PITACOS E O CALCANHAR DE AQUILES
Juro
que tenho me controlado ao máximo. Dar
uma opinião quando ninguém perguntou nada é querer ser vista como
inconveniente. Por isso, estou sempre
mordendo a língua, acatando o inteligente ditado popular - “Peru de fora não se
manifesta”.
E
lá fui eu tentar achar a origem da expressão “dar um pitaco”. Na pesquisa sobre Pitaco, de Mitilene (principal
cidade da ilha de Lesbos), considerado um dos sete sábios da antiguidade grega,
não consegui descobrir qualquer ligação. Não resisti e, curiosa, quase como
Pandora, a bisbilhoteira mais famosa do mundo, saí em busca de informações
sobre os tais sábios.
Cleóbulo,
mesmo tendo ficado conhecido por afirmar que “O equilíbrio é a melhor coisa”, foi
um senhor tirano, em Rhodes. Sabemos bem o que é isso, pois todos escorregamos
no “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Solon, de Atenas, também
filosofava sobre a moderação, sobre o equilíbrio, aconselhando-nos a agir com
todo cuidado. Ele, porém, compensando o
horror vivido durante a era Cleóbulo, foi um dos legisladores a estabelecer as regras
e reformas que moldaram a democracia grega, honrando o que pregava.
Quilon,
mentor da militarização da sociedade espartana, ponderava – “Nunca desejes o
impossível”. Ouso discordar - se não
sonharmos bem alto, não saímos do chão.
Há que se passear pelo mundo do impossível para que possamos chegar ao
possível ! Entretanto, ele era um sábio,
e eu, mera palpiteira, pitaqueira...
Bias de Priene era um deprimido, certo de
que “A maioria dos homens é ruim”. Discordo
dessa colocação, pois se fosse, a vida no planeta estaria mais comprometida ainda
do que já está! Calculo que maus, mesmo,
são uns cinco por cento apenas, mas são os que fazem um estrago daqueles. Bons de verdade, uns vinte. Os outros setenta e cinco por cento podem ser
manipulados, para o bem ou para o mal.
Isso gera uma bela discussão, principalmente em cima da obra de Hannah
Arendt sobre a banalidade do mal, discussão essa que não encontrará lugar na
pauta de minhas croniquetas.
Sobre Periandro, li que apesar de ser
mais um tirano da História, conhecido pela extrema crueldade de seus atos,
trouxe um grande desenvolvimento a Corinto, transformando a cidade em importante
centro cultural. Nem contarei detalhes sobre ele, pois poderia manchar de
vermelho o papel – no frigir dos ovos, ele estava mais para louco
desequilibrado do que para sábio. Do
que falou, pincei “Um rei não pode ter guarda mais fiel do que o afeto dos
súditos”. Outro caso de “Faça o que eu
digo, mas não faça o que faço.”
Tales de Mileto, velho conhecido de quem
gosta de matemática e astronomia, alertou sobre o eclipse do ano de 528 AC,
quando nenhum outro astrônomo foi capaz de prever. E pensar que, vinte e quatro
séculos antes de Darwin, apresentou a teoria de que a substância primordial da
Terra era a água, e que dela tinha partido a evolução... Era um sábio, tenho
certeza. Fiquei fã.
Na
verdade, meu primeiro interesse recaiu sobre Pitaco em razão de meu mau hábito
pitaqueiro. Dizem que foi excelente
governante por 10 anos, ao contrário de velhos conhecidos nossos, que se
reelegem e não fazem nada. Reduzindo o
poder da nobreza, conseguiu o apoio das classes populares, realmente beneficiadas
por suas ações públicas, e esse exemplo deveria ser seguido por uns e outros. Dizia, sempre: “Saiba escolher bem quais
oportunidades aproveitar”. Acho que
aproveitou todas... O problema é que, nos relatos que encontrei, nada o
denunciou como um palpiteiro metido.
Aproveitei
para passear um pouco pela Mitologia Greco-Romana. Fascinante.
Olhando bem de perto, os personagens não diferem muito daqueles que
encontramos no mundo real, e as histórias
são, quase todas, assustadoras.
Em vez de final feliz, percebe-se que quase nada dá certo, com
resultados catastróficos; para diminuir os prejuízos, tinham que fazer acordos
complicados com Zeus, na Grécia, e com Júpiter, em Roma. E os deuses se mostravam
seres absolutamente raivosos, inseguros, invejosos, vingativos... Achei
divertida a exclamação de Zeus, ao constatar que Hera, sua mulher, não lhe
atenderia o pedido: - “Mulheres! Cada vez mais intratáveis”. Ou seja, isso vem de longe.
A
melhor história me pareceu a de Eros e Psiquê que, depois de marchas e
contramarchas, conseguiram um final feliz, juntos para sempre como em Hollywood.
Temos, também, Teseu, salvo por Ariadne do labirinto, historinha que terminou
bem. O engraçado é que tem sempre
mulher no meio das confusões. Por outro
lado, só tem mulher porque também tem homem.
Será que juntá-los é o problema do mundo dos deuses e dos homens? Esta é
a pergunta que não quer calar há mais de 25 séculos!
Surpreendi-me, outro dia, com a
descoberta de que ficção e o teatro apresentam uma função purificadora, uma
verdadeira catarse. Como muito bem explica Ângela Maria Dias, em sua obra A
Forma da Emoção, Nelson Rodrigues e o Melodrama - “O mal é encenado no palco, com a finalidade
de salvar a
platéia, realizando-se o mal em cena para
que a platéia não o realize fora dela.” Cronos come os filhos, Zeus derrota o
pai, Perseu jogado ao mar pelo avô...
Quanto aos meus pitacos, já não os dou mais
com frequência, sinceramente. Não por faltar vontade, devo esclarecer, mas é
que somente acertei algumas vezes – claro que eram bons palpites,só que os dei
fora de hora... outros pitacos eram equivocados, mas dados em “horas certas”. Estou desconfiada que essa história de dar
pitaco é meu calcanhar de Aquiles...