sábado, 13 de dezembro de 2008

SOBRE A BELEZA

A tela, em branco, e não sei como vou começar. Sem razão aparente, torna-se difícil escrever sobre a Beleza, aquilo que todos buscamos a cada momento da vida. Como falar nela, quando tudo em volta parece conspirar contra a paz, a alegria, a justiça? Esforço-me para deixar de lado esse mundo confuso e violento e percebo, na alva página virtual, os primeiros flocos da neve, caindo mansamente sobre a floresta, como um manto que insiste em cobrir as flores que resistem ao rigor do inverno. Os raios de sol se despedem e levam junto sua luz dourada, abrindo espaço para a noite que se impõe, magnífica. Fecho os olhos e abro a alma para a paisagem que se derrama pela mesa de trabalho, permitindo que a lua se afirme, com delicadeza, no escuro daquele céu imenso. Como num passe de mágica, volto no tempo e vejo a lua espelhada nas águas da lagoa, em cujas margens caminho extasiada com a imagem do Cristo, bem lá do alto, a abençoar a cidade que, atenta, olha a vida transbordando de seus poros.

O telefone toca e me traz de volta, desfazendo no ar o pôr-do-sol que começa a se delinear em meu espírito, com raios fazendo, das areias do Arpoador, um chão de pedrinhas brilhantes. Um amigo pede um livro sobre Gandhi. Deixo o teclado e vou em busca da obra sobre o fascinante indiano. Sentada na escada de metal, descubro, naquele rosto magro, moreno, naquela vida, a extraordinária beleza de quem fez do próximo seu objeto de amor.

Enquanto passeio pelas estantes que abrigam meus livros queridos, esbarro no song-book de Chico Buarque. Suas páginas amareladas pelo tempo trazem de volta as mais simples e cotidianas palavras de nossa língua, que falam de quem morreu na contramão atrapalhando o tráfego, do feijão que ela faz todo dia sempre igual, da Maria, do Nicanor, da gente humilde com cadeiras na calçada... E Chico também avisa que vai passar, nessa avenida, um samba popular... Delicio-me com cada verso, com cada refrão que insiste em soar baixinho... Desligo-me do mundo e mergulho na beleza dessas letras incomparáveis. O tempo vai passando, até que a música que vem nem sei de onde me traz de volta. Parece Edu Lobo... Será Ponteio?

Desço da escada e, no cantinho do quarto, com um olhar, abraço a pilha de CDs, num feliz reencontro com Toquinho, Vinicius, Mozart, Beethoven, Gershwin. Como uma criança em noite de Natal sem saber qual presente vai abrir primeiro, fico ali, extasiada com os acordes que se escondem nas embalagens coloridas. Posso ouvir cada nota, cada tom e semitom... apenas com a alma.

Diziam os grandes escritores - A beleza está no olho de quem vê. Também no coração de quem ouve, na mão de quem trabalha, no afago de quem ama... Encontrei a beleza em quem pregava a paz baseada na liberdade e na igualdade de todos os homens e nações, naquele que juntava palavras e dizia que ia fazer um samba para a nata da malandragem e que, num momento de grande inspiração e de desespero cívico, clamou aos céus - Pai, afasta de mim esse cálice de vinho tinto de sangue. Também a senti no canto da cigarra que anuncia o verão, nas palavras amorosas do amigo querido, no sorriso da mãe ao beijar o filho que acaba de nascer, no médico que vai para bem longe brigar com a morte e a desesperança onde elas insistem em ficar...

Fernando Pessoa não tinha ilusão e, em verso, disse Que a própria idéia em nos dessa beleza, um infinito de nos mesmos dista. Mesmo assim, ouso dizer que posso, a cada minuto, ouvir, sentir, cheirar e tocar a Beleza, disfarçada no sorriso de uma criança, na flor que brota, teimosa, na terra sofrida, ou na folha em branco, que se oferece, despudorada, ao poeta para que ele, ali, possa derramar sua alma.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Aguardem-me. Estarei escrevendo a partir de janeiro.