domingo, 6 de fevereiro de 2011

VOVÓ DO PÓ
Ana Hertz


Em julho de 2010, a Polícia Civil inaugurou uma Delegacia do Idoso em Copacabana, bairro que concentra muitos velhinhos do Rio de Janeiro pois, além da famosa praia, ali tudo o que nós precisamos no nosso dia-a-dia. Preocupados com aumento do número de assaltos aos vovôs e vovós daquela área, sobretudo quando saem dos bancos, as autoridades já tinha preparado, na 12ª. DP, um curso de defesa pessoal para os seniors. Por sermos mais frágeis, os meliantes têm grande facilidade em nos dominar. Tenho a maior curiosidade em saber se o curso continua existindo e se a procura tem sido grande. E eu, por causa dessa história toda, estou com vontade de dar um pulo até lá, não para aprender como devo sair dos bancos de maneira segura, mas simplesmente para pedir dicas para conseguir fazer justamente o contrário – quero entrar neles!.
Mesmo que alguns possam duvidar, sou uma pessoa com um razoável estoque de paciência. Embora só ocorrendo uma vez por década, o problema é que vou do oito ou oitenta em questão de segundos... Como já disse, é raro acontecer e, mesmo que ninguém precise ficar muito preocupado com tal possibilidade, confesso-me pronta a virar um monstro furioso, tanto por um aparente “quase nada”, como por uma questão da maior importância,.
Na verdade, o que tem me levado à loucura nos últimos tempos é o sistema de segurança instalado nas portas dos bancos do Rio de Janeiro. Não tem uma vez sequer que eu consiga entrar sem que tenha, praticamente, que tirar a roupa. Uma vez, mesmo depois de tirar tudo, literalmente tudo, de dentro da bolsa, não me deixaram entrar. Como era uma bolsa Guess, com algumas ferragens de enfeites, imaginei que a quantidade de metal fosse o problema. Sugeri, então, deixar a bolsa vazia do lado de fora, com a funcionária que instruía os clientes junto aos caixas eletrônicos, para que pudesse entrar e fazer o pagamento que precisava. Não fui autorizada a deixar a bolsa com alguém do estabelecimento ... regras do banco. Resumo da ópera - não consegui entrar naquela agência do Banco Itaú da Av. Rio Branco. Fiquei furiosa, é claro, e saí andando, sem saber o que fazer. O mencionado pagamento indicava, com exclusividade, as agências daquele banco. Na esquina da Rua São José, encontrei outra agência deles. Entrei sem que fosse preciso tirar da bolsa algo além do celular. Ou seja, a mesma instituição tem sistemas diferentes.
Isso vem se repetindo todas as vezes que preciso ir pessoalmente fazer alguma transação. É claro que existem outros meios de fazer muitas coisas nos bancos 24 horas, ou pelo telefone ou, ainda, utilizando o sistema online. Mas, repito, algumas vezes não há como evitar, e é nessas horas que eu enlouqueço. Pode ser que eu seja meio perua e ande com cordões, brincos, anéis, relógios e pulseiras em excesso, tudo ao mesmo tempo, e traga, na bolsa, a carteira de metal onde guardo cartões de crédito, dois celulares, guarda-chuva, escova de cabelo também de metal.... Embora tudo isso seja retirado e colocado naquele compartimento salvador, o danado do dispositivo continua “detectando” alguma coisa perigosíssima em meu poder. Quem sabe uma AR-15?
Por mais incrível que pareça, nas duas últimas vezes em que isso ocorreu foi, justamente, na minha própria agência do Banco do Brasil. Mostrei o cartão magnético do banco, onde se lê o número da agência e o meu nome, mostrei minha identidade... nada! Foi necessário que um dos vigilantes subisse à sobreloja para chamar um dos gerentes. Qualquer pessoa medianamente sensata pode avaliar a minha vontade de matar dez. Não poderia desistir porque tinha que resolver o problema de uns honorários recebidos do exterior.
Houve, eu sei, um acentuado aumento das estatísticas no que se refere à criminalidade feminina. Antes, a gente nunca desconfiaria de um casal que se aproximasse, ou de uma ou duas mulheres juntas... agora, infelizmente, não podemos nos descuidar. Pelo que andei lendo, a maioria das criminosas entra no crime para acobertar o marido, o companheiro, ou filhos, não sendo frequente, pelo que parece, uma iniciativa pessoal. Em geral, o delito é por tráfico, e são muitas as que são apanhadas quando levam drogas para dentro do presídio, na hora da visita àquele que está lá dentro. Ficam os dois, então. É bem menor o número de condenadas por latrocínio ou homicídio, crimes mais cometidos pelos homens, embora isso não queira dizer que não tenhamos, entre nós, mulheres, algumas que ficaram até mesmo na história pelo que andaram aprontando.
Quando penso em mulher delinquente, no Brasil, lembro-me logo da Lili Carabina, imortalizada nas telas por Betty Faria. Djanira, seu nome verdadeiro, deu um trabalho danado à polícia nos anos 70. Usava uma peruca loura para seduzir todo mundo (Ah! As louras, sempre as louras!). Suas penas, somadas, ultrapassavam 100 anos... e incluíam condenações por homicídio, latrocínio, assaltos, tráfico de drogas, e mais outras coisas bastante assustadoras. Na última fuga da cadeia, levou tiros na cabeça e ficou com um dos lados do corpo prejudicado. Morreu um ano e pouco depois de liberada, dizendo-se arrependida e uma interessada estudiosa da Bíblia. Para confirmar o que comentei antes, seu primeiro crime foi matar os dois assassinos de seu companheiro... que era traficante!
Hollywood também produziu um célebre filme sobre uma das mais famosas criminosas americanas, a Bonnie, aquela do Clyde. O casal morreu em 1934, depois de três anos e pouco de muita encrenca no tempo da Grande Depressão. Muitos experts dizem que ela, na verdade, nunca disparou um só tiro, e que foi seu sex-appeal como amante de um bandido considerado menor que acabou fazendo com que o mito superasse a realidade, e a caça aos dois tenha ocasionado umas tantas mortes desnecessárias. Nunca vamos saber de tudo.
Essa história toda é para dizer que, com a fértil imaginação que me é característica, concluí que não consigo entrar nos bancos porque lembro alguma criminosa famosa... Quem sabe sou parecida com a Betty Faria de 1989, quando filmou a Lili Carabina? Ou a Faye Dunaway, em 1967, fazendo par com Warren Beatty, o Clyde da telona? O drama é que logo caio na real, conscientizo-me da minha faixa etária e chego à conclusão que a televisão deve ter mostrado alguma assaltante idosa, uma daquelas chamadas de Vovó do Pó, e estão me confundido com a tal zinha. Só pode ser, pois não há explicação lógica para essa dificuldade em entrar no banco.
E se eles acham que sou uma velhinha meliante, e que estou ali para assaltá-los, o que supõem que eu esteja querendo comprar com o dinheiro eventualmente apurado? Será que descobriram que meu sonho de consumo é comprar uma garrafa de champagne Arman de Brignac, que custa a bagatela de R$2.200,00 nas boas delicatessens do Brasil? Aquela linda garrafa dourada que combina com meu lado perua, cujo sabor tem que ser uma maravilha... por esse preço! Ou por que desejo investir uns R$30.000,00 em uma garrafa da melhor safra do Chateau Mar Gaux? Pois é... se continuam me impedindo de acessar minha conta bancária, não poderei atender meus desejos mais profundos. E onde fica minha liberdade de ir e vir, direito garantida pelo artigo 5º, da Constituição Brasileira?
Mesmo não tendo o tal perfil da maioria das criminosas, pois não tenho marido, companheiro ou parente envolvido em crimes, não me deixam entrar com facilidade. E, embora sempre sofra para entrar no meu própria agência, tapetes vermelhos são estendidos, portas são escancaradas e a imprensa toda vai prestigiar aqueles que, sem o menor pudor, tiram o dinheiro do povo. Entram em qualquer lugar sob uma chuva de aplausos...
É por isso que permaneço com sérias dúvidas se há mesmo necessidade de treinar os velhinhos para se livrarem dos bandidos nas saídas dos bancos. Caso os sistemas de segurança continuem a ser do jeito que são, nós, da terceira idade, cidadãos honrados, vamos acabar não conseguindo entrar neles sequer para sacar nossas minguadas aposentadorias.... O bom é que, não estaremos correndo risco algum de sermos assaltados. E eu, que devo ter a cara da “Vovó do Pó”, não vou conseguir pegar dinheiro para pagar meu IPVA que vence semana que vem! Tem alguém
aí que possa me ajudar?