terça-feira, 20 de novembro de 2012


“QUEM NÃO PODE COM A FORMIGA NÃO ASSANHA O FORMIGUEIRO”
Novembro de 2012
                Pois é, mais uma vez no Recife, cidade que sempre me encanta. Conhecer o Museu do Homem do Nordeste foi um dos pontos altos dessa viagem, só não superado pela alegria de estar com a família na semana de comemoração do aniversário de Alberto,  primo nascido no Rio de Janeiro, crescido no Rio Grande do Sul, mas para sempre em Recife.  Foi um “retirante” inverso - partiu das praias cariocas, passou pelos pampas gaúchos e escolheu esse Pernambuco de tantos brasileiros marcantes.
O museu é muito interessante e faz a gente parar e pensar sobre o que significa enfrentar a aridez da terra, a seca, e ter que escolher entre ir embora, na esperança de uma vida menos difícil, ou permanecer e enfrentar a natureza e a devastadora política que sempre comandou a região...  De onde vem força para superar tamanha adversidade?  E a coragem para deixar o chão onde se deu os primeiros passos e a família que teima em ficar?
A migração no Brasil continua, mas não mais intensamente no sentido nordeste-sudeste, como foi décadas atrás.  Enfim, o homem em busca de melhores condições é uma história que vem sendo contada por todo o planeta, em todos os tempos.  O fluxo agora, com a mudança do perfil econômico das diferentes regiões, pode ser até mesmo negativo em  cidades como  Recife, Salvador e Fortaleza, que se tornaram atrativos para gente de todo o país.  Acabaram de inaugurar uma fábrica da Nissin-Ajinomoto, em
Glória do Oitá, na região da Mata Norte de Pernambuco, que vai fabricar 600 pacotes de miojo por minuto.  Estamos, no mundo, em décimo lugar no consumo de macarrão instantâneo, e o Nordeste pode se tornar um mercado interessante para a empresa.  Isso significa que teremos, por aqui, além da carne de sol com manteiga de garrafa, macaxeira e jabá com jerimum, muito miojo.  Prefiro não comentar e ter esperança - os nordestinos hão de lutar bravamente.
 Falando em perserverança, em coragem, temos aqui no Recife a comunidade chamada Brasília Teimosa... nome mais significativo, impossível.  É fácil imaginar que se constituiu na época em que a nova capital do Brasil estava sendo projetada.  Ao contrário daquela outra, os que viviam na daqui sofriam constante ameaça de expulsão: as pessoas construíam suas moradas à noite e as viam sendo derrubadas de dia.  Não desistiam nunca, e chegaram a mandar um grupo de cinco deles numa jangada até o Rio de Janeiro, para divulgar sua luta na posse de JK na presidência. 
A teimosia foi a marca desses nordestinos contra os interesses dos políticos e dos grupos econômicos, que queriam fazer do local um depósito de inflamáveis.  Urbanizada há tempos com recursos do BNH, hoje em dia é centro de atração para os turistas, que procuram seus inúmeros restaurantes típicos, um deles que já visitei e recomendo – Império do Camarão, na Rua do Badejo, 32.  O bairro tem cerca de 20 mil habitantes e carrega, orgulhoso, o nome que revela sua força.  Seu povo não teve medo da formiga e assanhou o formigueiro, todo poderoso.   Falando francamente, Recife lucrou com a troca – uma comunidade organizada, comportada, em lugar do tal depósito de inflamáveis.
Para dar título a essa crônica, inspirei-me em trecho de um dos cantos apresentados na homenagem ao cacique Chicão, lider Xucuru assinado em luta pela terra. Mais ou menos o que o velho ditado quer dizer – Quem não tem competência não se estabelece.  Na vida ou em qualquer outra coisa.  Mas isso assusta qualquer um.  Como saber de antemão se sou capaz, se  na maioria das vezes somente avalio minha força quando a situação se apresenta?
Luiz Gonzaga, pernambucano famoso, fez do limão a limonada... assanhou o formigueiro, pois dava conta da formiga.  Cada tropeço o fazia ir adiante, não importando a dor que estivesse sentindo.  Recomendo “Gonzaga – de pai para filho”, de Breno Silveira, lançado para comemorar seu centenário.  E minha vinda a esse Pernambuco onde nasceu, poucos dias depois de me deliciar com sua história na telona, é uma das coincidências da vida que nos fazem sorrir.
E enquanto aproveito as delícias de Pernambuco tão acolhedor, penso em seus filhos que ultrapassaram as fronteiras regionais e encantaram o país inteiro.  Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, eternizado às margens do Capibaribe, como se a pensar em Morte e Vida Severina...
E é por isso que eu digo - essa turma do Ajinomoto não sabe o risco que corre.   Acho que está assanhando o formigueiro, sem conhecer bem essa formiguinha nordestina, brava, teimosa e forte como poucos, que vai defender com unhas e dentes seu caldinho de peixe ou camarão, seu casquinho de caranguejo, aquele incomparável sururu com leite de coco, o arrumadinho com uma cerveja pra lá de gelada... Hão de vencer!
E fechando essa conversa fiada, preciso contar que li, num  jornal local, que Asa Branca, de Gonzaga e Humberto Teixeira, ganhou versão em coreano e vem fazendo um sucesso daqueles.   Ainda não conferi no youtube, mas não vou perder essa.  Devo, entretanto, confessar que de sua vasta obra tenho um carinho mais do que especial pelos versos da fantástica Vida de Viajante: “Minha vida é andar/Por esse país/Pra ver se um dia/Descanso feliz/Guardando as recordações/Das terras por onde passei/Andando pelos sertões/E dos amigos que lá deixei.”