segunda-feira, 22 de março de 2010

I LOVE PARIS, AINDA
Março de 2010.


Nos 12 dias que passei em Paris, aproveitei para conhecer novos restaurantes, daqueles que deixam a gente com água na boca mal se olha o cardápio. Como foram muitos, não vou conseguir falar sobre tudo o que comi de maravilhoso em cada um deles, mas devo sugerir que quem for Paris deve reservar um tempinho para almoçar, por exemplo, no Le Recamier, especialista em souflés, doces e salgados. Optei pelo que é preparado com farinha escura e cogumelos selvagens. Intraduzível o sabor! Fica na rua de mesmo nome, em Saint German-de-Prés, e a gente deve saltar na estação de metrô Sèvres – Babylone.

Por certo, seria mais interessante e charmoso jantar no Benoit, mas não adianta sonhar – reservas somente com três meses de antecedência!. Assim, quem quiser provar do que há de melhor do Chef Alain Ducasse que apareça por lá, então, entre duas e meia e três da tarde, pois pode dar sorte, como eu e Bianca demos, e conseguir uma mesa. Não tem risco – peça o que quiser e quase morra pela boca. Acabei não provando o que estava anunciado como a sobremesa top – La truffe noire, preparada com o vinho Châteauneuf-du-Pape. Da próxima vez, juro que não vou perder a oportunidade!
Como a gente já sabe que as aparências enganam, não dê meia volta, volver quando chegar ao Le Hangar, um restaurante no Marais, ao lado da estação Rambuteau, pertinho do Beaubourg. A aparência simples não nos deixa acreditar que a cozinha possa nos surpreender. Mas surpreende! E os preços são bem razoáveis. Vive cheio! Também no Marais, aproveite o Le Gaigne, com um cardápio de primeira! O haddock e a truta são excelentes, e o preço não assusta.

Aquela história de que a culinária francesa apresenta, sempre, pratos com porções muito reduzidas das iguarias não cabe quando se fala no Moissonnier, especializado em comida da região de Lyon. Impossível comer sozinho... podemos pedir um prato para cada dois! Fica perto da estação de metrô Cardinal Lemoine, ali pelo Jardin des Plantes. Tem charme, como a maioria dos restaurantes de Paris. Pelo que vi, são mais de 6.000 ao todo, variando dos mais simples aos conhecidos templos da gastronomia mais famosa do mundo.

Adorei o bar-restaurante Le Fumoir, onde meu sobrinho Luiz e sua mulher Vivien levaram Rosa e eu, e que tem um ambiente charmosérrimo e pratos deliciosos. Fica bem pertinho do Louvre e vale realmente a pena. Fomos atendidos por funcionários muito elegantes e, por sorte, nossa mesa era na biblioteca...que também funciona como tal, durante o dia, emprestando livros e oferecendo jornais para uma leitura rápida. O ambiente nos leva de volta ao século XIX, e fiquei imaginando passar uma tarde ali, lendo e bebericando alguns dos deliciosos e famosos coquetéis que oferecem. Uma informação prática – o brunch servido aos domingos custa, sem bebidas, perto de vinte e seis euros.

E foi no Le Grand Colbert que, além de uma cozinha ótima, com pratos sempre com algum toque exótico, encontramos um garçon super simpático que falava Português. Conversa vai, conversa vem, descobrimos que os patrões haviam montado duas pousadas em Fortaleza, e que ele, por ter supervisionado as obras, aprendeu nossa língua. Mas o melhor de tudo foi saber que foi filmada ali aquela deliciosa cena da comédia romântica “Alguém tem que ceder”, quando Harry, o personagem de Jack Nicholson, vai a Paris atrás da Érica, papel desempenhado pela Diane Keaton. Esse detalhe torna o lugar mais charmoso ainda.

Para completar, na mesa ao lado, estava Cristiana Reali, amiga da Rosa, e a quem tínhamos acabado de assistir na peça “On Purge bebe”. Nossa atriz brasileira é um sucesso por lá... merecido o sucesso, pois ela é mesmo muito boa no que faz. E as comédias de Georges Feydeau agradam há mais de um século! A boa arte é, sem dúvida, atemporal.

E vale falar no Theatre du Palais-Royal, onde a peça vem sendo encenada. Belíssimo, mesmo com 370 anos de idade!. Construído sob a batuta de Richelieu, abriu suas portas em 1641. Durante muitos anos, a trupe de Molière apresentou-se naquele palco. Embora reconhecidamente um político de caráter complexo, eminência parda de Luís XIII, o cardeal foi um grande patrocinador das artes e das letras. Fundou a Academia Francesa, cuja atribuição permanece a de regular a língua francesa, preservando, sobretudo, sua pureza. A responsabilidade inicial da instituição foi a de preparar um dicionário. E a gente aqui no Brasil tendo que trocar toda hora de dicionário... Já não sei mais quando tem hífen, quando não tem... E “mataram” o trema!

Falando mais um pouco da Academia Francesa e seus 40 membros, ela congrega poetas, romancistas, dramaturgos, filósofos, médicos, cientistas, críticos de arte, militares, políticos, religiosos, enfim, todos que eles acreditam serem capazes de honrar a língua nacional. E, mais do que tudo, possam refletir a imagem do talento, da cultura, da inteligência e da ciência, bases da intelectualidade francesa.

Em tempo, nossa Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897 por Machado de Assis, também com 40 membros, foi instituída segundo o modelo da francesa, objetivando o cultivo da língua e da literatura nacionais. O drama é que não tenho certeza se temos feito as melhores escolhas. Descobri que o mais antigo membro do quadro atual é o José Sarney, e que também o Marco Maciel é imortal. Acho que vou mudar de assunto. Para não sofrer mais.

Voltando aos restaurantes, devo recomendar Le Zyriab, no Institut du Monde Árabe, metrô Jussieu, para quem gosta de comida típica do oriente. Simplesmente deliciosa. O melhor é pedir vários pratos para dividir com os companheiros de mesa. Eu e Bianca pedimos tudo - quibe, coalhada, tabule, kafta, arroz de lentilha... Fica no nono andar, oferecendo uma vista panorâmica dos telhados de Paris de tirar o fôlego. E a arquitetura, não somente do restaurante, mas do prédio todo, merece ser apreciada com bastante atenção.
Eu e Rosa fomos ver a exposição dos desenhos de Delacroix, no museu instalado na casa onde morou e onde mantinha, no prédio nos fundos, seu ateliê. Fantástica a mostra. Ele, realmente, era de um talento invejável, e fiquei encantada com a coleção de desenhos que trouxeram de Nova York, de propriedade de uma grande colecionadora. Saindo de lá, aproveitamos para “respirar” o mesmo ar de Sartre e Beauvoir e fomos comer omelete no Café de Flore. O metrô mais próximo é o Saint Germain-de-Prés.

O lugar ficou famoso pela clientela intelectual que freqüentava seu maravilhoso interior art déco, nos anos do pós-guerra. Parece que, agora, vemos mais turistas em suas mesas do que seres pensantes. Acho que as perguntas que o famoso casal lançava nas discussões sobre o existencialismo ainda pairam por ali. Dizem que foi naquelas mesas que Sartre escreveu sua famosa trilogia “Os caminhos da Liberdade”. Lembro-me que, quando li, um dos volumes era emprestado de um amigo. Quando acabei, fiz questão de comprar para ter, para sempre, a coleção completa. Bem em frente, temos o restaurante considerado seu rival, o Les Deux Magots, que também estava superlotado naquele dia. É outro que também deve constar da lista dos imperdíveis.

Não posso deixar de contar que voei pela TAP nessa viagem e tive a sorte de minha escala em Portugal ter sido no Porto. Segunda cidade do país, foi quem lhe deu o nome, pois o povoado pré-romano de onde se originou era chamada de Cale, ou Portus Cale. Bem, isso dizem, mas nunca se sabe. Fiquei lá apenas duas horas, mas isso foi o bastante para me deixar com vontade de voltar. Nem mesmo a insistente chuva me desanimou, e o metrô, o “Andante”, facilitou minha vida. Impressionou-me seu traçado, bem abrangente, com 60 quilômetros de rede e 60 estações para atender a metrópole com um milhão e duzentos mil habitantes. No Rio de Janeiro, se não me engano, são 40 estações em cerca de 50 quilômetros de extensão. Somos, na área atendida pela rede, cerca de mais de 6 milhões de habitantes.

E se falarmos do sistema de transporte de Paris, ficamos profundamente envergonhados. O metrô tornou-se um símbolo da cidade e foi inaugurado em 1900. Tem nada mais nada menos do que 16 linhas, 300 estações e 214 quilômetros! Leva mais de quatro milhões de passageiros por dia.

Vou voltar, sei que ainda vou voltar... assim disseram nossos poetas Chico e Tom... em outra circunstância, eu sei. Mas prometo a mim mesma uma visita decente ao Porto, a Portugal todo, pois sei que também vou me encantar. Por enquanto, fica somente I Love Paris.



terça-feira, 16 de março de 2010

I LOVE PARIS

I LOVE PARIS
Março de 2010


“I Love Paris”. Estranho eu mencionar a música de Cole Porter, em Inglês, se o que quero nessa crônica é falar da França? “J’aime Paris” não me parece a mesma coisa. Muitos vão se perguntar por que, então, não usei “Sous le ciel de Paris”, um céu que a voz de Yves Montand imortalizou da maneira mais perfeita. Na verdade, qualquer outro título me pareceria menos intenso do que I Love Paris. O que interessa mesmo é que estou com a maioria - amo Paris tanto quanto a torcida do Flamengo, do Coríntians e do meu Vasco.

Essa paixão que a cidade desperta tem história, e ouvi dizer que são cerca de 30 milhões de visitantes por ano. No século XVII,
já era a capital da maior potência política européia; no século XVIII , transformou-se no centro cultural europeu , ganhando o título de Cidade Luz, que carrega até hoje, em razão da efervescência intelectual e artística durante o Iluminismo; e ficou conhecida como a Meca da Belle Époque no século XIX. São razões de sobra para explicar o fascínio que desperta.

Há controvérsias quanto à história da cidade. A única certeza é que os Parisii, gauleses de origem celta, eram os “donos” da região quando Júlio César chegou com as tropas romanas. Nomeou-a Lutécia
por causa da lama que o Rio Sena deixava quando invadia a vila de pescadores em suas margens. O nome Paris venceu, felizmente, tempos depois. Esses fatos me fazem rir sozinha, ao pensar nas aventuras dos ”heróis gauleses” Asterix e Obelix, histórias em quadrinho da melhor qualidade. Gostava muito daquele humor super inteligente de Uderzo e Goscinn, e acho que vou reler algumas delas.

Na Primeira Guerra, a cidade não sofreu grandes ataques, mas na segunda foi ocupada pelos alemães logo em 1940; somente em agosto de 1944, foi libertada. Por sorte, estava inteira, pois o general alemão que chefiava as tropas invasoras, um homem culto e amante das artes, ostensivamente desobedeceu Hitler, que ordenara a destruição total da cidade.

Na tentativa de aliviar as tensões sociais que já se mostram nos subúrbios de Paris, muito em razão da emigração que se faz presente, e quem sabe “inspirado” por sua Carla Bruni, o Presidente Sarkozy tem, na manga, vários projetos de desenvolvimento econômico e tecnológico para o país, bem como um grande plano para a criação de uma administração da “Grand Paris”, ou “Greater Paris”. Será a administração para aquilo em que Paris deverá se transformar nos próximos 40 anos - uma metrópole do século XXI. Confesso que temo que, com esse crescimento, venha a perder parte de seu grande charme!

Não pude resistir ao convite de minha querida amiga Rosa, que divide seu tempo entre Paris e o Rio, e mais uma vez lá fui eu, com mil casacos na mala. Peguei um pouco de neve esse ano, enquanto o resto da Europa sofria horrores com as intempéries. As previsões quanto ao clima no futuro, aquelas mais do que assustadoras, talvez nem sejam tão exageradas, pelo que estamos vendo por agora.

Não foi uma viagem turística, no tradicional conceito de ”turismo de massa”. Mas alguns lugares famosos foram revisitados, com grandes descobertas, o que nos faz ter certeza do quanto deixamos de ver, de sentir, por passarmos grande parte da vida, vamos dizer, um pouco “adormecidos”. E isso não é só quando estamos em lugares novos... tampouco percebemos bem os lugares onde passamos grande parte do tempo. E, pior, as pessoas que estão conosco há muito podem ser verdadeiros desconhecidos ... Vemos pouco, pouco mesmo, do que quer que seja.

A Torre Eiffel, construída para a Exposição Universal de 1889,
nos cem anos da Revolução Francesa, continua atraindo o interesse dos turistas, como também o Arco do Triunfo, a Igreja de Notre-Dame de Paris, a Saint-Chapelle, com seus vitrais deslumbrantes, Les Invalides, o Pantheon... Olhei somente por fora, mas pude ver lá dentro, com a memória a me trazer tudo de volta.

O frio e a chuvinha miúda, incessante não me impediram de pegar o metrô e ir, mais uma vez, olhar Paris lá de cima. A Sacré Cœur é deslumbrante, mas o encantamento que se desperta na gente em Montmartre não vem somente dela. Bem pertinho, meio escondida, tanto que eu não havia visto antes, está a Place du Tertre, com muitos artistas de rua pintando os turistas deslumbrados com aquela atmosfera. A gente se imagina no tempo em que Montmartre era o centro da arte moderna, lá pelo início do século XX, com tantos gênios exercendo sua arte por ali, a maioria ainda bem pobre. Voltei, realmente, no tempo e me vi imortalizada por Picasso como uma das Demoiselles d’Avignon, acabando “meus dias” pendurada numa das paredes do MOMA, lá em Nova York. Ou, quem sabe, retratada como se eu fora Dora Maar, quando Picasso estava apaixonado e cubista ao extremo.

Quando desci de Montmartre, deparei-me com um enorme cartaz que anunciava, nada mais nada menos, do que um show do Trio Esperança, aquele lá dos anos 60. Levei um susto, agradável, sem dúvida, mas um susto. E lá estava a Evinha, com aquela carinha de sempre e o sorriso característico. No grupo, faltava o irmão, mas, para compensar, a nova componente deve ser uma outra irmã. No show marcado para o final do mês de janeiro, lançaram o novo CD, dessa vez interpretando de Bach a Jobim. Enfim, estão lá na Europa há décadas, apresentando-se para os que apreciam nossa música.

Com essa história, fiquei curiosa sobre o destino dos Golden Boys, os outros cantores da família, que seguiam a linha dos The Platters; e lá fui eu para o Google. Como sempre que consulto a rede, acabo esbarrando em mil problemas, pois aparecem informações sobre quase tudo que apresenta semelhança com o que se procura, um universo inacreditável. Depois de alguma procura e um pouco em dúvida, entendi que os Golden Boy somente gravaram até 1971.

Museus. Não vou mais ao Louvre, pelo menos por mais uns belos anos. Parece uma heresia, mas confesso que seus 17 quilômetros de galerias me aterrorizam. Informação demais ao mesmo tempo e, nesses casos, ouso dizer que o que abunda prejudica... As visitas anteriores, inúmeras, já me bastam. Bianca, minha caríssima amiga, sugeriu o Museu Jacquemart-André, uma jóia que a gente encontra no Boulevard Haussmann, perto de Charles de Gaulle-Étoile. Encantou-me a luxuosa residência, bem característica do século XIX, com uma preciosa coleção de pinturas da renascença italiana e da pintura francesa do século XVIII, isso sem falar nas importantes obras de pintura flamenga. Vale conferir.

Outro lugar imperdível é o Museu Nissim de Camondo, na Rue de Monceau. Na mansão do princípio do século XX, modelada a partir do Petit Trianon de Versailles, encontramos o que há de melhor em mobiliário e objetos de arte. Seus proprietários, a família de um banqueiro judeu, tiveram um destino bastante trágico na Segunda Guerra, e deles somente restou esse museu. O ser humano, em geral, carrega em si o gérmen do que há de mais nobre e de belo, mas alguns trazem o que há de mais abominável, e a História fica manchada de sangue para sempre.

No Les Arts Décoratifs, pude ver a exposição sobre Madeleine Vionnet, considerada, por alguns, mais talentosa do que Chanel. Todos se mostravam encantados com suas criações, aparentemente simples, mas que são fantásticas, com drapeados que ficaram famosos. Um outro mundo, esse da moda, mas não menos fascinante...

Mais um ponto alto da viagem foi a exposição “Personne” do conhecido artista francês Christian Boltanski. Eu ainda não havia visto o Grand Palais depois da reforma e fiquei maravilhada. Poucos lugares oferecem tamanho desafio a um artista. Considerada uma obra prima da engenharia, com o maior telhado de vidro da Europa e sua estrutura de ferro com paredes de pedra, esse espaço faz com que tudo que aconteça ali ganhe uma força ainda maior.
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Boltanski, sabemos, é um artista polêmico. Essa montagem representa o Holocausto e, realmente, atinge o espectador no estômago. Ouve-se, ao fundo, o som repetitivo de um “tam-tam” que vai atordoando os visitantes com uma força indescritível e que, logo, logo, beira o insuportável. É composto do batimento de 69 corações, difundido por alto-falantes instalados em pontos estratégicos. Alguns críticos dizem que o tipo de experiência artística que ele traz nessa exposição serve para manipular emocionalmente quem a vê e discordam. Não vou entrar na discussão por não entender do tema, mas devo confessar que Bianca e eu sentimos o peso daquilo tudo. Saímos de lá e fomos direto ao Ladurée, bem pertinho, para tomar um chá, ou melhor, uma taça de champagne, que ninguém é de ferro e, de certa forma, precisávamos mudar de ares e de assunto.

Como Paris não se esgota, tudo o mais que tenho a falar vai ficar para uma outra vez, em conversa sobre cinema, teatro e ótimos restaurantes.