sábado, 2 de maio de 2009

A ILHA DO PADRE

A ILHA DO PADRE
Ana Hertz
Maio 2009.

O pior é que não só a ilha é do Padre. Todo o resto também! A padaria, a escola, a lanchonete... Brincadeiras à parte, Padre Island fica junto a Corpus Christie, mais ou menos a 4 horas de Houston, para o sul. É uma pequena cidade aqui no Texas, cuja população beira os quatro mil e quinhentos habitantes. A ilha, South Padre Island, faz parte de uma formação de ilhas que constituem uma barreira natural ao longo da costa do Golfo do México. Ouvi falar dela, pela primeira vez, quando o furacão Dolly, ano passado, estava em plena atividade. Os dois últimos fenômenos naturais que atingiram Padre Island, em 1967 e em 2008, fizeram grandes estragos por aqui.

Ao chegar, fui direto conhecer Padre Island National Seashore, reserva protegida com unhas e dentes pelo governo federal americano. São mais de 100 kilômetros de praias e dunas, vegetação nativa, fauna especial, sendo que essa barreira de ilhas representa uma importante fonte de óleo e gás natural, em razão de suas rochas de origem orgânica que datam, segundo os estudiosos, da Era Terceária. As praias não são bonitas como as nossas, como era de se imaginar, mas ficam cheias de turistas, mesmo com o mar encapelado. As dunas são parecidas com as do Nordeste, mas tampouco conseguem superar as nossas. Nessas horas, penso em como a Natureza foi pródiga quando arquitetou a costa brasileira...

Não tive oportunidade de ver a desova das tartarugas que fazem seus ninhos na região, inclusive na área da reserva, sempre entre abril e junho. Fiquei com pena, mas morri de medo de aventurar-me pelas praias com meu carro, que não tem tração 4x4. O programa de proteção e acompanhamento conta com a ajuda de voluntários e de muitos turistas, que ajudam os agentes informando quando localizam ninhos. Os ovos encontrados são transportados para o laboratório e postos na incubadora, para serem cuidados e monitarados. Um dia ou dois depois de nascidas, as tartaruguinhas são devolvidas ao mar, muitas já carregando transmissores que enviam informações durante cerca de um ano para os pesquisadores em terra. Parece que é igual ao nosso projeto TAMAR.

Em Padre Island, praticam-se inúmeros esportes ligados ao mar, mas, além da pesca, windsurfing e do surf, também se vêem turistas passeando a cavalo nas praias. Em feriados de primavera e verão, a cidade fica lotada. Parece Cabo Frio, ou Arraial do Cabo, com tanta gente.

Sobre Corpus Christi, uma cidade bem maior, com mais de duzentos e setenta mil habitantes, vale dizer que tem dois museus bastante interessantes, para compensar a cidade, que não é das mais bonitas. Os primeiros a colocarem os pés na região foram os espanhóis, em 1519, justamente no dia em que era celebrada, pelos católicos, a presença de Cristo na Eucaristia. Por isso, anos depois, a cidade que ali nasceu, já no século XIX, recebeu esse nome.

Num dos museus que visitei, o de História e Ciência, acabei recordando muito coisa que aprendi nos anos escolares, e das quais já não me lembrava mais. Carlos V, imperador que reuniu, sob seu cetro, quatro casas reais, foi um dos principais personagens do século XVI na Europa. Era filho de Joana, a Louca. A gente teve a nossa louca oficial, a Maria. Por que também eles não teriam a deles? Carlos nasceu em Gand, na Holanda, por sinal uma cidade que visitei ano passado e que achei lindíssima! Além de governar os Países Baixos, ainda era rei da Espanha, da Alemanha, da Sicilia, de Nápoles e das colônias da América. Acabou sendo sagrado Imperador desse vasto império.

Os navios voltavam para a Europa abarrotados, sobretudo de prata, metal do qual a Espanha dependia para cunhar suas moedas. Uma nota interessante – no museu, um cartaz dizia que o século XVI foi testemunha da primeira grande inflação da História, pois a Espanha inundou o velho mundo com suas moedas, e o custo de vida, naquele século, aumentou 400%. Se comparados com os 81% em março de 1990 no Brasil, é até pouco para 100 anos. Ou se pensarmos na Alemanha, entre 1919 e 1923, quando os índices chegaram a um trilhão por cento.

Voltando à história - cada vez que um navio afundava, o imperador entrava em depressão. A região, favorável à formação de furacões e tempestades fortíssimas, foi palco de um sem número de naufrágios. Em 1554, aconteceu o maior desastre. Como nos outros desastres anteriores, foi organizada uma expedição de resgate, que também disputou a carga com os eternos caçadores de tesouro. Muitas vezes, conseguiam recuperar metade do que havia se perdido. O saldo negativo desse trabalho é que não havia a menor preocupação em resgatar documentos, que não interessavam a eles, como também objetos que, por não apresentarem grande valor de mercado, eram deixados de lado e perdidos para sempre e, junto, parte da história daquele tempo.

Foi nesse período, também, que foram perpetradas grandes fraudes com relação aos seguros. Os proprietários dos navios seguravam, além das embarcações, tudo que era embarcado, mesmo que pertencesse aos passageiros. Na hora do sinistro, os comandantes entravam no bote salva-vidas, deixando os passageiros e o resto da tripulação para trás e, depois, reivindicavam o seguro. Nesse museu, pude ver um interessantíssimo histórico sobre os naufrágios e os desdobramentos. Fascinante, sem dúvida.

Carlos V reinou durante 42 anos e fez um verdadeiro estrago nas finanças do império. Simplesmente, gastava, por ano, cerca de 5 vezes o que conseguia extrair das colônias no Novo Mundo. Estava sempre em guerras e exagerava no luxo com que mantinha a corte. Com a descoberta da América, os espanhóis acharam que tinha encontrado o pote de ouro na ponta do arco- íris. Poderia ter sido, mas... Chegou a declarar, por 3 vezes a falência de seu governo. O coitado do filho herdou o trono devendo, segundo o que vi, cento e cinqüenta vezes o que havia sido retirado das colônias. Ou seja, foi um império com formidável extensão de terras e recursos minerais, mas permaneceu pobre, porque a fortuna escorreu por suas mãos como água, indo, grande parte dela, para os banqueiros estrangeiros a quem pedia dinheiro emprestado, pagando altas taxas de juros. Olhem eles aí! Desde sempre. A história parece conhecida?

Revi, também, a trágica derrocada do império asteca, durante o governo de Montezuma II. Com menos de 1000 homens e uns poucos cavalos, Cortez destruiu um grande império, constituído, na época, de quase 500 cidades e uma população de cerca de dez milhões de índios. Isso, em dois anos, de 1519 a 1521!

Colombo, ao pisar nessas terras, uniu o velho ao novo, transformando o planeta num único mundo. Começou, naquele momento, a globalização. Vieram uns tantos da Europa, outros tantos da África, esses contra a vontade, sabemos, e essa terra tornou-se o que é com toda a diversidade cultural que a compõe. Foi pago um preço alto, sem dúvida. De 1492 a 1900, noventa por cento da população nativa desapareceu, como sempre acontece quando se descobre uma nova terra. O dominador e o dominado. A velha e trágica história.

O descobridor acabou descobrindo muito mais do que apenas aquele extensão de terra. Conheceu o milho e a batata, já cultivados neste lado de ca há mais de sete mil anos! Em troca do cavalo que nos mandou, que não havia por aqui, a Europa foi apresentada ao cacau... daí para o chocolate foi praticamente um pulo. Impossível imaginar-se um mundo sem um delicioso chocolate. Nossos colonizadores trouxeram os cavalos, pela primeira vez, em 1534, para a capitania de São Vicente.

O guia do museu, talvez para nos fazer relaxar, depois de tanta informação, principalmente sobre o que foi feito com os nativos, brindou-nos com uma comparação divertidíssima entre o homem e a mulher. O primeiro é como waffle, cheio de compartimentos. A segunda, comparou-a à panqueca, lisinha. Ou seja, caso algo aconteça ao homem, ele “compartimentaliza” a situação. Uma situação desagradável “espalha-se” na superfície feminina por inteiro, na maior rapidez. Por isso, o casal briga, briga, e o homem ainda pensa em sexo. A mulher, furiosa, nem quer saber.

Havia esquecido de explicar que o nome da ilha foi dado em homenagem a um padre católico, Jose Nicolas Balli, que herdou o território que Carlos III, rei de Espanha, havia dado a seu avô. Decidiu se estabelecer por lá, no século XIX, levando parte da família. Foi ele quem construiu a primeira igreja, iniciou a criação de gado, enfim, com isso tudo, o lugar começou a florescer. Merecida a homenagem. Por isso, encontramos a loja do Padre, a cafeteria do Padre, a whiskeria do Padre. E, como não poderia faltar... tem ainda o motel do Padre! É a ilha do Padre, sem a menor dúvida. Nas terras brasileiras, temos o Maranhão que, embora oficialmente tenha esse nome, deveria ser chamado de Terra do Sarney. Uma ilha era pouco para ele, preferiu o estado inteiro.