terça-feira, 20 de novembro de 2012


“QUEM NÃO PODE COM A FORMIGA NÃO ASSANHA O FORMIGUEIRO”
Novembro de 2012
                Pois é, mais uma vez no Recife, cidade que sempre me encanta. Conhecer o Museu do Homem do Nordeste foi um dos pontos altos dessa viagem, só não superado pela alegria de estar com a família na semana de comemoração do aniversário de Alberto,  primo nascido no Rio de Janeiro, crescido no Rio Grande do Sul, mas para sempre em Recife.  Foi um “retirante” inverso - partiu das praias cariocas, passou pelos pampas gaúchos e escolheu esse Pernambuco de tantos brasileiros marcantes.
O museu é muito interessante e faz a gente parar e pensar sobre o que significa enfrentar a aridez da terra, a seca, e ter que escolher entre ir embora, na esperança de uma vida menos difícil, ou permanecer e enfrentar a natureza e a devastadora política que sempre comandou a região...  De onde vem força para superar tamanha adversidade?  E a coragem para deixar o chão onde se deu os primeiros passos e a família que teima em ficar?
A migração no Brasil continua, mas não mais intensamente no sentido nordeste-sudeste, como foi décadas atrás.  Enfim, o homem em busca de melhores condições é uma história que vem sendo contada por todo o planeta, em todos os tempos.  O fluxo agora, com a mudança do perfil econômico das diferentes regiões, pode ser até mesmo negativo em  cidades como  Recife, Salvador e Fortaleza, que se tornaram atrativos para gente de todo o país.  Acabaram de inaugurar uma fábrica da Nissin-Ajinomoto, em
Glória do Oitá, na região da Mata Norte de Pernambuco, que vai fabricar 600 pacotes de miojo por minuto.  Estamos, no mundo, em décimo lugar no consumo de macarrão instantâneo, e o Nordeste pode se tornar um mercado interessante para a empresa.  Isso significa que teremos, por aqui, além da carne de sol com manteiga de garrafa, macaxeira e jabá com jerimum, muito miojo.  Prefiro não comentar e ter esperança - os nordestinos hão de lutar bravamente.
 Falando em perserverança, em coragem, temos aqui no Recife a comunidade chamada Brasília Teimosa... nome mais significativo, impossível.  É fácil imaginar que se constituiu na época em que a nova capital do Brasil estava sendo projetada.  Ao contrário daquela outra, os que viviam na daqui sofriam constante ameaça de expulsão: as pessoas construíam suas moradas à noite e as viam sendo derrubadas de dia.  Não desistiam nunca, e chegaram a mandar um grupo de cinco deles numa jangada até o Rio de Janeiro, para divulgar sua luta na posse de JK na presidência. 
A teimosia foi a marca desses nordestinos contra os interesses dos políticos e dos grupos econômicos, que queriam fazer do local um depósito de inflamáveis.  Urbanizada há tempos com recursos do BNH, hoje em dia é centro de atração para os turistas, que procuram seus inúmeros restaurantes típicos, um deles que já visitei e recomendo – Império do Camarão, na Rua do Badejo, 32.  O bairro tem cerca de 20 mil habitantes e carrega, orgulhoso, o nome que revela sua força.  Seu povo não teve medo da formiga e assanhou o formigueiro, todo poderoso.   Falando francamente, Recife lucrou com a troca – uma comunidade organizada, comportada, em lugar do tal depósito de inflamáveis.
Para dar título a essa crônica, inspirei-me em trecho de um dos cantos apresentados na homenagem ao cacique Chicão, lider Xucuru assinado em luta pela terra. Mais ou menos o que o velho ditado quer dizer – Quem não tem competência não se estabelece.  Na vida ou em qualquer outra coisa.  Mas isso assusta qualquer um.  Como saber de antemão se sou capaz, se  na maioria das vezes somente avalio minha força quando a situação se apresenta?
Luiz Gonzaga, pernambucano famoso, fez do limão a limonada... assanhou o formigueiro, pois dava conta da formiga.  Cada tropeço o fazia ir adiante, não importando a dor que estivesse sentindo.  Recomendo “Gonzaga – de pai para filho”, de Breno Silveira, lançado para comemorar seu centenário.  E minha vinda a esse Pernambuco onde nasceu, poucos dias depois de me deliciar com sua história na telona, é uma das coincidências da vida que nos fazem sorrir.
E enquanto aproveito as delícias de Pernambuco tão acolhedor, penso em seus filhos que ultrapassaram as fronteiras regionais e encantaram o país inteiro.  Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, eternizado às margens do Capibaribe, como se a pensar em Morte e Vida Severina...
E é por isso que eu digo - essa turma do Ajinomoto não sabe o risco que corre.   Acho que está assanhando o formigueiro, sem conhecer bem essa formiguinha nordestina, brava, teimosa e forte como poucos, que vai defender com unhas e dentes seu caldinho de peixe ou camarão, seu casquinho de caranguejo, aquele incomparável sururu com leite de coco, o arrumadinho com uma cerveja pra lá de gelada... Hão de vencer!
E fechando essa conversa fiada, preciso contar que li, num  jornal local, que Asa Branca, de Gonzaga e Humberto Teixeira, ganhou versão em coreano e vem fazendo um sucesso daqueles.   Ainda não conferi no youtube, mas não vou perder essa.  Devo, entretanto, confessar que de sua vasta obra tenho um carinho mais do que especial pelos versos da fantástica Vida de Viajante: “Minha vida é andar/Por esse país/Pra ver se um dia/Descanso feliz/Guardando as recordações/Das terras por onde passei/Andando pelos sertões/E dos amigos que lá deixei.”
               


sábado, 25 de agosto de 2012


VAI UM CAFEZINHO?  AÇÚCAR OU ADOÇANTE?
  


                 Quem viver, verá!  Vivi e vi.  Um cafezinho, às nove e meia da manhã, oferecido por uma simpática mocinha.  Isso, na sala de atendimento aos idosos do DETRAN, ali na Presidente Vargas.  Tive outra surpresa igualmente agradável semana passada, no mesmo órgão, só que na Rua da Ajuda.  

                Não sou a única a ter queixas quanto ao atendimento nos órgãos públicos. Somos muito mais que a galera do Flamengo junto com a do Coríntians.  Minha experiência como cidadã, em geral, foi mais para o desfavorável –em cerca de oitenta por centos das vezes, fiquei insatisfeita.

                   Para o atendimento na Rua da Ajuda, estava agendada para nove e trinta, mas cheguei dez minutos antes. Fiquei assustada com as  centenas de pessoas ocupando aquela infinidade de cadeiras, cores variadas marcando os não sei quantos guichês, enfim, um ambiente que justificaria um tempo enorme de espera.  Incrédula, percebi que foi o tempo de pegar a senha e, correndo, ir para o guichê que o sistema já indicava para meu número! Apresentei os documentos que haviam exigido e, em exatos 6 minutos, saí de lá com o certificado de registro e licenciamento do carro para esse ano de 2012.  Antes das nove e trinta, tinha resolvido tudo.  Não deve ser sempre assim, mas tampouco devem ser horas de espera, como antigamente.

                   No dia do tal cafezinho, cheguei 20 minutos antes, isso na Presidente Vargas, para tirar a permissão internacional para dirigir.  Fui atendida exatamente às 10 horas... o horário agendado.   A atendente resolveu o problema que eu mesma criara, ao pedir a tal permissão internacional antes de renovar a carteira de motorista comum, que preciso para dirigir no Brasil.  Sorrindo, mudou o pedido.  Para enfrentar o trânsito do mundo, resolvo depois.   Na espera pelo atendimento, foi oferecida um café.  Não curti a gentileza apenas por não gostar dessa bebida, mas achei a iniciativa ótima.

                   No ano passado, no Dia do Idoso, em setembro, foi oferecido um lanche mais ou menos na hora almoço e, à tarde, o coral do órgão se apresentou para alegrar a turma de velhinhos.   Isso não teria qualquer valor se não tivéssemos o atendimento propriamente dito de boa qualidade. O melhor de tudo é que se tem.   Os serviços na Rua da Ajuda, que são dirigidos a todos os cidadãos, também foi nota mil.   Ou já se foi o tempo que nos desesperávamos para resolver os problemas junto ao DETRAN, ou foi apenas muita sorte!

                   Não deveria estar aqui elogiando o que deveria ser o procedimento usual, como também não devemos chamar de honesto quem devolve o que acha por aí.  Isso é o que deve ser feito naturalmente, sem  aplausos, sem destaque.  Mas é natural, também, quando se vive na extrema falta, querer exaltar essas diferenças.

                   Vi uma luz no fim do túnel e tive uma ideia.  Quem tal elogiarmos bastante, tornando público esse “modus operandi”, fazendo com que outros órgãos sintam-se atingidos em seus brios e tomem vergonha?  Bem, mesmo sem ter provado o que era servido, adorei o cafezinho do DETRAN, e para ele levanto um brinde!

terça-feira, 7 de agosto de 2012


O PÃO E O CIRCO, O HOJE E O AMANHÃ

Fui aprender como economizar o “pão”, semana passada, subjulgada por meu espírito curioso (curiosíssimo, devo confessar).  Não consegui resistir ao convite para uma palestra organizado pelo projeto EDUCAR – BOVESPA – Mulheres em Ação, e lá fui eu.  Uma experiência bastante interessante, isso sem contar que o palestrante, por quatro horas ininterruptas, prendeu a mais completa atenção de todas nós, cerca de vinte mulheres!  Aquele tem o dom e deve ter tomado aulas com Fidel Castro para não perder o fôlego. Mostrou, sem dúvida, que o mundo financeiro não precisa ser encarado como um bicho de sete cabeças, e conseguimos, parece, perder definitivamente o medo do que parecia ser um reduto predominantemente masculino.
A linguagem direta, divertida e muito agradável de Antonio Vasconcelos nos deixou bem claro qual o espírito da coisa – devemos poupar hoje para que seja possível gastar tudo depois!  Comecei a desconfiar que é tudo bem o oposto à filosofia popular de “não deixe para amanhã o que pode fazer hoje.”  A cartilha deles ensina - Deixe para consumir amanhã, depois de amanhã, sei lá quando.
Segundo a boa regra do mercado, o que salvarmos hoje, vamos de qualquer maneira gastar no futuro, na velhice, daqui a alguns anos... a vantagem é que o dinheirinho vai aumentar com os juros que conseguiremos deixando-o quietinho por algum tempo.  Esse consumo adiado não quer dizer que será concretizado, necessariamente, no shopping, nos supérfluos, naquilo que vulgarmente consideramos consumo, mas será, invariavelmente, consumido. Quem tem dúvidas de que esse dinheirinho vai voltar à roda viva?  Vai pagar a faculdade dos netos, um apartamento maior, ou até mesmo nos salvar com os remedinhos que precisaremos para uma vida melhor.  Se não voltar a circular pelas nossas mãos, os herdeiros vão dar cabo dele bem mais depressa do que gostaríamos.  Não tem saída - uma hora ou outra, vai girar.
O problema é que é muito difícil sobrar para que possamos colocar no cofrinho.  Se temos uma receita mais reduzida, vamos nos comprimir no orçamento e damos conta.  Se elevamos os ganhos, vamos nos espalhando aqui, ali, sem muita percepção do movimento, e logo, logo, não podemos mais viver fora daquele novo padrão.  A dificuldade é a mesma para o pobre deixar de tomar o refrigerante no final de semana e o rico comprar apenas meia caixa de whisky, quando está acostumado a uma inteira!  Não nos controlamos, e a poupança, geralmente, vai para o espaço.
O cartão de crédito, o dinheiro de plástico, é um sedutor.  Como não saem da carteira as notas e as moedas,  a ilusão se instala de imediato e você nem percebe que gastou!  O dinheiro ao vivo está com os dias contados, servindo apenas para dar ao velhinho da porta da igreja, isso quando a gente vai à igreja, ou para o chiclete que o menino vende no sinal.  Pague seu carro em 60 meses e nem vai perceber que pagou 3 carros... Pagamos com cheque, com débito em conta; enfim, o mundo da fantasia, pois o que os olhos não vêem, o coração nao sente, não cifra, e continuamos com a volúpia das compras, praticamente sem abrir a carteira.  Tem agora o comércio ponto com...
Portanto, para poupar, temos que cortar.  E os especialistas afirmam - o que primeiro se corta é o “circo”.  O restaurante não mais será semanal, e o cinema, só em casa, com pipoquinha de microondas. Ou é a poupança que vai para o espaço ou é o lazer.
Eram cinco e meia, quando acabei de ouvir essa história toda de poupança, ações, CDB, PGBL, VGBL, cheque especial, e mal tinha tempo de chegar ao compromisso seguinte.  Literalmente, corri para a Estação das Letras e pude ouvir Tatiana Salem Levy falando de seu processo criativo.  Naquele espaço, sonhei, voei alto, pensei na alma e não na Bolsa.
Indo para casa mais tarde, noite alta, percebi o quanto tinha aprendido naquele dia.  Tanto recebi a receita para cortar despesas e aplicar onde posso fazer render alguns dos meus trocadinhos, como tive a confirmação de que a literatura, a arte, tudo isso é fundamental ao ser humano.  Em 10 minutos, havia comprado 4 livros.
Resumo da ópera – A BOVESPA e seus financistas me aconselham a gastar apenas o que é “essencial” para a sobrevivência.  Nada extra!  Nem os livros!  Com isso, aplico a sobra, deixo render e, em 10 anos, tenho um belo extra no meu cofre de porquinho.  Pois é, basta cortar meu lazer, meu prazer...
Pensando cá com meus botões.  Faltam 35 anos e meio para eu chegar aos 100.  Alguém vai acreditar que vou deixar de lado alguns dos maiores prazeres da vida para guardar por “meros” 10 anos uma determinada grana para, depois, consumir?  Mesmo sendo a mais otimista das pessoas, não sou ingênua.   Dez anos não são uma eternidade. São uma preciosidade!  Quero desfrutá-los intensamente.  Repito, a BOVESPA não me convenceu. Vou continuar comprando meus livrinhos, escolhendo a bolsa, não a de valores, mas a Prada,  Louis Vuitton...  Nesse momento da vida, a poupança é que deve ir para o espaço... não o prazer! Dele, não abro mão. Com cuidado, é claro, posso ter o pão e o circo. O que vale mesmo é o “Não deixe pra amanhã o que pode fazer hoje!”  E tenho dito!

quinta-feira, 31 de maio de 2012


UM TRIÂNGULO AMOROSO
Maio de 2012

             Não tenho escrito, e não é por falta de assunto ou vontade.  A velocidade da vida acaba atrapalhando.. ou servindo de desculpa?  E me volta a pergunta de sempre - que impulso me leva a escrever?   Tento entender, primeiro, quem desejo atingir, quem devo eleger como leitor.  Depois, o que quero fazer com as palavras... as dúvidas são enormes.  O que tenho certeza é que o tema não se esgota em mim.  Todos os que lidam com a literatura, com o escrever, mesmo que sem maiores pretensões, continuam a perguntar o que nem grandes pensadores puderam responder.  E para deixar tudo ainda mais complexo, temos a tal literatura silenciosa do “não”.  Que  escritor não sofreu com  a pulsão negativa e passou anos sem escrever – a angústia da folha em branco.  Por que escrever ?  Por que não escrever ?
                   Fã ardorosa de Rubem Braga, emocionei-me com a crônica que escreveu há mais de cinquenta anos, que não perdeu a força e a atualidade.  Dedicou duas laudas à confissão -  Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto, que chegasse a chorar e dissesse – “ai, meu Deus, que história mais engraçada!” Completou a idéia, dizendo que queria que sua história fosse como um raio de sol, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, doente, de luto.
                   Braga foi além, dizendo que gostaria que um casal mal-humorado, que estivesse em casa sem falar um com o outro, fosse ler sua história.  Quando o marido começasse a rir, a mulher, curiosa, também iria ler... igualmente seu riso despertaria... e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que, um ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.”
             Pois é, seria algo absurdamente maravilhoso fazer isso... ajudar o outro a reencontrar a alegria que se perdeu lá atrás.  Mas  nem sempre um bom livro faz isso.  Pode trazer de volta uma dúvida existencial, ou lembranças de um passado não tão querido, enfim, nem só de flores é feita a literatura.
                   Porém, quem diria?   Depois de velha, envolvi-me num triângulo amoroso.   Pois é, estou dividida entre Rubem Braga e Montaigne.  Cada hora, fico com um.  O primeiro a me encantar foi o Rubem.  Como adoro escrever crônicas e ele foi um mestre nessa arte, fácil explicar o envolvimento.   Devo esclarecer que não estou volúvel  a ponto de trocar meu objeto da paixão, mas de acumular, justamente em terreno onde Vinicius de Moraes bem dizia que menos vale mais!   Rosa apresentou-me Montaigne quando brilhantemente traduziu “Os Ensaios” em 2010. Foi atração fatal, daquelas dignas de um romance, o que torna isso um caso para Freud estudar e tratar. 
                   Uma das vantagens de se tornar uma pessoa idosa, dentre as poucas vantagens, vale confessar, é que a autocensura vai passear em outras freguesias.  E, graças a essa liberdade, consegui perceber muitas semelhanças entre o que o célebre ensaísta pensava sobre o escrever e o que se passa pela minha cabeça insana. 
                   A culpa para essa pretensão é da introdução ao livro feita pelo crítico literário Erich Auerbach, que me fez encontrar muitos pontos em comum com o famoso francês.   Em primeiro lugar, Montaigne dava voz às forças internas que o dominavam. As minhas estão sempre em ebulição, e devo constantemente liberá-las para que não entrem em ponto de fissão nuclear e eu me divida em pedaços menores... que provavelmente continuariam a dar muito trabalho. 
                   Volto ao assunto principal - Montaigne começou a escrever para falar de suas próprias experiências, sobre o que via e lia. Todos concordam que nao perco a mania de dar palpite sobre tudo que vejo, ouço ou percebo.  Mas esses pensamentos, os dele, segundo Auerbach, não são importantes, na verdade, para nenhuma disciplina específica.  Considero o mesmo em relação aos meus delírios. São idéias de leigos, e mesmo quando parecemos estar dizendo algo coerente, nada vai além da expressão pura e simples do que se passa em nossas cabeças, sempre com base em um raciocínio multifacetado, pouco especializado e profundamente subjetivo.  No meu caso, diria – estupidamente subjetivo.
                   Seus escritos nos mostram que ele pula de um assunto para outro sem a menor cerimônia, capturado por uma palavra qualquer que lhe desperta interesse em outra coisa e, sobre essa novidade, começa a discorrer. Alguma coincidência com as croniquetas?
                   E aí vai a comprovação de nossa completa semelhança = ousamos dizer tudo o que nos vem à cabeça, na certeza de que a coesão da nossa personalidade será forte o suficiente para dar razoável unidade ao todo.
                   Como era gênio, escreveu e ficou.   Como pessoa normal, imaginativa posso até concordar, vou passar de fininho, e só os mais próximos terão lido minhas croniquetas.   Porém, nosso objetivo terá sido o mesmo - escrever para nós mesmos. Se os outros, por ventura, descobrirem em nossa obra alguma utilidade e prazer, tanto melhor.
                   Entre les deux, mon coeur balance.  Rubem ou Montaigne?  Na verdade, se estiver me sentindo abnegada, dadivosa, sou Rubem e vou  desejar escrever uma história muito engraçada, mas muito engraçada para fazer alguém feliz.  Se, ao contrário, não estiver tão preocupada com os leitores e desejar escrever para me satisfazer e dar vazão às minhas forças vitais, estou mais para Montaigne.  Pois é, no final das contas, não posso abrir mão de qualquer deles.  Fazem parte de mim.

domingo, 4 de março de 2012

A ARTE E EU

Poucas meninas foram tão levadas quanto eu... arteira, diziam minhas avós. Deixava muitos meninos no chinelo e várias vezes fui "relaxar" lá fora para que os professores pudessem fazer o trabalho deles em paz. Tem gente que diz que, até hoje, continuo um pouquinho arteira.

Mas a Arte propriamente dita, de cuja história minha mãe era professora, sempre me fascinou, e com a idade fiquei mais encantada ainda. Aproveitando minha temporada aqui no Texas, fui ao Fine Arts Museum para uma fantástica exposição sobre Tutankamon. Os objetos encontrados na tumba do Rei-Menino, falecido aos 18 ou 19 anos, são realmente deslumbrantes, e adorei descobrir mais coisas sobre os faraós. Completei a tarde visitando a exposição permanente do museu, sem dúvida uma primorosa mostra da Arte através dos tempos.

No Museum District de Houston estão os principais centros culturais da cidade, e em alguns casos é possível ir a pé de um lugar para o outro. Dias depois de Tutankamon, voltei a Houston e fui revisitar The Menil Collection, importante espaço fundado em 1987 pela francesa Dominique de Menil. Ela e o marido vieram da França fugidos da segunda guerra e, com a fortuna que amealharam por aqui no ramo do petróleo, construíram, no final dos anos 60, a fabulosa Rothko Chapel. Após a morte dele, além da Collection, a Sra. de Menil mandou construir a Byzantine Fresco Chapel e a Cy Towmbly Gallery. Sem entrar em considerações mais profundas, cabíveis, sem dúvida, acredito que, de certa forma, pensaram em devolver ao país que os acolheu esses belíssimos centros culturais. A entrada é franca em todos eles.

Na Colletion, temos desde um objeto em terracota datado de 500 AC até obras da arte mais contemporânea do planeta, passando por Picasso, Magritte e outros tantos. Não se vê um texto explicativo, nada além do título da peça, do nome do autor, país, material usado, medidas, enfim, apenas os principais dados, para que seja possível usufruirmos das sensações que as obras despertam sem qualquer interferência do racional, do informativo.

Esquecida do mundo, acompanhava a trajetória do homem no seu modo de ver e retratar o mundo, quando de repente, não mais que de repente, vejo um queijo suiço de cera, cheio daqueles buraquinhos característicos, com a "casca" superior recoberta de longos e verdadeiros fios de cabelo! Eram mesmo humanos, como constava da ficha técnica. Para completar meu susto, logo na parede seguinte, vinha colado um livro antigo, das edições Penguin... nada mais além do livro grudado. Resumindo a ópera, a "arteira" aqui ficou olhando, olhando, provavelmente com cara de idiota. Será que esse livro está colocado de forma especial, e minha ignorância não permite que eu perceba? E esse queijo cabeludo quer dizer alguma coisa? O que é isto?

E não parou por aí. Na lojinha da galeria, encontrei a foto de uma famosa obra, já minha conhecida de outros carnavais, e que acho realmente assustadora. O artista, Edward Kienholz, americano, intitulou-a The Future as Afterthought. Quem tiver tempo, entre com o título no Google. Entendi na hora a mensagem, explícita e perfeita e, filosoficamente, assino em baixo; porém, é uma expressão artística muito agressiva, com a qual ainda não me acostumei. Consciente de minha ignorância, procuro entender, para que possa, um dia, aceitar e gostar Por isso, mesmo sendo um pouco como aquele menino da história da roupa nova do rei, não vou gritar: "- O Rei está nu"! Não sendo boba e certa de estar errada na avaliação, vou dizer bem baixinho se gostei ou não, e apenas para meus amigos.
A obra tem não sei quantas bonecas de plástico, algumas sem braço, outras sem cabeça, vários braços e pernas avulsos, tudo amarrado com fita gomada, no alto de uma coluna de madeira, daquelas que usamos para colocar vasos ou estátuas nos cantos da casa. Esse conjunto é complementado pela cabeça de uma boneca com expressão de choro, boneca essa que vem colada, solitária, sobre a base da coluna. Para mim, realmente, um pesadelo. É claro que o futuro é assustador, se pensarmos na superpopulação, na fome, na violência que grassa pelos quatro cantos do mundo e, sobretudo, na ameaça da bomba atômica. Em tempo - para transmitir isso, a obra lembra a nuvem-cogumelo da explosão nuclear. Esse pavor está presente em todos nós, mas é uma peça que não quero olhar muito e, por me incomodar, quero "passar batido".

Para continuar minha aventura pelo que mais recentemente vem sendo feito, fui ao Contemporary Arts Museum, um espaço pequeno mas sempre com exposições bastante interessantes. Estão agora com obras de vinte e duas artistas, e querem mostrar o quanto a arte feita por mulheres contribuiu para o desconstrutivismo dos anos 70 e 80. Vi coisas bárbaras, enquanto outras me animaram a colocar em prática várias idéias recentes, pois tenho a pretensão de achar que posso fazer coisas tão boas quanto algumas delas. Não se assustem, é um baita de um exagero, de autopromoção, apenas para criar um clima... mas realmente acredito que seja capaz de alguma coisa legal.

Numa das paredes, vi o cartaz preparado pelas Guerilla Girls com a denúncia de que apenas 5% das obras expostas no Metropolitan Museum de Nova York são de artistas mulheres, enquanto 83% dos nus retratados e das esculturas são femininos! Não é bem a presença que mais desejamos, e por isso temos que arregaçar as mangas e ocupar os espaços, já que espaço se ocupa, nunca nos é dado de graça. Em tempo, essas Guerilla Girls começaram a atuar em 1985, quando foi aberta uma exposição em NY com obras dos que seu curador considerava como os 169 "melhores" artistas da arte contemporânea. Nessa seleção, todos os artistas eram brancos, europeus ou americanos, e apenas 13 eram mulheres. O tal curador não conseguiu disfarçar seus variados preconceitos, tornando-se alvo das críticas de uma boa turma.

Depois da arte contemporânea, fui para a Byzantine Fresco Chapel, cujo nome já diz tudo. Datados do século 13, os afrescos vieram de Chipre e, segundo o acordo feito com a Fundação The Menil, pertencerão ad eternum ao governo e à igreja daquele país, que foi, bom lembrar, o primeiro lugar do mundo a ser governado por um cristão. Vieram "alugados". Simplesmente deslumbrante a concepção arquitetônica que une o antigo sagrado ao novo, já que foram usados, no prédio, concreto, aço e vidro e, no teto dessa construção super moderna, estão os afrescos ! A estrutura fragmentada do vidro traz uma leveza impressionante para um lugar sólido como qualquer outro templo religioso feito de concreto. Luz e sombra fazem igualmente um jogo de contraposição, como se a confirmar que o antigo se integra suavemente ao atual, trazendo um novo significado.

Para terminar o passeio, fui até a Rothko Chapel. O casal de Menil, que conhecia as capelas francesas com trabalhos de Fernand Léger e de Matisse, além da capela de Ronchamp, de Le Corbusier, decidiu construir uma em Houston na mesma linha. Para a empreitada, foi contratado o pintor Mark Rothko, que teve a mais completa liberdade para criar. O artista trabalhou com três importantes arquitetos, e foi construído um templo octogonal, capaz de abrigar 14 imensas telas pintadas por ele, Rothko.

Os dois corredores que nos levam àquele maravilhoso espaço oferecem, em duas prateleiras baixas, os livros sagrados das religiões com mais seguidores. Estão lá a Biblia, a Torá, o Corão, o Cânone Pali, do Budismo, todos em mais de uma língua.

No interior da capela, construída para que os fiéis das diferentes religiões possam meditar, encontramos apenas 4 bancos de madeira, em círculo, e as telas nas paredes. Como disse John de Menil - "É um lugar onde um grande artista, pensando no Absoluto, teve a coragem de pintar quase nada e fazer isso magistralmente." As telas, enormes, mostram apenas o preto ou o roxo, sem qualquer símbolo, nada que faça constraste, nada que direcione o pensamento... É de tirar o fôlego Temos a sensação de estar em solo sagrado, sagrado pela paz, pelo silêncio comovente dos que ali vão orar. Sente-se apenas o ser humano em sua mais profunda consciência. Quem vier por esses lados, não pode perder.

Uma obra de arte, segundo Hauser, é um desafio e, para interpretá-la, usamos nossos maiores esforços para encontrar um significado. É arte qualquer criação que nos afete, que nos desperte sensações, sejam elas quais forem. O artista, quando cria, deseja comunicar-se com cada um de seus espectadores, que reagirá com a alma, através de suas percepções, mas sempre com liberdade para gostar ou não do que está vendo.

Quando se trata de arte contemporânea, sinto-me dividida. Vejo coisas fantásticas, adoro Vik Muniz, Waltercio Caldas, e chego a me aventurar fazendo alguns objetos interessantes. Desses passeios culturais, devo dizer que achei o conjunto das obras muito bom, mesmo continuando desconfiada e sem entender bem algumas delas. Por outro lado, espero que todos me perdoem as heresias perante o compromisso que ora assumo de que vou me aprofundar no tema e deixar de falar besteira.

No final das contas, tenho certeza de que, ainda hoje, sou muito mais arteira do que artista. Sei que a definição de arte é controversa, sobretudo na filosofia contemporânea, e o que é vulgar para uns pode ser lírico para outros. Vou tentando, pelo menos, ser uma boa artista no palco da vida, nesse palco que não dá chance para um ensaio geral, mas que oferece, se prestarmos atenção, grandes possibilidades de mudança de enredo no segundo ato.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


NA TERCEIRA JUVENTUDE

Curiosíssima, fui ver The Artist. Com a tecnologia presente, hoje em dia, de forma até mesmo assustadora, Hazanavicius ousou fazer um filme mudo, à moda antiga. Eu tinha visto no Zoológico aqui de Houston, há alguns dias, um 4D sobre nosso belíssimo planeta, mostrando uma natureza tão deslumbrante e tão real que, quando uma orca saltou para pegar seu alimento predileto, uma foca, senti respingos da água do mar no rosto. Pois é, com tantos efeitos especiais à disposição, o cineasta decide ficar no preto e branco, com legendas apenas em alguns momentos para sabermos o que os personagens dizem... e apesar disso (ou seria por causa disso?), faz um filme delicioso! Pensando bem, como negar a genialidade de filmes sem som como A Corrida do Ouro, O Garoto e as deliciosas comédias do Gordo e Magro?

A grande questão - quando o mundo se transforma. como nos adaptarmos ao novo? Como ter coragem para mudar se antigos padrões nos parecem tão acolhedores? O personagem permanece no que é conhecido, em sua zona de conforto - resiste e insiste, não se curva perante o inevitável e sucumbe. É o medo paralisante do novo, que mesmo oferecendo a possibilidade de ser maior e melhor, assusta a todos nós. A esposa, mera peça decorativa na grande mansão, com quem raramente estabelece qualquer diálogo, faz a pergunta - que sabemos qual é pela legenda, e que tem, no caso, duplo sentido:- "Por que não fala?" E eu acrescento - Por que não muda?

Voltando à tecnologia. Fiquei bastante impressionada ao ver duas senhoras que, estou certa, beiram os 80 anos, desligando os celulares apenas no último segundo antes do início do filme. Enquanto passavam os traillers, as duas mandavam e recebiam mensagens. E, mal acabou o filme, ligaram os aparelhos e recomeçaram. Ou seja, estão conectadas o tempo todo!. Eu, que me aflijo com os jovens e seus inseparáveis Iphones, Ipads, esses objetos que passaram a fazer parte do próprio corpo humano, fiquei abismada ao constatar que o fenômeno da comunicação do século 21 também capturou, definitivamente, a terceira juventude!

E como a turminha mais antiga virou assunto, lembrei-me da propaganda de um banco tailandês sobre alguns velhinhos de 81 anos que saíram viajando por 13 dias, em suas motocicletas, deixando de lado suas dores, problemas seríssimos de saúde, seus medos, e frustrações, voltando, felizes, à primeira juventude. A mensagem é de que vivemos por causa de nossos sonhos, e achei o trabalho de extrema sensibilidade. Aproveitando a dica sobre a importância dos amigos, aceitei o convite para almoçar no parque onde ainda fazem corrida de cachorro aqui nos Estados Unidos, e lá fui eu com mais quarenta companheiras da terceira idade.

Eu, na verdade, não gosto de corrida de cavalo, muito menos de cachorro, e somente quis aproveitar a oportunidade para não só estar com minhas amigas americanas, mas também para saber mais um pouco sobre esse "esporte", Os bichinhos são galgos italianos e podem competir até seus três ou quatro anos. Li, em um dos sites acessados, que são muito mal tratados e que quando não podem mais competir são sacrificados. Disseram, ainda, que também os coelhos, que servem de estímulo para que os "atletas" corram, sofrem muito. Por isso, somente em sete estados tais corridas são permitidas, já estando formalmente proibidas em outros trinta e oito.

Desconfio que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Quando li que passam fome, fiquei de pé atrás. Se ficarem muito fracos, não vão correr, e o objetivo se perde. Provavelmente, não são alimentados antes das provas, pois ficariam tão pesados quanto nós ao sairmos da mesa de almoço, mas não posso crer que fiquem mal alimentados o tempo todo.

Ouvi, há tempos, que os cavalos de corrida no Brasil são mais bem tratados do que seus tratadores. Comem do melhor, são monitorados pelos veterinários o tempo todo... por que seria diferente com os cães? Ah! Não usam coelhos, e sim um bichinho de pelúcia para fazê-los correr mais. Bem, como disse - nem cá, nem lá. Mesmo ficando no meio termo, continuo não gostando nem um pouquinho dessas coisas.

Como estão todos acostumados comigo pulando de um assunto para outro sem a menor cerimônia, volto agora para a antiga idade. O problema é que estou longe e fico louca para escrever sobre tudo que me vem à cabeça!

Recebi um interessante video com Jane Fonda falando dessa coisa maravilhosa, maior do que a revolução tecnológica, que é a longevidade adquirida pelas últimas gerações Vivemos, hoje, em média, mais 34 anos do que nossos bisavós. Isso representa uma revolução - social, previdenciária (somos um problema, vivendo tanto), cultural; enfim, uma coisa realmente extraordinária. Mas aí nos deparamos com um dilema - O que fazer entre os 60 e os 90? Como usar esse terceiro tempo que nos foi dado no jogo da vida?

Eu, menos ansiosa, cobrando menos de mim mesma e vendo, bem de dentro, a velhice, fiz uma reavaliação e, como Jane sugere em sua palestra, libertei-me do passado, fazendo as pazes com ele. Isso é um pouco melodramático, mais para dar um tom sério à crônica, já que, cá entre nós, nunca tive grandes problemas com meu passado. Ele não me condena! De qualquer forma, olho para trás com tranquilidade, bastante serena, muito alegre com as conquistas, profundamente triste com as perdas das pessoas amadas, mas sabendo que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe. E vou levando razoavelmente bem, pelo menos até agora. Como diria Sinatra, "I did it my way..."

Enfim, gostei de ver o cinema francês prestando homenagem à história de Hollywood. Charmoso, inteligente, com um happy end que não incomoda e nem mesmo tira o brilho do conjunto, é, sem dúvida, um filme que merece ser visto. Pode não ser um grande obra, daquelas que ficam para sempre, mas ajuda a gente a se lembrar de tudo que faz do cinema aquilo que realmente ele é.

E o melhor de tudo - comprova que coisas antigas também podem ser interessantes, reservando, muitas vezes, grandes e inesperadas surpresas. Em tempo - mesmo achando que nós, mais antigos, podemos ser ótimos, devemos ter cuidado em não nos considerarmos "demais". Aprendi que tudo o que é demais sobra... e o que sobra vira lixo... e acaba sendo jogado fora! Portanto, menos, amiguinhos da terceira juventude, menos!