sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PITACOS E O CALCANHAR DE AQUILES

             Juro que tenho me controlado ao máximo.  Dar uma opinião quando ninguém perguntou nada é querer ser vista como inconveniente.   Por isso, estou sempre mordendo a língua, acatando o inteligente ditado popular - “Peru de fora não se manifesta”.
             E lá fui eu tentar achar a origem da expressão “dar um pitaco”.  Na pesquisa sobre Pitaco, de Mitilene (principal cidade da ilha de Lesbos), considerado um dos sete sábios da antiguidade grega, não consegui descobrir qualquer ligação. Não resisti e, curiosa, quase como Pandora, a bisbilhoteira mais famosa do mundo, saí em busca de informações sobre os tais sábios. 
             Cleóbulo, mesmo tendo ficado conhecido por afirmar que “O equilíbrio é a melhor coisa”, foi um senhor tirano, em Rhodes. Sabemos bem o que é isso, pois todos escorregamos no “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Solon, de Atenas, também filosofava sobre a moderação, sobre o equilíbrio, aconselhando-nos a agir com todo cuidado.  Ele, porém, compensando o horror vivido durante a era Cleóbulo, foi um dos legisladores a estabelecer as regras e reformas que moldaram a democracia grega, honrando o que pregava.
             Quilon, mentor da militarização da sociedade espartana, ponderava – “Nunca desejes o impossível”.  Ouso discordar - se não sonharmos bem alto, não saímos do chão.  Há que se passear pelo mundo do impossível para que possamos chegar ao possível !  Entretanto, ele era um sábio, e eu, mera palpiteira, pitaqueira...
              Bias de Priene era um deprimido, certo de que “A maioria dos homens é ruim”.  Discordo dessa colocação, pois se fosse, a vida no planeta estaria mais comprometida ainda do que já está!  Calculo que maus, mesmo, são uns cinco por cento apenas, mas são os que fazem um estrago daqueles.   Bons de verdade, uns vinte.  Os outros setenta e cinco por cento podem ser manipulados, para o bem ou para o mal.  Isso gera uma bela discussão, principalmente em cima da obra de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, discussão essa que não encontrará lugar na pauta de minhas croniquetas.
              Sobre Periandro, li que apesar de ser mais um tirano da História, conhecido pela extrema crueldade de seus atos, trouxe um grande desenvolvimento a Corinto, transformando a cidade em importante centro cultural. Nem contarei detalhes sobre ele, pois poderia manchar de vermelho o papel – no frigir dos ovos, ele estava mais para louco desequilibrado do que para sábio.   Do que falou, pincei “Um rei não pode ter guarda mais fiel do que o afeto dos súditos”.  Outro caso de “Faça o que eu digo, mas não faça o que faço.”
              Tales de Mileto, velho conhecido de quem gosta de matemática e astronomia, alertou sobre o eclipse do ano de 528 AC, quando nenhum outro astrônomo foi capaz de prever. E pensar que, vinte e quatro séculos antes de Darwin, apresentou a teoria de que a substância primordial da Terra era a água, e que dela tinha partido a evolução... Era um sábio, tenho certeza.  Fiquei fã.
             Na verdade, meu primeiro interesse recaiu sobre Pitaco em razão de meu mau hábito pitaqueiro.  Dizem que foi excelente governante por 10 anos, ao contrário de velhos conhecidos nossos, que se reelegem e não fazem nada.  Reduzindo o poder da nobreza, conseguiu o apoio das classes populares, realmente beneficiadas por suas ações públicas, e esse exemplo deveria ser seguido por uns e outros.  Dizia, sempre: “Saiba escolher bem quais oportunidades aproveitar”.  Acho que aproveitou todas... O problema é que, nos relatos que encontrei, nada o denunciou como um palpiteiro metido.
             Aproveitei para passear um pouco pela Mitologia Greco-Romana.  Fascinante.  Olhando bem de perto, os personagens não diferem muito daqueles que encontramos no mundo real, e as histórias  são, quase todas, assustadoras.  Em vez de final feliz, percebe-se que quase nada dá certo, com resultados catastróficos; para diminuir os prejuízos, tinham que fazer acordos complicados com Zeus, na Grécia, e com Júpiter, em Roma. E os deuses se mostravam seres absolutamente raivosos, inseguros, invejosos, vingativos... Achei divertida a exclamação de Zeus, ao constatar que Hera, sua mulher, não lhe atenderia o pedido: - “Mulheres! Cada vez mais intratáveis”.  Ou seja, isso vem de longe.
             A melhor história me pareceu a de Eros e Psiquê que, depois de marchas e contramarchas, conseguiram um final feliz, juntos para sempre como em Hollywood. Temos, também, Teseu, salvo por Ariadne do labirinto, historinha que terminou bem.   O engraçado é que tem sempre mulher no meio das confusões.   Por outro lado, só tem mulher porque também tem homem.  Será que juntá-los é o problema do mundo dos deuses e dos homens? Esta é a pergunta que não quer calar há mais de 25 séculos!
              Surpreendi-me, outro dia, com a descoberta de que ficção e o teatro apresentam uma função purificadora, uma verdadeira catarse. Como muito bem explica Ângela Maria Dias, em sua obra A Forma da Emoção, Nelson Rodrigues e o Melodrama -  “O mal é encenado no palco, com a finalidade de salvar a platéia, realizando-se o mal em cena para que a platéia não o realize fora dela.” Cronos come os filhos, Zeus derrota o pai, Perseu jogado ao mar pelo avô...

              Quanto aos meus pitacos, já não os dou mais com frequência, sinceramente. Não por faltar vontade, devo esclarecer, mas é que somente acertei algumas vezes – claro que eram bons palpites,só que os dei fora de hora... outros pitacos eram equivocados, mas dados em “horas certas”.  Estou desconfiada que essa história de dar pitaco é meu calcanhar de Aquiles...