quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


NA TERCEIRA JUVENTUDE

Curiosíssima, fui ver The Artist. Com a tecnologia presente, hoje em dia, de forma até mesmo assustadora, Hazanavicius ousou fazer um filme mudo, à moda antiga. Eu tinha visto no Zoológico aqui de Houston, há alguns dias, um 4D sobre nosso belíssimo planeta, mostrando uma natureza tão deslumbrante e tão real que, quando uma orca saltou para pegar seu alimento predileto, uma foca, senti respingos da água do mar no rosto. Pois é, com tantos efeitos especiais à disposição, o cineasta decide ficar no preto e branco, com legendas apenas em alguns momentos para sabermos o que os personagens dizem... e apesar disso (ou seria por causa disso?), faz um filme delicioso! Pensando bem, como negar a genialidade de filmes sem som como A Corrida do Ouro, O Garoto e as deliciosas comédias do Gordo e Magro?

A grande questão - quando o mundo se transforma. como nos adaptarmos ao novo? Como ter coragem para mudar se antigos padrões nos parecem tão acolhedores? O personagem permanece no que é conhecido, em sua zona de conforto - resiste e insiste, não se curva perante o inevitável e sucumbe. É o medo paralisante do novo, que mesmo oferecendo a possibilidade de ser maior e melhor, assusta a todos nós. A esposa, mera peça decorativa na grande mansão, com quem raramente estabelece qualquer diálogo, faz a pergunta - que sabemos qual é pela legenda, e que tem, no caso, duplo sentido:- "Por que não fala?" E eu acrescento - Por que não muda?

Voltando à tecnologia. Fiquei bastante impressionada ao ver duas senhoras que, estou certa, beiram os 80 anos, desligando os celulares apenas no último segundo antes do início do filme. Enquanto passavam os traillers, as duas mandavam e recebiam mensagens. E, mal acabou o filme, ligaram os aparelhos e recomeçaram. Ou seja, estão conectadas o tempo todo!. Eu, que me aflijo com os jovens e seus inseparáveis Iphones, Ipads, esses objetos que passaram a fazer parte do próprio corpo humano, fiquei abismada ao constatar que o fenômeno da comunicação do século 21 também capturou, definitivamente, a terceira juventude!

E como a turminha mais antiga virou assunto, lembrei-me da propaganda de um banco tailandês sobre alguns velhinhos de 81 anos que saíram viajando por 13 dias, em suas motocicletas, deixando de lado suas dores, problemas seríssimos de saúde, seus medos, e frustrações, voltando, felizes, à primeira juventude. A mensagem é de que vivemos por causa de nossos sonhos, e achei o trabalho de extrema sensibilidade. Aproveitando a dica sobre a importância dos amigos, aceitei o convite para almoçar no parque onde ainda fazem corrida de cachorro aqui nos Estados Unidos, e lá fui eu com mais quarenta companheiras da terceira idade.

Eu, na verdade, não gosto de corrida de cavalo, muito menos de cachorro, e somente quis aproveitar a oportunidade para não só estar com minhas amigas americanas, mas também para saber mais um pouco sobre esse "esporte", Os bichinhos são galgos italianos e podem competir até seus três ou quatro anos. Li, em um dos sites acessados, que são muito mal tratados e que quando não podem mais competir são sacrificados. Disseram, ainda, que também os coelhos, que servem de estímulo para que os "atletas" corram, sofrem muito. Por isso, somente em sete estados tais corridas são permitidas, já estando formalmente proibidas em outros trinta e oito.

Desconfio que não seja nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Quando li que passam fome, fiquei de pé atrás. Se ficarem muito fracos, não vão correr, e o objetivo se perde. Provavelmente, não são alimentados antes das provas, pois ficariam tão pesados quanto nós ao sairmos da mesa de almoço, mas não posso crer que fiquem mal alimentados o tempo todo.

Ouvi, há tempos, que os cavalos de corrida no Brasil são mais bem tratados do que seus tratadores. Comem do melhor, são monitorados pelos veterinários o tempo todo... por que seria diferente com os cães? Ah! Não usam coelhos, e sim um bichinho de pelúcia para fazê-los correr mais. Bem, como disse - nem cá, nem lá. Mesmo ficando no meio termo, continuo não gostando nem um pouquinho dessas coisas.

Como estão todos acostumados comigo pulando de um assunto para outro sem a menor cerimônia, volto agora para a antiga idade. O problema é que estou longe e fico louca para escrever sobre tudo que me vem à cabeça!

Recebi um interessante video com Jane Fonda falando dessa coisa maravilhosa, maior do que a revolução tecnológica, que é a longevidade adquirida pelas últimas gerações Vivemos, hoje, em média, mais 34 anos do que nossos bisavós. Isso representa uma revolução - social, previdenciária (somos um problema, vivendo tanto), cultural; enfim, uma coisa realmente extraordinária. Mas aí nos deparamos com um dilema - O que fazer entre os 60 e os 90? Como usar esse terceiro tempo que nos foi dado no jogo da vida?

Eu, menos ansiosa, cobrando menos de mim mesma e vendo, bem de dentro, a velhice, fiz uma reavaliação e, como Jane sugere em sua palestra, libertei-me do passado, fazendo as pazes com ele. Isso é um pouco melodramático, mais para dar um tom sério à crônica, já que, cá entre nós, nunca tive grandes problemas com meu passado. Ele não me condena! De qualquer forma, olho para trás com tranquilidade, bastante serena, muito alegre com as conquistas, profundamente triste com as perdas das pessoas amadas, mas sabendo que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe. E vou levando razoavelmente bem, pelo menos até agora. Como diria Sinatra, "I did it my way..."

Enfim, gostei de ver o cinema francês prestando homenagem à história de Hollywood. Charmoso, inteligente, com um happy end que não incomoda e nem mesmo tira o brilho do conjunto, é, sem dúvida, um filme que merece ser visto. Pode não ser um grande obra, daquelas que ficam para sempre, mas ajuda a gente a se lembrar de tudo que faz do cinema aquilo que realmente ele é.

E o melhor de tudo - comprova que coisas antigas também podem ser interessantes, reservando, muitas vezes, grandes e inesperadas surpresas. Em tempo - mesmo achando que nós, mais antigos, podemos ser ótimos, devemos ter cuidado em não nos considerarmos "demais". Aprendi que tudo o que é demais sobra... e o que sobra vira lixo... e acaba sendo jogado fora! Portanto, menos, amiguinhos da terceira juventude, menos!