segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

JAMES BOND EM WASHINGTON

Impossível resistir ao convite de Najat, amiga querida a quem não via desde 1996, e lá fui eu rever Washington depois de tanto tempo. Sempre gostei da capital americana em razão de seus maravilhosos museus, tanto os ligados ao Smithsonian Institute, quando os outros, autônomos, sempre do melhor padrão.
A cidade não mudou muito desde que a visitei pela última vez, e só não havia congelado naquele fevereiro porque a acolhida de Vera e Genard foi a mais calorosa possível. Dessa vez, o calor do verão já estava chegando, e pude revisitar o Monumento à Guerra da Coréia sem ter que andar com neve na altura dos joelhos. Não esqueço a sensação de congelamento que senti daquela vez e confesso que foi uma das muitas vezes em que questionei minha sanidade mental. Enfrentar uma temperatura de cerca de 8 graus abaixo de zero para visitar um monumento ao ar livre demonstra uma completa insensatez. Enfim, o monumento impressionou-me tanto que valeu o risco de pegar uma pneumonia dupla.
Desta vez, com uma temperatura bastante civilizada, pude passear em meio às estátuas em bronze dos soldados, todos como se a caminhar em um campo de batalha, É claro que ver esse batalhão comove mesmo que o dia esteja glorioso, ao lembrar a tragédia das guerras, de quanto o homem tem se mostrado insensato através de sua história... mas a sensação de solidão se aprofunda se a neve, cortante, insiste em cair.
Pude notar, agora, a belíssima idéia de quem projetou o monumento. Foram instaladas, em granito cinza polido, paredes de cerca de 2 metros de altura, onde foram “desenhados” muitos soldados. Assim, conforme os visitantes passam ao longo desse mural, as imagens se misturam. Temos, unidos, num mesmo espaço, aqueles que foram para a guerra e os que agora, com grande emoção, procuram homenageá-los.... Mesmo os que não morreram lá longe deixaram, nos campos de batalha, a melhor parte de suas vidas e a possibilidade de serem inteiros de novo. A emoção me pega de jeito.
A vantagem de se voltar a lugares já visitados é poder, com calma, descobrir que, mesmo o que se conhece, pode tornar-se uma bela surpresa. E foi o que me aconteceu. Em cinco inesquecíveis dias, consegui me divertir muito com tanta novidade.
Há algum tempo, tenho evitado os grandes museus. Como já comentei, o excesso de informação tira um pouco do deslumbramento que se pode ter. Nesse caso, discordo do “quod abundat non nocet”. Prejudica, sim. E, por causa disso, lá fui eu em busca do novo nos de pequena extensão.
Pensei que o Newseum fosse menor... não é um Louvre, com 17 quilômetros de galerias, mas é bem grandinho.. O prédio, moderno, tem sete andares divididos em 14 galerias, 15 teatros e várias lojas. Ouvi dizer que é o único museu do mundo que trata de por que razão e como as notícias são preparadas. Foi inaugurado em 1997, em um prédio menor, mas seus fundadores logo concluíram que deveriam concentrar esforços para montar um espaço de maiores dimensões e pudessem realizar o trabalho planejado. Fecharam em 2002 e somente em 2008 o novo museu, agora muito mais espaçoso, foi aberto ao público. Uma das galerias mais interessantes é a que apresenta, a cada dia, a primeira página original de 80 diferentes jornais do mundo inteiro. Seus organizadores dizem que o objetivo maior da instituição é difundir a idéia de que a imprensa deve ser livre, para que um povo seja realmente livre.
Em outra galeria, temos à disposição, em telas de computadores, todos os dias, a primeira página de jornais do mundo inteiro. Não consegui contar quantos jornais brasileiros enviam seu material para o Newseum, mas encontrei, pelo menos, uns cinquenta. Hoje, verifiquei que o site deles mostra 759 primeiras páginas de periódicos de mais de setenta países. Tinha das Ilhas Fiji, do Iran (!?!), de Andorra, da Rússia... Aproveitei para ler a primeira página do Diário de Borborema, de Campina Grande, mas não apresentava grandes novidades. Sem dúvida, esse museu vai ficar na minha lista de prioridades toda vez que voltar a Washington. É surpreendente!
A National Gallery já era minha velha conhecida, mas a National Portrait Gallery estava na lista de espera há anos. Uma das coisas que me atraiu foi descobrir o critério utilizado para a escolha do acervo. Não são levadas em conta a personalidade do retratado e a qualidade artística da peça. O objetivo é contar, através de pinturas, esculturas e, mais recentemente, de fotografias, a história do homem, do povo, do país e também do mundo.
Em minha agenda turística, também estava indicado o International Spy Museum, localizado bem pertinho da Portrait Gallery. A fila para entrar já era grande meia hora antes da abertura das bilheterias, o que demonstra o sucesso desse museu, e encontrei enorme variedade de pessoas se acotovelando pelas galerias.
Descobri coisas do arco da velha. Saber que Josephine Baker atuou como espiã foi uma surpresa e tanto. Tudo o que eu sabia era que fora uma showwoman bastante famosa, que havia se transferido para a Europa em razão da segregação racial que ainda reinava nos Estados Unidos, e que adotara 12 crianças de diferentes nacionalidades. Só agora descobri que a espertinha trabalhava para a Resistência Francesa, na Segunda Guerra, levando e trazendo fotografias e mensagens escondidas nas exuberantes roupas que usava em seus shows. Por esse relevante serviço, recebeu do governo francês, quando de sua morte, honras militares, tendo sido a primeira mulher americana distinguida com tal honraria.
Toda essa história de espionagem tem um charme danado. Ian Fleming, ele mesmo um agente do serviço de inteligência britânico, foi quem deu vida a James Bond, aquele que minha geração e algumas outras sempre adoraram. Os filmes fizeram sucesso desde o primeiro da série, “O Satânico Dr. NO”. Mas o primeiro livro que ele realmente escreveu foi Casino Royale, que só foi para as telas no século XXI. Ele morreu em 1964, tendo assistido a apenas dois filmes, E o mais famoso intérprete de 007, Sean Connery, não era o ator que Fleming queria como Bond. Não conseguia vê-lo como o melhor para o papel, o que vem comprovar que nem sempre o criador entende bem sua própria criatura...
A ficção traz histórias de todo tamanho e cor e que despertam grande interesse em muita gente, sobretudo porque a literatura e os filmes sobre o assunto mostram personagens cheios de glamour, extremamente corajosos e que sempre vencem o “mal”. Mas a vida real tem coisas muito mais mirabolantes para contar,
Não foi durante a “guerra fria” entre os Estados Unidos e a União Soviética que os espiões “nasceram”; na verdade, foi quando floresceram e ficaram famosos. A História da civilização tem registros de espionagem desde a época das dinastias egípcias, das chinesas, enfim, desde sempre o homem se valeu dessa atividade na tentativa de vencer seu potencial inimigo. Na verdade, o primeiro serviço institucional de inteligência só foi criado durante o reinado de Luiz XIV, o famoso Rei Sol. Antes, a atividade era exercida mais informalmente, sem a organização “estatal”.
E os “inimigos” não estão só na política, e a espionagem industrial também tem história Essa, atualmente, é tão – ou mais – requintada do que aquela que se infiltra nos diferentes países. Para se manter na liderança de vendas, as empresas se valem dos mais variados meios para obter informações de seus concorrentes, para que possam evitar grandes surpresas. Contratam ex-funcionários dos oponentes, infiltram agentes em postos importantes, chantageiam empregados, interceptam comunicações... enfim, fazem de tudo para descobrir que novidade está o outro preparando.
E o cinema não ia ficar fora disso. O último filme que assisti sobre o assunto foi “Duplicidade”, com Julia Roberts e Clive Owen. Eu esperava mais, embora sempre dê para divertir um pouquinho. O mais recente, intitulado “A Origem”, com Leonardo DiCaprio, acabou não entrando na minha agenda.
Chego a Washington e penso logo em Watergate... É a capítulo de espionagem dentro da própria “casa” melhor esclarecido do último século. Veio à tona boa parte do que os republicanos fizeram nos escritórios do Partido Democrático e, como resultado, vários assessores de Nixon foram condenados e mandados para a prisão. E o presidente americano, antes que as coisas ficassem ainda piores para o lado dele, renunciou. Temia o iminente impeachment e uma mais que provável condenação. Melhor cortar o dedo do que perder a mão. Como aos inimigos não damos as costas, a traição exercida por eles não é tão perigosa quanto a que nos preparam aqueles que estão perto de nós, rondando-nos com pele de cordeiro. Daí, a razão de os provadores dos reis terem sido figuras tão importantes - o perigo mora ao lado.
Há bem pouco tempo, um ex-agente da KGB que havia se transferido para o lado britânico foi envenenado e morreu de uma forma terrível. Não foram poucos os eliminados assim, e existe até mesmo uma corrente de historiadores que afirma que Napoleão foi vítima de envenenamento, por arsênico, e que não morreu de úlcera perfurada coisa nenhuma. Tais alegações têm por base estudos científicos realizados por especialistas da Universidade de Glasgow, que tiveram acesso a fios de cabelo do grande personagem, guardados durante gerações por descendentes de funcionários seus. Eu fico na dúvida... os tais fios seriam dele mesmo?
As armas usadas pelos serviços secretos são incríveis, de causar inveja à imaginação dos maiores e melhores ficcionistas. Que tal um guarda-chuva que dispara balas de cianureto? E um “inocente” cigarrinho com cicuta? O fato é que não existe dificuldade alguma para se conseguir um veneno eficaz - a Natureza os fabrica aos borbotões.! Podemos escolher entre os de origem mineral, vegetal ou animal... Os laboratórios preparam outras tantas substâncias poderosas. O flúor, por exemplo, é uma substância altamente tóxica, mas excelente, em dosagem baixa, para tratar das cáries. O iodo, outro perigoso veneno, da mesma forma tem excelente uso terapêutico. E volto a fazer referência à conhecida expressão “Quod abunda non nocet” ... Claro que não cabe ao falarmos de venenos!
O Brasil também tem histórias para contar. Nosso primeiro serviço secreto foi criado em 1956, pelo Juscelino, e recebeu o nome de Serviço Federal de Informações e de Contra-Informação – SFICI. Teve vida curto, pois em 1964 foi desativado pelos militares, que montaram o terrível SNI, sobre o qual não preciso tecer comentários... todos conhecem bem. Nos dias de hoje, temos a tal da Agência Brasileira de Inteligência, que já se viu envolvida em vários escândalos do tipo Watergate, um deles o caso dos grampos no BNDES.
Se um dia eu quiser escrever uma história de espiões, e conseguir mil informações interessantes sobre esses aparelhinhos tipo 007, vou entrar em contato com ex-agentes da CIA, do FBI, da KGB, do Mossad, do M16, a rede que é considerada, por unanimidade, a mais eficiente de todos os tempos. Esses ingleses...
E, chegada a hora de finalizar o texto, sinto-me do mesmo jeito que a grande maioria dos escritores fica quando se senta diante da folha em branco... agora, da tela em branco. O que vou dizer? Como arrematar toda a escrivinhação? A boa técnica fala em voltar ao parágrafo inicial, retomar o tema e, assim, fechar o trabalho. Vou fugir do conselho... Não vou falar dos maravilhosos museus que visitei em Washington, dando preferência a comentar o que li em “Caixa Preta”, do brilhante escritor israelense Amós Oz.
Mesmo que o tema do romance não tenha nenhuma relação com espiões, governos estrangeiros ou com a capital americana, pude encontrar coisas interessantíssimas – e polêmicas! - sobre alguns grupos sociais. Discorrer sobre essas pérolas me obrigaria a escrever mais umas trinta laudas, o que não é o caso. Vou restringir-me a uma observação daquele autor que me pareceu apropriada para falar dos espiões. Para evitar que, na minha ignorância, eu mude uma palavra e venha desmerecer o original, vou apenas transcrever: “Na medida em que a pessoa perdeu a auto-estima, sua razão de viver, o verdadeiro significado da vida, simultaneamente eleva-se, engrandece-se, glorifica-se, santifica-se a justificação de seu credo, sua nação, sua raça, do ideal que abraçou ou do movimento ao qual jurou fidelidade.” Isso pode nos ajudar a entender porque os agentes secretos se arriscam tanto. A causa ou país que escolheram defender instalou-se naquelas almas para preencher o vazio que incomodava.
Eu, que gosto um bocado de mim, prefiro uma vida mais comum, temperada com aventuras apenas medianamente extravagantes. E, seguindo a boa técnica, arremato dizendo - “Vá a Washington... os museus são fantásticos!”