terça-feira, 23 de julho de 2013

E. FINALMENTE, OS BRASILEIROS SE APAIXONARAM POR UM ARGENTINO

             A implicância entre os dois povos não é de hoje. Desde quando? Passa apenas pelo futebol?  Seria Diego Maradona o mais significativo símbolo da conhecida rejeição?
             Histórias de dificuldades entre nações são conhecidas através dos tempos.  Lembro-me de assistir, nos anos oitenta, no canal oficial da França, Antenne 2, agora o France 2, programas humorísticos que acabavam com a dignidade da família real inglesa. Eu não conseguia entender como as relações diplomáticas entre os dois países não azedavam ainda mais. Não se bicam desde a Guerra dos Cem anos, aquela guerra que durou 116 anos e que teve Joana D’Arc como importante símbolo.  O príncipe Charles, é claro, era o alvo preferido das piadas.  Cá entre nós, ele foi, é e será sempre um prato cheio para referências jocosas.
             No mundo, são conhecidas algumas implicâncias viscerais, a maioria por razões históricas.  O povo chileno não gosta dos argentinos; na Venezuela, ficam zoando os colombianos, e, de vez em quando, uruguaios e argentinos também se estranham. Do outro lado do mundo, chineses e japoneses não se entendem há tempos, e quem viu o filme ”O Último Imperador” encontrou alguns bons motivos.  Isso, sem falar em países que estão em guerras que não acabam nunca.
           Tentei descobrir algo mais profundo e que realmente justificasse essa dificuldade entre brasileiros e argentinos, mas só cheguei às explicações futebolísticas, que acabei aceitando sem questionar.
           Encontrei um cuidadoso trabalho de dois professores da UERJ, Ronaldo Helal e Hugo Lovisolo, que estudaram a cobertura jornalística esportiva em jornais argentinos e brasileiros desde 1970.  O foco da pesquisa foi a imagem construída por cada um dos países em relação ao outro. Para minha enorme surpresa, o relatório é bastante interessante.
             Resumo da ópera – o tratamento entre os órgãos de imprensa dos dois países foi se mantendo em patamares fraternos até o início dos anos 90, com apenas algumas eventuais e leves cutucadas.   Mesmo com o sucesso de Maradona e o baixo rendimento do futebol brasileiro nos anos 80, a imprensa argentina, naquele período, ainda falava de nossos jogadores com muito respeito.  Via-se “Brasil es siempre Brasil” nas manchetes, e a eliminação da seleção brasileira nas copas de 1978 e 1986 foi sinceramente lamentada pelos jornalistas argentinos.
             O problema começou quando algumas charges mexendo com Maradona apareceram em nossos jornais.   Segundo os professores, foi o primeiro passo.  Em 1998, a história esteve tranquila até os argentinos saberem que os torcedores brasileiros haviam festejado os gols da Holanda contra a seleção “hermana”. Foi, então, que parte da imprensa especializada argentina passou definitivamente a hostilizar nosso futebol.
             Do lado de cá, desde 1990 que alguns de nossos jornalistas cutucam a onça com vara curta, suavemente naquele início.  Em 2002, a coisa ficou ostensiva, de ambas as partes.  Porém, os professores ressaltaram que nossos comentários eram mais ácidos.  Uma pena.
          Como nada tem um só lado, vamos sempre passear na Argentina, ficando os brasileiros em primeiro lugar no número de visitantes.  Depois de nós, estão os chilenos, rolando, sobre eles, uma piada ótima - eles adoram o tango por uma simples razão... em cada uma das canções morre um argentino! Realmente, Buenos Aires é destino de quase um milhão de brasileiros por ano.  E chegam por aqui cerca de um milhão e trezentos argentinos.  Um senhor intercâmbio, sem qualquer implicância de parte à parte. 
           Volto ao Papa Francisco.  Chegou há menos de 24 horas ao Rio e já conquistou gregos e troianos. Não são apenas os católicos que estão encantados; na verdade, não tem apenas o carisma institucional, que vem com o cargo que ocupa, mas carrega um intenso carisma pessoal.  Seu gestual é sedutor, e vemos alguém com invejável poder de comunicação, mesmo quando apenas sorri.  Na hora daquele tumulto em razão do vergonhoso engarrafamento, ele não se retraiu, não mostrou preocupação, nem fechou a janela para “se proteger”.  Como dizem, está “dentro”.  E se nos lembrarmos daquele que renunciou, a mudança é incrível.             
            Quem é esse Francisco?  Não me interessei pelas biografias lançadas, por considerar um tanto prematuro, já que estarão falando de Jorge Mario Bergoglio, enquanto o Papa Francisco ainda está se construindo.  Hoje,entretanto, reconsiderei. Talvez seja interessante descobrir que bagagem traz, qual sua estrutura, sua espinha dorsal.  E penso em ler “Sobre o Céu e a Terra”, que traz diálogos travados entre ele, ainda arcebispo de Buenos Aires, e o rabino Abraham Skorka.  Dois intelectuais que trazem o melhor de suas religiões, que falam do mesmo Deus... 
          Deposito esperança nele, ao perceber que tem o pé no chão, e chamo de chão não apenas o católico apostólico romano.  Parece-me que olha em volta sem excluir, o que me anima bastante.  E ando meio desligada, tratando de meus assuntos espirituais diretamente com os Superiores.  Os intermediários não me animam nem um pouco.
          A partir dessas primeiras impressões e do fato de que especialistas católicos acreditam que ele vai estreitar os laços com outras religiões, espero que venha fazer alguma diferença nesse mundo onde, até agora, os diversos credos somente serviram para afastar as pessoas. 
      Saramago, ateu convicto e, sem dúvida, muito polêmico, sugeriu algo brilhante – enquanto não conseguirmos seguir AMAI-VOS, UNS AOS OUTROS, as religiões deveriam pregar – RESPEITAI-VOS, UNS AOS OUTROS.
     Gosto tanto dessa ideia ecumênica que, em casa, há muitos símbolos católicos, alguns judaicos, dois do Hinduísmo, isso sem esquecer de Iansã, representada por Santa Bárbara. Espero que a convivência pacífica com o que há de bom em cada crença me faça uma pessoa melhor.  
       Se o papa nasceu argentino, não parece fazer a menor diferença...milhões de brasileiros estão completamente apaixonados por ele!  E eu, ainda sem saber quando essa rivalidade realmente começou, trago a complexa interpretação do Professor de Sociologia Pablo Alabarces, da Universidade de Buenos Aires, sobre a questão – “Os brasileiros amam odiar os argentinos, e os argentinos odeiam amar os brasileiros.” 

      Prefiro pensar em uma reinterpretação dessa história – agora, muitos brasileiros amam estar com esse argentino.