paraíso imperdível!
Nessa semana, tomei conhecimento de uma das mais terríveis perdas de paraíso que alguém pode sofrer - Helena, uma lourinha de 5 anos que mais parece um anjinho barroco, linda, com um sorriso aberto e sincero, é filha de um dos alunos de jiu-jitsu na academia do Vinicius. Como nem sempre o pai tem com quem deixá-la enquanto treina, ela ajuda Mônica no escritório, escaneando os cartões de presença dos alunos para depois guardá-los na mais perfeita ordem alfabética. Uma menina esperta, comunicativa, encantadora. Pois não é que está fazendo um cursinho de 3 dias para aprender a evitar seu próprio seqüestro? Isso é, realmente, inacreditável! E, por mais terrível que possa parecer, é real. Como o número de crianças seqüestradas nesse país é significativo, existem esses treinamentos. Enfim, dói ver que as sociedades são tão cruéis com suas próprias crias que precisamos fazê-las amadurecer antes da hora e roubar-lhes, assim, o paraíso da inocência.
E temos as aves-do-paraíso, um grupo com mais de 40 espécies diferentes. A plumagem dos machos é a característica marcante desses pássaros, enquanto as fêmeas apresentam uma cor muito da sem graça. Acredito que sejam todas dotadas de uma grande beleza interior, que é o prêmio de consolação que todos oferecem para nós que não nascemos Giselle Bündchen – dizem que o que conta, na verdade, é a beleza interior. Acreditar? Talvez seja bom... Em contrapartida, os machos são normalmente solitários, enquanto as fêmeas estão sempre em grupo, desfrutando de uma bela vida social.
Essas aves perderam o paraíso quando os europeus chegaram aos seus habitats, lá pelos lados da Austrália e Nova Guiné. Mataram todas as que puderam para tirar suas penas e, assim, enfeitar os chapéus das madames, ou para exibi-las aos amigos, já taxidermizadas. O resultado é que existem, hoje, de uma dessas espécies, pouco mais de 10 exemplares no mundo! Enfim, mais um paraíso perdido.
Eu, recentemente, perdi o maravilhoso paraíso dos queijos, dos sorvetes, enfim, de tudo que é feito com leite ou um de seus derivados. Estou com a tal da intolerância à lactose, por falta da enzima lactase. Acho que ainda se trata de mera intolerância, não um caso de alergia, que seria muito mais complicado. Mas não deixa de ser deveras desconfortável. Tenho que escolher com muito cuidado o que vou comer nos restaurantes, por exemplo. Na casa dos outros, pior ainda. Fácil imaginar a saia justa quando a anfitriã aparece trazendo, como prato principal, por exemplo, uma enorme travessa de um Fettucine Alfredo... ou uma pizza aos quatro queijos. O fato de não comer essas delícias é uma frustração daquelas, e que vem acompanhada da desconfortável necessidade de explicar a razão da recusa... sinto-me quase uma hipocondríaca. E a realidade é que estou sentindo uma falta danada de um sundae de caramelo com duas enormes bolas de sorvete de creme! De um estrogonofe com muito creme de leite, de morango com creme... de muita coisa mesmo.
Pois é, cada um de nós já perdeu um paraíso, ou até mais de um... porém, podemos ter certeza de que tem sempre um outro ali na frente, esperando para dar o bote e nos fazer feliz. A gente precisa é reconhecer... e ir atrás, arriscando. E saber que não vem pronto, não, há que se trabalhar nele... Prontinho, foi só para Adão e Eva... E eles jogaram fora, justamente por não terem ajudado a construir... quem recebe pronto não dá valor. E mais, uns paraísos, para nos deliciarem depois, dão mais trabalho do que outros! Há que perseverar!
Cá entre nós, mesmo tendo perdido o paraíso dos queijos e de tantas outras coisas, continuo achando a vida um verdadeiro paraíso!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

ANDAR DE BICICLETA, DANÇAR E ... A GENTE NUNCA ESQUECE
Maio de 2010.


Depois de quase um ano sem participar do grupo de line dance do Senior’s Center de League City, voltei semana passada disposta a reaprender cada coreografia. Tinha saudades daquelas manhãs animadas, quando eu, além de exercitar minha perna prejudicada, aproveitava para dançar conforme a música. Eram valsas, charleston, country music, pop music; enfim, os mais variados ritmos.
Cheguei mais cedo um pouco e encontrei apenas uma senhorinha, de uns oitenta anos, muito animada, cabeça toda branca, que logo veio falar comigo. Perguntou-me se era minha primeira vez, e eu contei que frequentara o grupo por cinco meses, mas que tinha ficado muito tempo no Brasil, meu país. Foi super simpática, como todos quando conto de onde venho. Apresentou-se como Irene e foi logo me contando que tinha começado no início de janeiro, por insistências dos filhos, que não queriam mais vê-la enfurnada em casa.
Logo chegaram outros tantos “seniors”, alguns meus conhecidos. Entrou Diana, novata também, uma setentona de belo porte. E aí Irene, na maior sem cerimônia, foi logo perguntando como era mesmo o nome dela, pois não se lembrava e o esforço sobre-humano que fez não adiantou nada. Aproveitou para propor que todos sempre se reapresentassem ao chegar, para evitar constrangimentos. Ninguém podia se esquecer da idade dos componentes do grupo, todos, provavelmente, com memória fraca... Achei interessante essa auto-avaliação. O mais interessante é que a memória não funciona muito bem, mas a dança saiu perfeita! Ela não perdeu um passo!
Desde que acordara, estava preocupada, imaginando a terrível performance que apresentaria no meio de tanta gente mais velha do que eu, alguns bem mais velhos mesmo e que, pelo que me lembrava, faziam tudo muito bem. Eu pagaria um “mico” sem tamanho indo para a esquerda quando era para dançar à direita, e daí por diante.
Qual não foi minha surpresa ao perceber que conseguia executar a maioria dos passos com a bastante desenvoltura! Melhor dizendo, com razoável desenvoltura. Fiquei muito animada. E, para completar, Ruth Ann, que é a professora, anunciou no microfone que The Girl from Ipanema estava de volta. Depois dos animados aplausos e do rosto roxo de vergonha, continuamos a aula. Confirmei, mais uma vez, que tudo na vida é relativo - no meio de tantos idosos, acabei sendo a “garota”.
No final da aula, ainda sobrou conversa, e ficaram todos trocando idéias e se divertindo muito. As risadas eram deliciosas. A iniciativa de oferecer, aos idosos, atividades variadas, além da oportunidade de estarem juntos, é tão louvável, que fico penalizada de não termos, no Rio, algo parecido. É cobrada uma taxa de um dólar por cada participação, para ajudar na gasolina do professor. São todos voluntários e, ao final de cada aula, recolhem da cestinha o que foi “pago”. Ninguém controla - se pagar, pagou, se não pagar, não faz a menor diferença.
A organização é das melhores. Hoje, recebi a programação do mês e, para minha surpresa, vi indicado, no dia 11, o meu aniversário! Tudo feito, sem dúvida, com o maior carinho. Tem um grupo que vai só para jogar bridge, aquarela, desenho, mas a maioria vai mesmo para a line-dance, sapateado, jazzercise, e para a tal da Zumba Gold, que ainda não assisti, mas ouvi dizer que é a mistura das danças latinas – samba, merengue, salsa... Estou curiosa. Não sei se meu piloto automático vai funcionar nessa aula.
Domingo passado, fizemos uma apresentação de line-dance para doentes do M.D. Anderson Hospital’s, no hall do “hotel” que a Fundação Jesse H. Jones mantém para os pacientes que não moram em Houston. Enquanto estiverem em tratamento, ficam hospedados, sem pagar pelo quarto, em acomodações que me lembraram o Hilton Garden Inn, onde fiquei em Austin! Tipo hotel 4 estrelas! Fiquei impressionada. Em tempo, essa é a maior fundação privada do Texas, mantendo inúmeras atividades filantrópicas.
É claro que eu só me apresentei nos primeiros números, aqueles mais fáceis. Embora a “platéia” soubesse que éramos um non-professional group, de velhinhos animados e de boa vontade, eu não estava disposta a me expor ao ridículo. Quando começaram os números mais complexos, fui me juntar aos doentes que assistiam o “show” e aproveitei para aplaudir bastante cada dança apresentada. Enfim, levamos um pouco de distração a eles, e isso valeu a pena.
Aproveitadora de primeira linha, nesse grupo de seniors faço, ainda, aula de pintura com aquarela e de desenho. Hoje, a aula foi sobre perspectiva. Tive que desenhar um prédio visto de uma esquina, com postes de iluminação numa das ruas laterais. Acreditem ou não, fiz o melhor desenho de todos os participantes! Podem imaginar a falta de jeito do resto do grupo. Enfim, diverti-me enquanto estava lá, usei os meus “Tico” e “Teco” e saí me sentindo ótima. Lembrei-me das aulas de Desenho no curso ginasial do Instituto de Educação, com a Prof. Maria Elisa, que só faltava dar um tiro na cabeça quando via meus trabalhos. Não sei se o tiro seria na cabeça dela ou na minha. Acho que tudo que ela me ensinou estava guardadinho lá dentro, e eu fui soltando quando chegou a hora certa. Valeram as broncas pelos péssimos desenhos que fazia naquela época.
Depois do susto com o acidente de trânsito, em que vergonhosamente me atrapalhei com a inexistência de embreagem, estou dirigindo como se tivesse tido, sempre, carros automáticos. O processo já se incorporou ao cérebro, e nem presto mais atenção. Ao sair com minha neta Jade para que ela pratique o que vem aprendendo na auto-escola, fiquei ainda mais encantada com o sistema nervoso extrapiramidal. Ela está na fase de incorporar as informações ao dela... ainda tem que pensar para executar cada manobra. Mas, depois de algum tempo, vai poder, como todos nós, ir lá pegar de volta as habilidades quando bem entender. Isso é bárbaro.
Hoje, munida de toda a coragem, comecei a frequentar o grupo de sapateado. Vi entrar um senhor, provavelmente com mais de 80, que andava bem curvadinho, com os joelhos um pouco dobrados. Ele, simplesmente, pertence ao grupo de sapateado e, para minha melhor surpresa, executa todas as coreografias! Eu, entretanto, na minha primeira vez, apenas consegui fazer um barulho danado com os sapatos tacheados. Foi uma delicia ouvir o som... quando fechava os olhos, parecia que eu estava acertando todos os passos. Sentia-me herdeira de Ginger Rogers... faltava somente o Fred Astaire. Viva esse sistema nervoso extrapiramidal! Enquanto o de Patrick, o tal senhor, funciona perfeitamente para o sapateado, o meu ainda tem um longo caminho a percorrer.
Fiquei, então, pensando em quantas coisas a gente faz com a ajuda desse “piloto automático” extrapiramidal, e das quais nunca nos esquecemos. Sempre ouvi dizer que andar de bicicleta é uma delas. Nadar, escrever, também. Eu posso pensar em outras tantas que a gente nunca esquece, algumas delas muito interessantes... Não sei se é o tal do sistema, mas basta começar que tudo volta e o desempenho não fica nada a dever ao passado, remoto ou próximo. Não faz diferença! Podem acreditar! E aproveitar... Bendita memória muscular!

sexta-feira, 30 de abril de 2010

ANJOS DA GUARDA NÃO TIRAM FÉRIAS... NEM SE APOSENTAM
Abril de 2010.


Sempre tive uma quedinha por eles, pois nunca achei que deveria ocupar os Superiores com pedidos, pois minhas necessidades não eram tão grandes assim. Mas que a gente precisa de alguém olhando lá de cima, precisa. E sempre contei com eles.

A crença em anjos e espíritos protetores vem desde a antiguidade, e mesmo em Platão encontramos referências a eles. No Islamismo, no Judaísmo, enfim, sempre foram considerados entidades existentes. Foi na Espanha, no século V, porém, que a idéia de um anjo da guarda para proteger e guiar cada pessoa ficou mais difundida. Tal crença tornou-se tão forte que a Igreja Católica estabeleceu, no século XVII, o dia 2 de outubro como o dia a eles dedicado.

Na literatura, temos o célebre “Dr. Fausto”, com seus dois anjos, um “bom”, outro “mau”, que lhe sugeriam coisas bem diversas. Todas as obras que apresentam esse personagem basearam-se em lenda sobre um médico alemão que teria feito um pacto com o diabo. Discussões sobre a existência ou não de um Dr. Fausto não cabem aqui, e o que interessa é que se tornou um arquétipo da alma humana; nos últimos cinco séculos, tem aparecido na literatura, no teatro e na música com bastante freqüência. Mas acho que Goethe foi quem melhor tratou do assunto. Prometo que não vou trazer Freud, Lacan, Jung para essa crônica, para tentarmos entender o bem e o mal que existe dentro de cada um de nós... Na verdade, os anjos a que me refiro são nos ajudam nas ocasiões mais complicadas.

Aqui nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada há alguns anos revelou que setenta por cento dos americanos acreditam em Anjos da Guarda, e metade deles entende que existe um anjo da guarda para cada um de nós. No Brasil, deve ser mais ou menos a mesma coisa.

Não me lembro quando descobri o nome do meu anjo, o Nanael. É o correspondente ao dia do meu nascimento, 11 de maio. Como são setenta e poucos, se não me engano, ele também cuida das pessoas que nasceram em alguns outros dias. Protege, de maneira geral, os professores, os magistrados, os homens que lidam com a lei e os eclesiásticos. Isso, se sobrar tempo depois de todo o trabalho que dou a ele.

Tive mais uma “prova” de que Nanael não tirou férias de mim, agora que vim passar uns dias no Texas. Ele poderia ter aproveitado para descansar, pois estou sempre dando canseira nele. E tampouco aposentou-se comigo - continua lá. Falando na tal “prova”, Mônica, minha nora, precisava que eu fosse substituí-la na Academia, sábado passado, para alguma eventualidade, já que ela não poderia ir, em razão de outro compromisso muito importante. Pediu-me que, na volta, trouxesse o livro-caixa, para preparar o movimento contábil. Junto, eu peguei os comprovantes dos cartões de crédito assinados pelos alunos e o dinheiro em espécie das vendas das camisetas e quimonos.

Depois que fechamos a academia e almoçamos, fui com Igor ver um filme. Adoro levar os netos ao cinema, pois tenho, assim, uma bela desculpa para ver os geniais desenhos animados que turma tem feito nos últimos tempos. São tão inteligentes e bem bolados que eu, aficionada pela sétima arte, não quero perder nenhum. Compramos um balde de pipoca, refrigerantes e, munidos dos óculos 3D, nos abuletamos nas confortáveis poltronas do Cinemark Webster, que tem 18 salas.

“Como treinar seu dragão” é realmente muito bom. Eu havia trazido do Brasil o livro que deu origem ao filme, e Igor, como era de se esperar, disse que o livro é muito melhor. Enfim, a técnica 3D não consegue ainda superar o papel e a tinta. Saímos comentando o filme, rindo muito e curtindo um a companhia do outro. Somente em casa, dei-me conta que o livro-caixa, o dinheiro (cerca de trezentos dólares) e os comprovantes do cartão de crédito não estavam na bolsa.

Quase tive um infarto! Logo eu, histericamente cuidadosa, fui perder algo tão importante! Na verdade, o dinheiro e os recibos do cartão de crédito não eram o problema. O drama era o que fazer para preparar a contabilidade sem os documentos. Como estávamos no dia 24 do mês, o movimento de tantos dias estava perdido, e seria muito difícil preparar o balancete para calcular os impostos devidos. Entrei em pânico, é claro. Sentia-me uma completa idiota... Primeiro, tinha sido a batida de carro... agora, vinha isso... Mas, às onze da noite, nada poderia ser feito. Teríamos que aguardar 12 horas para a reabertura do cinema... E me peguei com meu anjinho.

Nem preciso contar que acordei cedíssimo. E lá estava eu, junto à bilheteria, no momento em que a atendente abriu os trabalhos. Expliquei tudo direitinho; em 10 minutos, o gerente apareceu com o bendito livro-caixa na mão, os trezentos e sete dólares intactos, e mais os papeluchos do cartão de crédito! Mal podia acreditar, mas Nanael e os funcionários da limpeza me salvaram!

É claro que não existe prova científica da existência dos anjos, e a única “evidência” são as referências a esses seres em uma longa tradição religiosa, quase tão antiga quanto a história do homem. E para quem nasceu nos dias 11 de maio, vinte e sete de fevereiro, dezesseis de dezembro, 4 de outubro e vinte e três de julho, vejam, abaixo, como seriam as pessoas “protegidas” por esse anjo da guarda. Meus comentários vão entre parênteses. Sem dúvida, é mais uma questão de fé do que qualquer coisa. Eu continuo contando com Nanael para o que der e vier.



NANAEL – Quem nasce sob essa influência se distinguirá por conhecer as ciências abstratas, amará a vida tranqüila (???), a paz, a meditação (???) e ouvir músicas clássicas. Sua luz transcende e, através dela, vê-se sua inocência (???) e sua verdade (existe uma verdade?). Poderá ter vocação religiosa (essa, não!) ou para conhecer assuntos metafísicos. Digno de confiança, não comete nunca uma ação imprudente ou impensada (quem acreditar nisso, vai se dar mal). Gosta de relacionamentos sólidos e é o amigo que todos querem ter (isso, sim). Dotado de grande afetividade, vive em função do amor e tudo que é belo e comove. Geralmente, mais passional que ativo, sabe controlar seus instintos sem reprimi-los (quem quiser testar, vai ver). Sua inteligência se desenvolve mais por experiência do que por estudos (isso é verdade). Tende a construir coisas belas com fins altruístas (preciso cuidar disso). Seu prestígio não alimenta sua vaidade (qual prestígio?). Viverá dentro de sua realidade e se dedicará integralmente a viver uma existência pacífica, com muita dedicação e esforço, fazendo tudo de forma perfeita e limpa. Poderá ter ocorrido problemas de saúde na infância e na adolescência, mas apesar da fragilidade física (???), possui um espírito extremamente ágil e guerreiro (pode ser). Bon vivant, sabe desfrutar as coisas boas da vida (é claro!), sem por isso partir para atos grosseiros ou impensados (nossa!). É a coluna que sustenta a humanidade (apesar da osteoporose).


domingo, 25 de abril de 2010

ÀS VOLTAS COM A LEI
Abril de 2010.

Volto ao Texas, após 10 meses, para matar as saudades do filho, da nora, e dos netos, esperando curti-los antes que virem adultos e fujam mundo afora. As viagens sempre me assustam, pois tenho pavor de avião, mas, por sorte, foram poucos minutos de turbulência e três bons filmes para assistir. Ganhei, para compensar, 9 horas de espera em Atlanta até conseguir um vôo para Houston. Como estava muito bem acompanhada do Monsenhor Quixote, delicioso livro de Graham Greene, nem me importei muito. O corpo resmungou, mas nada demais.
A vida não dá nada de graça, e matar as saudades de uns nos obriga a ter saudades de outros. A gente aprende a viver com a falta, mas é uma pena que não se possa ter tudo. Foi bom estar de volta ao lugar onde já havia morado por 11 meses, a uma comunidade que nos aceitou de braços abertos, sem qualquer preconceito contra “los cucarachos” que vieram para esse país trazer a arte do jiu-jitsu brasileiro. Sinto-me em casa, sempre.
Havia decidido fechar a conta no Wells Fargo. Estava com muita pena, pois a experiência bancária que tive foi a melhor possível. Sabia que entraria, depois desse tempo todo, e que Jason, o gerente, iria me receber com um “- Hello, Ana, I am glad to see you are back to League City”. Como ele não estava, fui atendida pelo subgerente, Kyle Hallmark, com quem eu estivera apenas uma vez. Quando disse a ele que queria fechar a conta, pois não mais ficaria nos Estados Unidos por períodos longos, ele se lembrou que havia feito qualquer coisa para mim ano passado. Lembrou-se que era brasileira e fez a maior festa. Aconselhou-me a não fechar a conta, já que eu tinha isenção completa de taxas. Bastaria deixar um dólar e a conta permaneceria aberta, sem prazo. Assim, todas as vezes que eu vier, poderei depositar o dinheiro trazido e movimentar conforme a necessidade. Aceitei a sugestão e tirei o dinheiro da poupança, meros trezentos dólares, para juntar aos quinhentos que havia na conta corrente e, assim, continuar com a tal isenção. Devo esclarecer que fiz tudo isso sem sair da cadeira. Ele se levantava, ia ao caixa, voltava, eu assinava, ia de novo... E sem pagar taxas!!! Pois é, o gerente se vira em três por causa de uma droga de conta que só tem oitocentos dólares... e que na qual vão sobrar apenas uns dois ou três no dia 19 de maio, quando volto para o Brasil! Kyle merece um CD com gostosas músicas brasileiras... vou levar para ele hoje.
Outra excelente experiência vivida nessas bandas... um “acidente” de carro. Confesso que, mesmo antes de vir, preocupava-me o fato de estar há muito sem dirigir um carro automático. No Brasil, meu carro não tem nem direção hidráulica... e tenho que passar as cinco marchas o tempo todo no trânsito engarrafado do meu Rio de Janeiro. Enfim, guerra é guerra e lá fui eu matar a saudade de meu “possante”, um Toyota Avalon 1998, passeando por todo o lado dessa cidade que é considerada umas das cem melhores pequenas cidades americanas.. Depois do Banco, lá fui eu estrada afora, profundamente encantada com a organização do trânsito, todo mundo respeitando tudo, ninguém buzinando porque você demorou mais a movimentar o carro quando o sinal abriu.
De repente, não mais que de repente, ainda com o reflexo condicionado ao meu Peugeot carioca, procurei a embreagem para trocar a marcha no Toyota, que é automático, repito... não achei a embreagem... achei o freio e... freiei! A caminhonete do tipo 4 x 4 que vinha atrás, que mais parecia um microônibus, simplesmente entrou na traseira do meu bonitinho. Foi uma senhora pancada, e sinto o pescoço até hoje, três dias depois.
Saltei do carro, envergonhadíssima... Uma burrice ímpar! Pedi desculpas, e o dono do outro carro, um sessentão bem gorduchinho, super educado, disse que ia chamar os “cops”, já que o carro dele tinha sofrido danos... O meu, mesmo velhinho, estava intacto... segurou o forte tranco com a maior coragem! Tiramos os carros do meio da rua e ficamos aguardando. Deve ter ligado para o famoso 911.
Confesso que, na maior discrição, liguei logo para um dos meus “sobrinhos” policiais de Houston, cujos números dos celulares ficam em destaque na minha agenda. Claro que não ia pedir que aliviasse a situação, mas queria instruções, pois é um outro país! Eu queria perguntar se poderia mexer na bolsa sem que o colega dele achasse que eu ia tirar um Colt 45 e dar um tiro nele... nunca se sabe como são as paranóias de cada lugar. Juan Carlo não estava... fazer o quê?
O policial escalado pela Central chegou em menos de 10 minutos! A “vítima” foi logo contando que eu parei de repente e causei o acidente; enquanto isso, eu permanecia muda. O policial foi logo olhar a traseira do meu carro e pediu minha carteira de motorista e o seguro. Não se anda com documento de carro aqui... Só com o papel do seguro. Entreguei junto meu passaporte e disse que estava de visita por um mês. Nesse momento, confesso que me questionei por não ter chamado meu filho... mas não queria atrapalhá-lo no trabalho, e por isso tinha resolvido enfrentar sozinha as conseqüências de minha distração; enfim, a sorte estava lançada.
O Sargento Keller foi averiguar o carro “ferido” e constatou que o 4x4 estava com o pára-choque dianteiro avariado... Nada grave, mas estava. O policial disse que era norma deixar que as partes se entendessem quando o prejuízo fosse inferior a mil dólares. O americano foi logo dizendo que o conserto do carro dele ultrapassaria tal valor, pois era um carro classe A; queria, então, preencher uma tal de blue form... imagino que seja o formulário apropriado para iniciar algum procedimento judicial. Foi, então, que o céu ficou ainda mais azul naquele esplendoroso dia.
“The cop”, super gentil, disse ao americano que a vítima era eu, já que, segundo a lei americana - sorte minha ser como no Brasil - o motorista tem o direito a parar quando bem entender, e os outros, sim, é que não podem dirigir tão perto do carro da frente. Assim, ele era o culpado! Como autoridade, poderia fornecer a blue form para ser preenchida, mas eu seria a pessoa a alegar prejuízos! O homem ficou furioso e foi embora depressa, por certo com medo que eu fosse daquelas pessoas cretinas que fingem uma dorzinha aqui, outra ali,para ganhar uns trocados... Eu, na verdade, só queria ir embora com minha culpa discretamente escondida na bolsa, onde não tinha nenhum Colt 45, para me defender do outro motorista, que provavelmente tinha uma arma. O Texas é o Estado mais “armado” aqui nos Estados Unidos.
Isso tudo durou uns 20 minutos. No máximo. Descobri que são cerca de seis milhões de acidentes de carro por ano nos Estados Unidos. Acho que essa minha historinha nem vai contribuir para a estatística, pois virou um nada. Peguei o carro e continuei meu reconhecimento do território, com a atenção redobrada. Sou, agora, a motorista mais cautelosa de todo o Texas. Sorte igual a essa, não sei se serei merecedora novamente. Dizem que os raios não caem duas vezes no mesmo lugar, para o bem ou para o mal. Mas a experiência com a polícia foi bastante interessante. Minha condição de turista latina não me fez menor perante o representante da lei. O cidadão americano estava errado, segundo as regras de trânsito. E assim foi o caso julgado. Sem pensar em comparar, instintivamente comecei a cantar, do Tom e do Vinicius, “Se todos fossem iguais a você... que maravilha viver...” As estradas que me aguardem!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

IRMAOS LUMIERE, COSTA-GRAVAS, TRUFFAUT, GODARD, RESNAIS...

IRMAOS LUMIERE, COSTA-GRAVAS, TRUFFAUT, GODARD, RESNAIS...
Abril de 2010.


Quando comento que, podendo ir ao cinema, aproveito para ver dois filmes seguidos, percebo que a pessoa acha estranho, provavelmente me considerando doida de pedra. Por isso, nem ouso acrescentar que aguentaria até mesmo um terceiro, embora nunca tenha me deixado levar por essa verdadeira tara.
Em Paris, aproveitei para ver o simplesmente fantástico documentário Oceans. Como não tinha legenda, perdi alguma coisa, mas consegui entender que foram 7 anos de produção, sendo que 3 apenas adaptando equipamentos para filmar em certas condições e grandes profundidades. Eu já sabia que cerca de 70% da superfície da Terra é constituída de água, e que, disso tudo, 97% estão nos oceanos, mas aquelas maravilhas marinhas realmente me deliciaram os olhos e a alma. Discussões sobre o meio ambiente e o futuro do planeta não são tema dessa crônica e ficam, quem sabe, para um outro dia. Hoje, quero falar de cinema.
Ao voltarmos para casa, comentei com Rosa que ficara impressionada com o cinema lotado, ao final de um dia que era regado por uma chuva bem chatinha que caía sem parar. Isso sem falar no frio que sentimos nas filas enfrentadas, uma para comprar os bilhetes e outra para entrar, filas essas que ficam do lado de fora do prédio! Ela explicou que os franceses são apaixonados por cinema, e que tem filme para todos os gostos e desgostos.
Curiosa, fui ao Pariscope para ver os filmes em cartaz e, impressionada, descobri que, naquela semana, eram simplesmente 79 reprises e, dentre elas, havia filmes dos anos 30, 40... Fora os outros tantos lançamentos e continuações. Isso, em Paris. Em termos da França inteira, com seus 65 milhões de habitantes, são quase 6 mil salas de projeção. Em 2009, foram vendidos duzentos milhões de tickets!!! Um pouco mais de três bilhetes per capita.
Sobre nós, os dados mais recentes que consegui referem-se a 2006. Com pouco menos de 190 milhões habitantes, naquele ano, o público foi de aproximadamente 90 milhões. Mais ou menos 1 bilhete para cada dois brasileiros. O número de salas é de cerca de 2.100 para o país todo.
No continente europeu, os franceses são os que mais produzem filmes, têm o maior público e a maior receita. Na verdade, para os especialistas, a Sétima Arte nasceu na França e todos reconhecem o importante papel desempenhado por eles desde o início da história desse meio de comunicação social. A Nouvelle Vague, nos anos cinquenta, foi, sem dúvida, o mais famoso dos movimentos do cinema daquele país. E a apresentação do filme "L'Arrivée d'un train en gare de la Ciotat"
, dos Irmãos Lumière, é considerada o marco do nascimento do cinema, isso em 1895.
A empresa PATHÉ, por exemplo, começou em 1896, e vi seu logotipo há 15 dias, se não estou enganada, quando assisti Ervas Daninhas, do Resnais que, por sinal, está com 87 anos!. Inesquecível seu Hiroshima, Mon Amour, do livro da Marguerite Duras. O problema foi que, a partir da Primeira Guerra, com a Europa toda sofrendo os reflexos do período, o dinheiro foi escasseando e, então, os Estados Unidos saíram em campo. Como não haviam sofrido na pele, conseguiam produzir seus filmes a um baixo custo. E, espertos, entraram no mercado europeu com toda a força. A história se repete? Hoje são outros produtos? Capitalismo...
Acabei descobrindo que a indústria cinematográfica francesa recebe proteção do governo e, dentre as medidas adotadas, uma é bastante interessante – somente podem ser lançados DVDs de filmes após seis meses de seu lançamento nas telas. Isso ajuda muito, sem dúvida. Aqui no Rio de Janeiro, antes mesmo dos lançamentos, já me oferecem cópias dos filmes!
Eu não sabia que o Festival de Cannes é mais velho do que eu! Dois anos... Sei que ambos estamos ainda em forma, mas somos antigos, não há como negar... A Academia de Artes e Técnicas do Cinema da França, que outorga o Prêmio Cesar, teve sua 35ª. edição esse ano de 2010. Enquanto isso, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos realizou sua 82ª. cerimônia do Oscar. Por sinal, tanto o melhor filme estrangeiro, o argentino O Segredo de Seus Olhos, quanto o Guerra ao Terror, cuja diretora foi a primeira mulher premiada na categoria, são excelentes. Pena que o filme dela tenha sido prejudicado pela tradução do título aqui no Brasil, pois as palavras assustam grande parte do público, que acredita que verá, apenas, sangue e matança. Não, por trás de tudo, vê-se que a pior guerra que se trava é aqui dentro da gente...
As diferenças que percebo mais evidentes entre o cinema francês e o americano são o ritmo, o desenvolvimento dos personagens e a questão do happy end e finais mais óbvios. É claro que temos finais felizes feitos pelos franceses, e unhappy ends em filmes de Hollywood, mas como média, fica a sensação de que os filmes franceses são menos “comerciais” do que os americanos.
Nunca estudei cinema, nem leio tanto as críticas feitas pelos especialistas, e tudo que digo não passa de opinião pessoal. Existem produções americanas da melhor qualidade que são “marginais” ao esquemão tradicional, como Amistad, do Spielberg, Apocalipse Now, do Oliver Stone... Isso é um alerta para que não sejamos injustos... nem tudo que vem da cinema francês é cult ou “de arte”, e nem tudo vindo dos Estados Unidos é apenas comercial.
Quanto ao Brasil, tive a melhor das surpresas ao descobrir que, em julho de 1896, ou seja, apenas um ano depois do nascimento do cinema, exibiram o primeiro filme aqui no Rio de Janeiro e, logo depois, já havia uma sala de exibição fixa. E mais ou menos 10 anos depois, já tínhamos 20 salas para exibir filmes americanos, franceses, italianos... sempre complementados por curtas brasileiros, cujos temas eram os fatos ocorridos poucos dias antes na cidade.
Já está provado que as páginas policiais, aquelas que quase respingam sangue, atraem meio mundo. Deve ter sido por isso que os primeiros filmes brasileiros foram dessa linha. Tivemos “Os Estranguladores”, de 1906, que foi um sucesso, com mais de 800 exibições somente aqui no Rio; depois, “O Crime da Mala”, do Francisco Serrador, em 1908 e “Noivado de Sangue”, de 1909. Depois, a gente rejeita o Guerra ao Terror...
Já em 1911, porém, os americanos se apresentaram nessas praias, e o Cinema Avenida foi aberto exclusivamente para exibir filmes de uma determinada produtora americana. E Francisco Serrador desistiu de produzir e criou a primeira grande rede de salas de exibição, virando um distribuidor de sucesso. Para completar nossa tragédia cultural, a partir de 1930, os filmes americanos passaram a entrar no Brasil sem pagar as taxas de importação.... Golpe mortal na produção nacional. Em 1942, dos 400 filmes lançados em nosso país, somente um era nosso. A lei do mais forte prevaleceu.
Glauber, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hiszman, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Cacá Diegues e outros mais, nos anos 60, iniciaram uma luta em prol de um cinema nacional mais forte. E o chamado Cinema Novo apresentou filmes de grande qualidade, como “Vidas Secas”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe”, “Macunaíma”, dentre outros mais.
Fui conferir os prêmios que “O Pagador de Promessas” recebeu, pois foi o único premiado daquele período. Eu só me lembrava da Palma de Ouro, de Cannes, mas recebeu mais alguns outros e chegou a ser indicado ao Oscar de 1963, o que demonstra que o mundo começou a reconhecer a qualidade de nossa produção.
Mais recentemente, tivemos algumas jóias, como “Central do Brasil”, “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”... Além de algumas indicações que não se concretizaram em vitória, “Central do Brasil” recebeu muitos outros prêmios, merecidíssimos, é certo.
Por coincidência, fui, há poucos dias, a uma das palestras do projeto “Histórias do Cinema”, no Centro Cultural do Banco do Brasil, projeto esse dirigido pela Cirlei de Hollanda, com Marcelo Aouila como Assistente de Produção, dois queridíssimos amigos. Ruy Castro falou sobre o humor em Hollywood, com aquele brilhantismo que lhe é peculiar, e deixou-me ainda mais encantada com essa arte do celulóide.
Aprendi, dentre inúmeras coisas, que Chaplin e outros tantos comediantes americanos foram discípulos de Max Linder, ator e diretor francês do início do século. Mais um ponto para o cinema francês. E foram umas duas horas com histórias fantásticas sobre a comédia nas telas. Nós, aqui da platéia, não temos a menor idéia do que se passa por trás das câmeras. Não é à toa que esse mundo da fantasia consegue nos iludir o tempo todo. Mesmo aqueles filmes do Chaplin, Burster Keaton, Harold Lloyd, com uma correria louca de cá para lá, de uma insanidade completa, tinham o roteiro todo escrito e eram muito bem preparados.
Uma das coisas que mais me chocou foi saber que Jerry Lewis e Dean Martin se odiavam, isso em razão da inveja doentia que Jerry tinha do outro. Ruy chegou a dizer que ele era uma das personalidades menos queridas de Hollywood, para não dizer uma das mais odiadas. Dizem que a inveja mata, mas não tenho tanta certeza. Ele está vivo e ainda produzindo.
Outra coisa que descobri - a dupla Gordo e Magro filmou por muito mais tempo do que Chaplin, pois o cinema falado não atrapalhou seu sucesso, vamos dizer assim. Foram mais de cem filmes! O público adorou a voz do Gordo e continuou fiel. Ruy contou que o cérebro era o Magro, que escrevia, dirigia, bolava tudo, enquanto Oliver Hardy chegava praticamente na hora de filmar e dava seu show. Seu segredo - foi o primeiro ator a “dialogar” com a câmera.
Ruy terminou a palestra dizendo que não gosta mais de ir ao cinema... Acha que não vale mais a pena. Apenas sai de casa para assistir aquele que ele considera gênio. Woody Allen. Eu até posso concordar com o talento dele, mas não vou me esquecer dos excelentes filmes políticos do Costa-Gravas, grego de nascimento, mas que atuou muito tempo na França; Truffaut, com seus Jules et Jim, O Último Metrô; e Godard, com seu mais que polêmico Jê vous salue Marie.
Adoro deitar-me de madrugada e ligar a TV para ver uns filmezinhos. Acabo dormindo no meio e acordo quando o seguinte está começando, mas nada mortal. Como repetem muito, um dia acabo vendo como acabou aquela história de amor ou desamor, ou descobrindo quem foi o assassino. Nada se compara, entretanto, ao escurinho do cinema, onde agora tem até lugar marcado, com um saco de pipoca deliciosa, uma coca-cola geladinha... E, como diz a Rita Lee, o melhor de tudo é chupar um drops de anis, longe de qualquer problema, perto de um final feliz, tomando cuidado, caso as luzes se acendam fora da hora.....FLAGRA, QUE FLAGRA!!!

segunda-feira, 22 de março de 2010

I LOVE PARIS, AINDA
Março de 2010.


Nos 12 dias que passei em Paris, aproveitei para conhecer novos restaurantes, daqueles que deixam a gente com água na boca mal se olha o cardápio. Como foram muitos, não vou conseguir falar sobre tudo o que comi de maravilhoso em cada um deles, mas devo sugerir que quem for Paris deve reservar um tempinho para almoçar, por exemplo, no Le Recamier, especialista em souflés, doces e salgados. Optei pelo que é preparado com farinha escura e cogumelos selvagens. Intraduzível o sabor! Fica na rua de mesmo nome, em Saint German-de-Prés, e a gente deve saltar na estação de metrô Sèvres – Babylone.

Por certo, seria mais interessante e charmoso jantar no Benoit, mas não adianta sonhar – reservas somente com três meses de antecedência!. Assim, quem quiser provar do que há de melhor do Chef Alain Ducasse que apareça por lá, então, entre duas e meia e três da tarde, pois pode dar sorte, como eu e Bianca demos, e conseguir uma mesa. Não tem risco – peça o que quiser e quase morra pela boca. Acabei não provando o que estava anunciado como a sobremesa top – La truffe noire, preparada com o vinho Châteauneuf-du-Pape. Da próxima vez, juro que não vou perder a oportunidade!
Como a gente já sabe que as aparências enganam, não dê meia volta, volver quando chegar ao Le Hangar, um restaurante no Marais, ao lado da estação Rambuteau, pertinho do Beaubourg. A aparência simples não nos deixa acreditar que a cozinha possa nos surpreender. Mas surpreende! E os preços são bem razoáveis. Vive cheio! Também no Marais, aproveite o Le Gaigne, com um cardápio de primeira! O haddock e a truta são excelentes, e o preço não assusta.

Aquela história de que a culinária francesa apresenta, sempre, pratos com porções muito reduzidas das iguarias não cabe quando se fala no Moissonnier, especializado em comida da região de Lyon. Impossível comer sozinho... podemos pedir um prato para cada dois! Fica perto da estação de metrô Cardinal Lemoine, ali pelo Jardin des Plantes. Tem charme, como a maioria dos restaurantes de Paris. Pelo que vi, são mais de 6.000 ao todo, variando dos mais simples aos conhecidos templos da gastronomia mais famosa do mundo.

Adorei o bar-restaurante Le Fumoir, onde meu sobrinho Luiz e sua mulher Vivien levaram Rosa e eu, e que tem um ambiente charmosérrimo e pratos deliciosos. Fica bem pertinho do Louvre e vale realmente a pena. Fomos atendidos por funcionários muito elegantes e, por sorte, nossa mesa era na biblioteca...que também funciona como tal, durante o dia, emprestando livros e oferecendo jornais para uma leitura rápida. O ambiente nos leva de volta ao século XIX, e fiquei imaginando passar uma tarde ali, lendo e bebericando alguns dos deliciosos e famosos coquetéis que oferecem. Uma informação prática – o brunch servido aos domingos custa, sem bebidas, perto de vinte e seis euros.

E foi no Le Grand Colbert que, além de uma cozinha ótima, com pratos sempre com algum toque exótico, encontramos um garçon super simpático que falava Português. Conversa vai, conversa vem, descobrimos que os patrões haviam montado duas pousadas em Fortaleza, e que ele, por ter supervisionado as obras, aprendeu nossa língua. Mas o melhor de tudo foi saber que foi filmada ali aquela deliciosa cena da comédia romântica “Alguém tem que ceder”, quando Harry, o personagem de Jack Nicholson, vai a Paris atrás da Érica, papel desempenhado pela Diane Keaton. Esse detalhe torna o lugar mais charmoso ainda.

Para completar, na mesa ao lado, estava Cristiana Reali, amiga da Rosa, e a quem tínhamos acabado de assistir na peça “On Purge bebe”. Nossa atriz brasileira é um sucesso por lá... merecido o sucesso, pois ela é mesmo muito boa no que faz. E as comédias de Georges Feydeau agradam há mais de um século! A boa arte é, sem dúvida, atemporal.

E vale falar no Theatre du Palais-Royal, onde a peça vem sendo encenada. Belíssimo, mesmo com 370 anos de idade!. Construído sob a batuta de Richelieu, abriu suas portas em 1641. Durante muitos anos, a trupe de Molière apresentou-se naquele palco. Embora reconhecidamente um político de caráter complexo, eminência parda de Luís XIII, o cardeal foi um grande patrocinador das artes e das letras. Fundou a Academia Francesa, cuja atribuição permanece a de regular a língua francesa, preservando, sobretudo, sua pureza. A responsabilidade inicial da instituição foi a de preparar um dicionário. E a gente aqui no Brasil tendo que trocar toda hora de dicionário... Já não sei mais quando tem hífen, quando não tem... E “mataram” o trema!

Falando mais um pouco da Academia Francesa e seus 40 membros, ela congrega poetas, romancistas, dramaturgos, filósofos, médicos, cientistas, críticos de arte, militares, políticos, religiosos, enfim, todos que eles acreditam serem capazes de honrar a língua nacional. E, mais do que tudo, possam refletir a imagem do talento, da cultura, da inteligência e da ciência, bases da intelectualidade francesa.

Em tempo, nossa Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897 por Machado de Assis, também com 40 membros, foi instituída segundo o modelo da francesa, objetivando o cultivo da língua e da literatura nacionais. O drama é que não tenho certeza se temos feito as melhores escolhas. Descobri que o mais antigo membro do quadro atual é o José Sarney, e que também o Marco Maciel é imortal. Acho que vou mudar de assunto. Para não sofrer mais.

Voltando aos restaurantes, devo recomendar Le Zyriab, no Institut du Monde Árabe, metrô Jussieu, para quem gosta de comida típica do oriente. Simplesmente deliciosa. O melhor é pedir vários pratos para dividir com os companheiros de mesa. Eu e Bianca pedimos tudo - quibe, coalhada, tabule, kafta, arroz de lentilha... Fica no nono andar, oferecendo uma vista panorâmica dos telhados de Paris de tirar o fôlego. E a arquitetura, não somente do restaurante, mas do prédio todo, merece ser apreciada com bastante atenção.
Eu e Rosa fomos ver a exposição dos desenhos de Delacroix, no museu instalado na casa onde morou e onde mantinha, no prédio nos fundos, seu ateliê. Fantástica a mostra. Ele, realmente, era de um talento invejável, e fiquei encantada com a coleção de desenhos que trouxeram de Nova York, de propriedade de uma grande colecionadora. Saindo de lá, aproveitamos para “respirar” o mesmo ar de Sartre e Beauvoir e fomos comer omelete no Café de Flore. O metrô mais próximo é o Saint Germain-de-Prés.

O lugar ficou famoso pela clientela intelectual que freqüentava seu maravilhoso interior art déco, nos anos do pós-guerra. Parece que, agora, vemos mais turistas em suas mesas do que seres pensantes. Acho que as perguntas que o famoso casal lançava nas discussões sobre o existencialismo ainda pairam por ali. Dizem que foi naquelas mesas que Sartre escreveu sua famosa trilogia “Os caminhos da Liberdade”. Lembro-me que, quando li, um dos volumes era emprestado de um amigo. Quando acabei, fiz questão de comprar para ter, para sempre, a coleção completa. Bem em frente, temos o restaurante considerado seu rival, o Les Deux Magots, que também estava superlotado naquele dia. É outro que também deve constar da lista dos imperdíveis.

Não posso deixar de contar que voei pela TAP nessa viagem e tive a sorte de minha escala em Portugal ter sido no Porto. Segunda cidade do país, foi quem lhe deu o nome, pois o povoado pré-romano de onde se originou era chamada de Cale, ou Portus Cale. Bem, isso dizem, mas nunca se sabe. Fiquei lá apenas duas horas, mas isso foi o bastante para me deixar com vontade de voltar. Nem mesmo a insistente chuva me desanimou, e o metrô, o “Andante”, facilitou minha vida. Impressionou-me seu traçado, bem abrangente, com 60 quilômetros de rede e 60 estações para atender a metrópole com um milhão e duzentos mil habitantes. No Rio de Janeiro, se não me engano, são 40 estações em cerca de 50 quilômetros de extensão. Somos, na área atendida pela rede, cerca de mais de 6 milhões de habitantes.

E se falarmos do sistema de transporte de Paris, ficamos profundamente envergonhados. O metrô tornou-se um símbolo da cidade e foi inaugurado em 1900. Tem nada mais nada menos do que 16 linhas, 300 estações e 214 quilômetros! Leva mais de quatro milhões de passageiros por dia.

Vou voltar, sei que ainda vou voltar... assim disseram nossos poetas Chico e Tom... em outra circunstância, eu sei. Mas prometo a mim mesma uma visita decente ao Porto, a Portugal todo, pois sei que também vou me encantar. Por enquanto, fica somente I Love Paris.



terça-feira, 16 de março de 2010

I LOVE PARIS

I LOVE PARIS
Março de 2010


“I Love Paris”. Estranho eu mencionar a música de Cole Porter, em Inglês, se o que quero nessa crônica é falar da França? “J’aime Paris” não me parece a mesma coisa. Muitos vão se perguntar por que, então, não usei “Sous le ciel de Paris”, um céu que a voz de Yves Montand imortalizou da maneira mais perfeita. Na verdade, qualquer outro título me pareceria menos intenso do que I Love Paris. O que interessa mesmo é que estou com a maioria - amo Paris tanto quanto a torcida do Flamengo, do Coríntians e do meu Vasco.

Essa paixão que a cidade desperta tem história, e ouvi dizer que são cerca de 30 milhões de visitantes por ano. No século XVII,
já era a capital da maior potência política européia; no século XVIII , transformou-se no centro cultural europeu , ganhando o título de Cidade Luz, que carrega até hoje, em razão da efervescência intelectual e artística durante o Iluminismo; e ficou conhecida como a Meca da Belle Époque no século XIX. São razões de sobra para explicar o fascínio que desperta.

Há controvérsias quanto à história da cidade. A única certeza é que os Parisii, gauleses de origem celta, eram os “donos” da região quando Júlio César chegou com as tropas romanas. Nomeou-a Lutécia
por causa da lama que o Rio Sena deixava quando invadia a vila de pescadores em suas margens. O nome Paris venceu, felizmente, tempos depois. Esses fatos me fazem rir sozinha, ao pensar nas aventuras dos ”heróis gauleses” Asterix e Obelix, histórias em quadrinho da melhor qualidade. Gostava muito daquele humor super inteligente de Uderzo e Goscinn, e acho que vou reler algumas delas.

Na Primeira Guerra, a cidade não sofreu grandes ataques, mas na segunda foi ocupada pelos alemães logo em 1940; somente em agosto de 1944, foi libertada. Por sorte, estava inteira, pois o general alemão que chefiava as tropas invasoras, um homem culto e amante das artes, ostensivamente desobedeceu Hitler, que ordenara a destruição total da cidade.

Na tentativa de aliviar as tensões sociais que já se mostram nos subúrbios de Paris, muito em razão da emigração que se faz presente, e quem sabe “inspirado” por sua Carla Bruni, o Presidente Sarkozy tem, na manga, vários projetos de desenvolvimento econômico e tecnológico para o país, bem como um grande plano para a criação de uma administração da “Grand Paris”, ou “Greater Paris”. Será a administração para aquilo em que Paris deverá se transformar nos próximos 40 anos - uma metrópole do século XXI. Confesso que temo que, com esse crescimento, venha a perder parte de seu grande charme!

Não pude resistir ao convite de minha querida amiga Rosa, que divide seu tempo entre Paris e o Rio, e mais uma vez lá fui eu, com mil casacos na mala. Peguei um pouco de neve esse ano, enquanto o resto da Europa sofria horrores com as intempéries. As previsões quanto ao clima no futuro, aquelas mais do que assustadoras, talvez nem sejam tão exageradas, pelo que estamos vendo por agora.

Não foi uma viagem turística, no tradicional conceito de ”turismo de massa”. Mas alguns lugares famosos foram revisitados, com grandes descobertas, o que nos faz ter certeza do quanto deixamos de ver, de sentir, por passarmos grande parte da vida, vamos dizer, um pouco “adormecidos”. E isso não é só quando estamos em lugares novos... tampouco percebemos bem os lugares onde passamos grande parte do tempo. E, pior, as pessoas que estão conosco há muito podem ser verdadeiros desconhecidos ... Vemos pouco, pouco mesmo, do que quer que seja.

A Torre Eiffel, construída para a Exposição Universal de 1889,
nos cem anos da Revolução Francesa, continua atraindo o interesse dos turistas, como também o Arco do Triunfo, a Igreja de Notre-Dame de Paris, a Saint-Chapelle, com seus vitrais deslumbrantes, Les Invalides, o Pantheon... Olhei somente por fora, mas pude ver lá dentro, com a memória a me trazer tudo de volta.

O frio e a chuvinha miúda, incessante não me impediram de pegar o metrô e ir, mais uma vez, olhar Paris lá de cima. A Sacré Cœur é deslumbrante, mas o encantamento que se desperta na gente em Montmartre não vem somente dela. Bem pertinho, meio escondida, tanto que eu não havia visto antes, está a Place du Tertre, com muitos artistas de rua pintando os turistas deslumbrados com aquela atmosfera. A gente se imagina no tempo em que Montmartre era o centro da arte moderna, lá pelo início do século XX, com tantos gênios exercendo sua arte por ali, a maioria ainda bem pobre. Voltei, realmente, no tempo e me vi imortalizada por Picasso como uma das Demoiselles d’Avignon, acabando “meus dias” pendurada numa das paredes do MOMA, lá em Nova York. Ou, quem sabe, retratada como se eu fora Dora Maar, quando Picasso estava apaixonado e cubista ao extremo.

Quando desci de Montmartre, deparei-me com um enorme cartaz que anunciava, nada mais nada menos, do que um show do Trio Esperança, aquele lá dos anos 60. Levei um susto, agradável, sem dúvida, mas um susto. E lá estava a Evinha, com aquela carinha de sempre e o sorriso característico. No grupo, faltava o irmão, mas, para compensar, a nova componente deve ser uma outra irmã. No show marcado para o final do mês de janeiro, lançaram o novo CD, dessa vez interpretando de Bach a Jobim. Enfim, estão lá na Europa há décadas, apresentando-se para os que apreciam nossa música.

Com essa história, fiquei curiosa sobre o destino dos Golden Boys, os outros cantores da família, que seguiam a linha dos The Platters; e lá fui eu para o Google. Como sempre que consulto a rede, acabo esbarrando em mil problemas, pois aparecem informações sobre quase tudo que apresenta semelhança com o que se procura, um universo inacreditável. Depois de alguma procura e um pouco em dúvida, entendi que os Golden Boy somente gravaram até 1971.

Museus. Não vou mais ao Louvre, pelo menos por mais uns belos anos. Parece uma heresia, mas confesso que seus 17 quilômetros de galerias me aterrorizam. Informação demais ao mesmo tempo e, nesses casos, ouso dizer que o que abunda prejudica... As visitas anteriores, inúmeras, já me bastam. Bianca, minha caríssima amiga, sugeriu o Museu Jacquemart-André, uma jóia que a gente encontra no Boulevard Haussmann, perto de Charles de Gaulle-Étoile. Encantou-me a luxuosa residência, bem característica do século XIX, com uma preciosa coleção de pinturas da renascença italiana e da pintura francesa do século XVIII, isso sem falar nas importantes obras de pintura flamenga. Vale conferir.

Outro lugar imperdível é o Museu Nissim de Camondo, na Rue de Monceau. Na mansão do princípio do século XX, modelada a partir do Petit Trianon de Versailles, encontramos o que há de melhor em mobiliário e objetos de arte. Seus proprietários, a família de um banqueiro judeu, tiveram um destino bastante trágico na Segunda Guerra, e deles somente restou esse museu. O ser humano, em geral, carrega em si o gérmen do que há de mais nobre e de belo, mas alguns trazem o que há de mais abominável, e a História fica manchada de sangue para sempre.

No Les Arts Décoratifs, pude ver a exposição sobre Madeleine Vionnet, considerada, por alguns, mais talentosa do que Chanel. Todos se mostravam encantados com suas criações, aparentemente simples, mas que são fantásticas, com drapeados que ficaram famosos. Um outro mundo, esse da moda, mas não menos fascinante...

Mais um ponto alto da viagem foi a exposição “Personne” do conhecido artista francês Christian Boltanski. Eu ainda não havia visto o Grand Palais depois da reforma e fiquei maravilhada. Poucos lugares oferecem tamanho desafio a um artista. Considerada uma obra prima da engenharia, com o maior telhado de vidro da Europa e sua estrutura de ferro com paredes de pedra, esse espaço faz com que tudo que aconteça ali ganhe uma força ainda maior.
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Boltanski, sabemos, é um artista polêmico. Essa montagem representa o Holocausto e, realmente, atinge o espectador no estômago. Ouve-se, ao fundo, o som repetitivo de um “tam-tam” que vai atordoando os visitantes com uma força indescritível e que, logo, logo, beira o insuportável. É composto do batimento de 69 corações, difundido por alto-falantes instalados em pontos estratégicos. Alguns críticos dizem que o tipo de experiência artística que ele traz nessa exposição serve para manipular emocionalmente quem a vê e discordam. Não vou entrar na discussão por não entender do tema, mas devo confessar que Bianca e eu sentimos o peso daquilo tudo. Saímos de lá e fomos direto ao Ladurée, bem pertinho, para tomar um chá, ou melhor, uma taça de champagne, que ninguém é de ferro e, de certa forma, precisávamos mudar de ares e de assunto.

Como Paris não se esgota, tudo o mais que tenho a falar vai ficar para uma outra vez, em conversa sobre cinema, teatro e ótimos restaurantes.