sexta-feira, 30 de abril de 2010

ANJOS DA GUARDA NÃO TIRAM FÉRIAS... NEM SE APOSENTAM
Abril de 2010.


Sempre tive uma quedinha por eles, pois nunca achei que deveria ocupar os Superiores com pedidos, pois minhas necessidades não eram tão grandes assim. Mas que a gente precisa de alguém olhando lá de cima, precisa. E sempre contei com eles.

A crença em anjos e espíritos protetores vem desde a antiguidade, e mesmo em Platão encontramos referências a eles. No Islamismo, no Judaísmo, enfim, sempre foram considerados entidades existentes. Foi na Espanha, no século V, porém, que a idéia de um anjo da guarda para proteger e guiar cada pessoa ficou mais difundida. Tal crença tornou-se tão forte que a Igreja Católica estabeleceu, no século XVII, o dia 2 de outubro como o dia a eles dedicado.

Na literatura, temos o célebre “Dr. Fausto”, com seus dois anjos, um “bom”, outro “mau”, que lhe sugeriam coisas bem diversas. Todas as obras que apresentam esse personagem basearam-se em lenda sobre um médico alemão que teria feito um pacto com o diabo. Discussões sobre a existência ou não de um Dr. Fausto não cabem aqui, e o que interessa é que se tornou um arquétipo da alma humana; nos últimos cinco séculos, tem aparecido na literatura, no teatro e na música com bastante freqüência. Mas acho que Goethe foi quem melhor tratou do assunto. Prometo que não vou trazer Freud, Lacan, Jung para essa crônica, para tentarmos entender o bem e o mal que existe dentro de cada um de nós... Na verdade, os anjos a que me refiro são nos ajudam nas ocasiões mais complicadas.

Aqui nos Estados Unidos, uma pesquisa realizada há alguns anos revelou que setenta por cento dos americanos acreditam em Anjos da Guarda, e metade deles entende que existe um anjo da guarda para cada um de nós. No Brasil, deve ser mais ou menos a mesma coisa.

Não me lembro quando descobri o nome do meu anjo, o Nanael. É o correspondente ao dia do meu nascimento, 11 de maio. Como são setenta e poucos, se não me engano, ele também cuida das pessoas que nasceram em alguns outros dias. Protege, de maneira geral, os professores, os magistrados, os homens que lidam com a lei e os eclesiásticos. Isso, se sobrar tempo depois de todo o trabalho que dou a ele.

Tive mais uma “prova” de que Nanael não tirou férias de mim, agora que vim passar uns dias no Texas. Ele poderia ter aproveitado para descansar, pois estou sempre dando canseira nele. E tampouco aposentou-se comigo - continua lá. Falando na tal “prova”, Mônica, minha nora, precisava que eu fosse substituí-la na Academia, sábado passado, para alguma eventualidade, já que ela não poderia ir, em razão de outro compromisso muito importante. Pediu-me que, na volta, trouxesse o livro-caixa, para preparar o movimento contábil. Junto, eu peguei os comprovantes dos cartões de crédito assinados pelos alunos e o dinheiro em espécie das vendas das camisetas e quimonos.

Depois que fechamos a academia e almoçamos, fui com Igor ver um filme. Adoro levar os netos ao cinema, pois tenho, assim, uma bela desculpa para ver os geniais desenhos animados que turma tem feito nos últimos tempos. São tão inteligentes e bem bolados que eu, aficionada pela sétima arte, não quero perder nenhum. Compramos um balde de pipoca, refrigerantes e, munidos dos óculos 3D, nos abuletamos nas confortáveis poltronas do Cinemark Webster, que tem 18 salas.

“Como treinar seu dragão” é realmente muito bom. Eu havia trazido do Brasil o livro que deu origem ao filme, e Igor, como era de se esperar, disse que o livro é muito melhor. Enfim, a técnica 3D não consegue ainda superar o papel e a tinta. Saímos comentando o filme, rindo muito e curtindo um a companhia do outro. Somente em casa, dei-me conta que o livro-caixa, o dinheiro (cerca de trezentos dólares) e os comprovantes do cartão de crédito não estavam na bolsa.

Quase tive um infarto! Logo eu, histericamente cuidadosa, fui perder algo tão importante! Na verdade, o dinheiro e os recibos do cartão de crédito não eram o problema. O drama era o que fazer para preparar a contabilidade sem os documentos. Como estávamos no dia 24 do mês, o movimento de tantos dias estava perdido, e seria muito difícil preparar o balancete para calcular os impostos devidos. Entrei em pânico, é claro. Sentia-me uma completa idiota... Primeiro, tinha sido a batida de carro... agora, vinha isso... Mas, às onze da noite, nada poderia ser feito. Teríamos que aguardar 12 horas para a reabertura do cinema... E me peguei com meu anjinho.

Nem preciso contar que acordei cedíssimo. E lá estava eu, junto à bilheteria, no momento em que a atendente abriu os trabalhos. Expliquei tudo direitinho; em 10 minutos, o gerente apareceu com o bendito livro-caixa na mão, os trezentos e sete dólares intactos, e mais os papeluchos do cartão de crédito! Mal podia acreditar, mas Nanael e os funcionários da limpeza me salvaram!

É claro que não existe prova científica da existência dos anjos, e a única “evidência” são as referências a esses seres em uma longa tradição religiosa, quase tão antiga quanto a história do homem. E para quem nasceu nos dias 11 de maio, vinte e sete de fevereiro, dezesseis de dezembro, 4 de outubro e vinte e três de julho, vejam, abaixo, como seriam as pessoas “protegidas” por esse anjo da guarda. Meus comentários vão entre parênteses. Sem dúvida, é mais uma questão de fé do que qualquer coisa. Eu continuo contando com Nanael para o que der e vier.



NANAEL – Quem nasce sob essa influência se distinguirá por conhecer as ciências abstratas, amará a vida tranqüila (???), a paz, a meditação (???) e ouvir músicas clássicas. Sua luz transcende e, através dela, vê-se sua inocência (???) e sua verdade (existe uma verdade?). Poderá ter vocação religiosa (essa, não!) ou para conhecer assuntos metafísicos. Digno de confiança, não comete nunca uma ação imprudente ou impensada (quem acreditar nisso, vai se dar mal). Gosta de relacionamentos sólidos e é o amigo que todos querem ter (isso, sim). Dotado de grande afetividade, vive em função do amor e tudo que é belo e comove. Geralmente, mais passional que ativo, sabe controlar seus instintos sem reprimi-los (quem quiser testar, vai ver). Sua inteligência se desenvolve mais por experiência do que por estudos (isso é verdade). Tende a construir coisas belas com fins altruístas (preciso cuidar disso). Seu prestígio não alimenta sua vaidade (qual prestígio?). Viverá dentro de sua realidade e se dedicará integralmente a viver uma existência pacífica, com muita dedicação e esforço, fazendo tudo de forma perfeita e limpa. Poderá ter ocorrido problemas de saúde na infância e na adolescência, mas apesar da fragilidade física (???), possui um espírito extremamente ágil e guerreiro (pode ser). Bon vivant, sabe desfrutar as coisas boas da vida (é claro!), sem por isso partir para atos grosseiros ou impensados (nossa!). É a coluna que sustenta a humanidade (apesar da osteoporose).


domingo, 25 de abril de 2010

ÀS VOLTAS COM A LEI
Abril de 2010.

Volto ao Texas, após 10 meses, para matar as saudades do filho, da nora, e dos netos, esperando curti-los antes que virem adultos e fujam mundo afora. As viagens sempre me assustam, pois tenho pavor de avião, mas, por sorte, foram poucos minutos de turbulência e três bons filmes para assistir. Ganhei, para compensar, 9 horas de espera em Atlanta até conseguir um vôo para Houston. Como estava muito bem acompanhada do Monsenhor Quixote, delicioso livro de Graham Greene, nem me importei muito. O corpo resmungou, mas nada demais.
A vida não dá nada de graça, e matar as saudades de uns nos obriga a ter saudades de outros. A gente aprende a viver com a falta, mas é uma pena que não se possa ter tudo. Foi bom estar de volta ao lugar onde já havia morado por 11 meses, a uma comunidade que nos aceitou de braços abertos, sem qualquer preconceito contra “los cucarachos” que vieram para esse país trazer a arte do jiu-jitsu brasileiro. Sinto-me em casa, sempre.
Havia decidido fechar a conta no Wells Fargo. Estava com muita pena, pois a experiência bancária que tive foi a melhor possível. Sabia que entraria, depois desse tempo todo, e que Jason, o gerente, iria me receber com um “- Hello, Ana, I am glad to see you are back to League City”. Como ele não estava, fui atendida pelo subgerente, Kyle Hallmark, com quem eu estivera apenas uma vez. Quando disse a ele que queria fechar a conta, pois não mais ficaria nos Estados Unidos por períodos longos, ele se lembrou que havia feito qualquer coisa para mim ano passado. Lembrou-se que era brasileira e fez a maior festa. Aconselhou-me a não fechar a conta, já que eu tinha isenção completa de taxas. Bastaria deixar um dólar e a conta permaneceria aberta, sem prazo. Assim, todas as vezes que eu vier, poderei depositar o dinheiro trazido e movimentar conforme a necessidade. Aceitei a sugestão e tirei o dinheiro da poupança, meros trezentos dólares, para juntar aos quinhentos que havia na conta corrente e, assim, continuar com a tal isenção. Devo esclarecer que fiz tudo isso sem sair da cadeira. Ele se levantava, ia ao caixa, voltava, eu assinava, ia de novo... E sem pagar taxas!!! Pois é, o gerente se vira em três por causa de uma droga de conta que só tem oitocentos dólares... e que na qual vão sobrar apenas uns dois ou três no dia 19 de maio, quando volto para o Brasil! Kyle merece um CD com gostosas músicas brasileiras... vou levar para ele hoje.
Outra excelente experiência vivida nessas bandas... um “acidente” de carro. Confesso que, mesmo antes de vir, preocupava-me o fato de estar há muito sem dirigir um carro automático. No Brasil, meu carro não tem nem direção hidráulica... e tenho que passar as cinco marchas o tempo todo no trânsito engarrafado do meu Rio de Janeiro. Enfim, guerra é guerra e lá fui eu matar a saudade de meu “possante”, um Toyota Avalon 1998, passeando por todo o lado dessa cidade que é considerada umas das cem melhores pequenas cidades americanas.. Depois do Banco, lá fui eu estrada afora, profundamente encantada com a organização do trânsito, todo mundo respeitando tudo, ninguém buzinando porque você demorou mais a movimentar o carro quando o sinal abriu.
De repente, não mais que de repente, ainda com o reflexo condicionado ao meu Peugeot carioca, procurei a embreagem para trocar a marcha no Toyota, que é automático, repito... não achei a embreagem... achei o freio e... freiei! A caminhonete do tipo 4 x 4 que vinha atrás, que mais parecia um microônibus, simplesmente entrou na traseira do meu bonitinho. Foi uma senhora pancada, e sinto o pescoço até hoje, três dias depois.
Saltei do carro, envergonhadíssima... Uma burrice ímpar! Pedi desculpas, e o dono do outro carro, um sessentão bem gorduchinho, super educado, disse que ia chamar os “cops”, já que o carro dele tinha sofrido danos... O meu, mesmo velhinho, estava intacto... segurou o forte tranco com a maior coragem! Tiramos os carros do meio da rua e ficamos aguardando. Deve ter ligado para o famoso 911.
Confesso que, na maior discrição, liguei logo para um dos meus “sobrinhos” policiais de Houston, cujos números dos celulares ficam em destaque na minha agenda. Claro que não ia pedir que aliviasse a situação, mas queria instruções, pois é um outro país! Eu queria perguntar se poderia mexer na bolsa sem que o colega dele achasse que eu ia tirar um Colt 45 e dar um tiro nele... nunca se sabe como são as paranóias de cada lugar. Juan Carlo não estava... fazer o quê?
O policial escalado pela Central chegou em menos de 10 minutos! A “vítima” foi logo contando que eu parei de repente e causei o acidente; enquanto isso, eu permanecia muda. O policial foi logo olhar a traseira do meu carro e pediu minha carteira de motorista e o seguro. Não se anda com documento de carro aqui... Só com o papel do seguro. Entreguei junto meu passaporte e disse que estava de visita por um mês. Nesse momento, confesso que me questionei por não ter chamado meu filho... mas não queria atrapalhá-lo no trabalho, e por isso tinha resolvido enfrentar sozinha as conseqüências de minha distração; enfim, a sorte estava lançada.
O Sargento Keller foi averiguar o carro “ferido” e constatou que o 4x4 estava com o pára-choque dianteiro avariado... Nada grave, mas estava. O policial disse que era norma deixar que as partes se entendessem quando o prejuízo fosse inferior a mil dólares. O americano foi logo dizendo que o conserto do carro dele ultrapassaria tal valor, pois era um carro classe A; queria, então, preencher uma tal de blue form... imagino que seja o formulário apropriado para iniciar algum procedimento judicial. Foi, então, que o céu ficou ainda mais azul naquele esplendoroso dia.
“The cop”, super gentil, disse ao americano que a vítima era eu, já que, segundo a lei americana - sorte minha ser como no Brasil - o motorista tem o direito a parar quando bem entender, e os outros, sim, é que não podem dirigir tão perto do carro da frente. Assim, ele era o culpado! Como autoridade, poderia fornecer a blue form para ser preenchida, mas eu seria a pessoa a alegar prejuízos! O homem ficou furioso e foi embora depressa, por certo com medo que eu fosse daquelas pessoas cretinas que fingem uma dorzinha aqui, outra ali,para ganhar uns trocados... Eu, na verdade, só queria ir embora com minha culpa discretamente escondida na bolsa, onde não tinha nenhum Colt 45, para me defender do outro motorista, que provavelmente tinha uma arma. O Texas é o Estado mais “armado” aqui nos Estados Unidos.
Isso tudo durou uns 20 minutos. No máximo. Descobri que são cerca de seis milhões de acidentes de carro por ano nos Estados Unidos. Acho que essa minha historinha nem vai contribuir para a estatística, pois virou um nada. Peguei o carro e continuei meu reconhecimento do território, com a atenção redobrada. Sou, agora, a motorista mais cautelosa de todo o Texas. Sorte igual a essa, não sei se serei merecedora novamente. Dizem que os raios não caem duas vezes no mesmo lugar, para o bem ou para o mal. Mas a experiência com a polícia foi bastante interessante. Minha condição de turista latina não me fez menor perante o representante da lei. O cidadão americano estava errado, segundo as regras de trânsito. E assim foi o caso julgado. Sem pensar em comparar, instintivamente comecei a cantar, do Tom e do Vinicius, “Se todos fossem iguais a você... que maravilha viver...” As estradas que me aguardem!

quarta-feira, 7 de abril de 2010

IRMAOS LUMIERE, COSTA-GRAVAS, TRUFFAUT, GODARD, RESNAIS...

IRMAOS LUMIERE, COSTA-GRAVAS, TRUFFAUT, GODARD, RESNAIS...
Abril de 2010.


Quando comento que, podendo ir ao cinema, aproveito para ver dois filmes seguidos, percebo que a pessoa acha estranho, provavelmente me considerando doida de pedra. Por isso, nem ouso acrescentar que aguentaria até mesmo um terceiro, embora nunca tenha me deixado levar por essa verdadeira tara.
Em Paris, aproveitei para ver o simplesmente fantástico documentário Oceans. Como não tinha legenda, perdi alguma coisa, mas consegui entender que foram 7 anos de produção, sendo que 3 apenas adaptando equipamentos para filmar em certas condições e grandes profundidades. Eu já sabia que cerca de 70% da superfície da Terra é constituída de água, e que, disso tudo, 97% estão nos oceanos, mas aquelas maravilhas marinhas realmente me deliciaram os olhos e a alma. Discussões sobre o meio ambiente e o futuro do planeta não são tema dessa crônica e ficam, quem sabe, para um outro dia. Hoje, quero falar de cinema.
Ao voltarmos para casa, comentei com Rosa que ficara impressionada com o cinema lotado, ao final de um dia que era regado por uma chuva bem chatinha que caía sem parar. Isso sem falar no frio que sentimos nas filas enfrentadas, uma para comprar os bilhetes e outra para entrar, filas essas que ficam do lado de fora do prédio! Ela explicou que os franceses são apaixonados por cinema, e que tem filme para todos os gostos e desgostos.
Curiosa, fui ao Pariscope para ver os filmes em cartaz e, impressionada, descobri que, naquela semana, eram simplesmente 79 reprises e, dentre elas, havia filmes dos anos 30, 40... Fora os outros tantos lançamentos e continuações. Isso, em Paris. Em termos da França inteira, com seus 65 milhões de habitantes, são quase 6 mil salas de projeção. Em 2009, foram vendidos duzentos milhões de tickets!!! Um pouco mais de três bilhetes per capita.
Sobre nós, os dados mais recentes que consegui referem-se a 2006. Com pouco menos de 190 milhões habitantes, naquele ano, o público foi de aproximadamente 90 milhões. Mais ou menos 1 bilhete para cada dois brasileiros. O número de salas é de cerca de 2.100 para o país todo.
No continente europeu, os franceses são os que mais produzem filmes, têm o maior público e a maior receita. Na verdade, para os especialistas, a Sétima Arte nasceu na França e todos reconhecem o importante papel desempenhado por eles desde o início da história desse meio de comunicação social. A Nouvelle Vague, nos anos cinquenta, foi, sem dúvida, o mais famoso dos movimentos do cinema daquele país. E a apresentação do filme "L'Arrivée d'un train en gare de la Ciotat"
, dos Irmãos Lumière, é considerada o marco do nascimento do cinema, isso em 1895.
A empresa PATHÉ, por exemplo, começou em 1896, e vi seu logotipo há 15 dias, se não estou enganada, quando assisti Ervas Daninhas, do Resnais que, por sinal, está com 87 anos!. Inesquecível seu Hiroshima, Mon Amour, do livro da Marguerite Duras. O problema foi que, a partir da Primeira Guerra, com a Europa toda sofrendo os reflexos do período, o dinheiro foi escasseando e, então, os Estados Unidos saíram em campo. Como não haviam sofrido na pele, conseguiam produzir seus filmes a um baixo custo. E, espertos, entraram no mercado europeu com toda a força. A história se repete? Hoje são outros produtos? Capitalismo...
Acabei descobrindo que a indústria cinematográfica francesa recebe proteção do governo e, dentre as medidas adotadas, uma é bastante interessante – somente podem ser lançados DVDs de filmes após seis meses de seu lançamento nas telas. Isso ajuda muito, sem dúvida. Aqui no Rio de Janeiro, antes mesmo dos lançamentos, já me oferecem cópias dos filmes!
Eu não sabia que o Festival de Cannes é mais velho do que eu! Dois anos... Sei que ambos estamos ainda em forma, mas somos antigos, não há como negar... A Academia de Artes e Técnicas do Cinema da França, que outorga o Prêmio Cesar, teve sua 35ª. edição esse ano de 2010. Enquanto isso, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos realizou sua 82ª. cerimônia do Oscar. Por sinal, tanto o melhor filme estrangeiro, o argentino O Segredo de Seus Olhos, quanto o Guerra ao Terror, cuja diretora foi a primeira mulher premiada na categoria, são excelentes. Pena que o filme dela tenha sido prejudicado pela tradução do título aqui no Brasil, pois as palavras assustam grande parte do público, que acredita que verá, apenas, sangue e matança. Não, por trás de tudo, vê-se que a pior guerra que se trava é aqui dentro da gente...
As diferenças que percebo mais evidentes entre o cinema francês e o americano são o ritmo, o desenvolvimento dos personagens e a questão do happy end e finais mais óbvios. É claro que temos finais felizes feitos pelos franceses, e unhappy ends em filmes de Hollywood, mas como média, fica a sensação de que os filmes franceses são menos “comerciais” do que os americanos.
Nunca estudei cinema, nem leio tanto as críticas feitas pelos especialistas, e tudo que digo não passa de opinião pessoal. Existem produções americanas da melhor qualidade que são “marginais” ao esquemão tradicional, como Amistad, do Spielberg, Apocalipse Now, do Oliver Stone... Isso é um alerta para que não sejamos injustos... nem tudo que vem da cinema francês é cult ou “de arte”, e nem tudo vindo dos Estados Unidos é apenas comercial.
Quanto ao Brasil, tive a melhor das surpresas ao descobrir que, em julho de 1896, ou seja, apenas um ano depois do nascimento do cinema, exibiram o primeiro filme aqui no Rio de Janeiro e, logo depois, já havia uma sala de exibição fixa. E mais ou menos 10 anos depois, já tínhamos 20 salas para exibir filmes americanos, franceses, italianos... sempre complementados por curtas brasileiros, cujos temas eram os fatos ocorridos poucos dias antes na cidade.
Já está provado que as páginas policiais, aquelas que quase respingam sangue, atraem meio mundo. Deve ter sido por isso que os primeiros filmes brasileiros foram dessa linha. Tivemos “Os Estranguladores”, de 1906, que foi um sucesso, com mais de 800 exibições somente aqui no Rio; depois, “O Crime da Mala”, do Francisco Serrador, em 1908 e “Noivado de Sangue”, de 1909. Depois, a gente rejeita o Guerra ao Terror...
Já em 1911, porém, os americanos se apresentaram nessas praias, e o Cinema Avenida foi aberto exclusivamente para exibir filmes de uma determinada produtora americana. E Francisco Serrador desistiu de produzir e criou a primeira grande rede de salas de exibição, virando um distribuidor de sucesso. Para completar nossa tragédia cultural, a partir de 1930, os filmes americanos passaram a entrar no Brasil sem pagar as taxas de importação.... Golpe mortal na produção nacional. Em 1942, dos 400 filmes lançados em nosso país, somente um era nosso. A lei do mais forte prevaleceu.
Glauber, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hiszman, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Cacá Diegues e outros mais, nos anos 60, iniciaram uma luta em prol de um cinema nacional mais forte. E o chamado Cinema Novo apresentou filmes de grande qualidade, como “Vidas Secas”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe”, “Macunaíma”, dentre outros mais.
Fui conferir os prêmios que “O Pagador de Promessas” recebeu, pois foi o único premiado daquele período. Eu só me lembrava da Palma de Ouro, de Cannes, mas recebeu mais alguns outros e chegou a ser indicado ao Oscar de 1963, o que demonstra que o mundo começou a reconhecer a qualidade de nossa produção.
Mais recentemente, tivemos algumas jóias, como “Central do Brasil”, “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”... Além de algumas indicações que não se concretizaram em vitória, “Central do Brasil” recebeu muitos outros prêmios, merecidíssimos, é certo.
Por coincidência, fui, há poucos dias, a uma das palestras do projeto “Histórias do Cinema”, no Centro Cultural do Banco do Brasil, projeto esse dirigido pela Cirlei de Hollanda, com Marcelo Aouila como Assistente de Produção, dois queridíssimos amigos. Ruy Castro falou sobre o humor em Hollywood, com aquele brilhantismo que lhe é peculiar, e deixou-me ainda mais encantada com essa arte do celulóide.
Aprendi, dentre inúmeras coisas, que Chaplin e outros tantos comediantes americanos foram discípulos de Max Linder, ator e diretor francês do início do século. Mais um ponto para o cinema francês. E foram umas duas horas com histórias fantásticas sobre a comédia nas telas. Nós, aqui da platéia, não temos a menor idéia do que se passa por trás das câmeras. Não é à toa que esse mundo da fantasia consegue nos iludir o tempo todo. Mesmo aqueles filmes do Chaplin, Burster Keaton, Harold Lloyd, com uma correria louca de cá para lá, de uma insanidade completa, tinham o roteiro todo escrito e eram muito bem preparados.
Uma das coisas que mais me chocou foi saber que Jerry Lewis e Dean Martin se odiavam, isso em razão da inveja doentia que Jerry tinha do outro. Ruy chegou a dizer que ele era uma das personalidades menos queridas de Hollywood, para não dizer uma das mais odiadas. Dizem que a inveja mata, mas não tenho tanta certeza. Ele está vivo e ainda produzindo.
Outra coisa que descobri - a dupla Gordo e Magro filmou por muito mais tempo do que Chaplin, pois o cinema falado não atrapalhou seu sucesso, vamos dizer assim. Foram mais de cem filmes! O público adorou a voz do Gordo e continuou fiel. Ruy contou que o cérebro era o Magro, que escrevia, dirigia, bolava tudo, enquanto Oliver Hardy chegava praticamente na hora de filmar e dava seu show. Seu segredo - foi o primeiro ator a “dialogar” com a câmera.
Ruy terminou a palestra dizendo que não gosta mais de ir ao cinema... Acha que não vale mais a pena. Apenas sai de casa para assistir aquele que ele considera gênio. Woody Allen. Eu até posso concordar com o talento dele, mas não vou me esquecer dos excelentes filmes políticos do Costa-Gravas, grego de nascimento, mas que atuou muito tempo na França; Truffaut, com seus Jules et Jim, O Último Metrô; e Godard, com seu mais que polêmico Jê vous salue Marie.
Adoro deitar-me de madrugada e ligar a TV para ver uns filmezinhos. Acabo dormindo no meio e acordo quando o seguinte está começando, mas nada mortal. Como repetem muito, um dia acabo vendo como acabou aquela história de amor ou desamor, ou descobrindo quem foi o assassino. Nada se compara, entretanto, ao escurinho do cinema, onde agora tem até lugar marcado, com um saco de pipoca deliciosa, uma coca-cola geladinha... E, como diz a Rita Lee, o melhor de tudo é chupar um drops de anis, longe de qualquer problema, perto de um final feliz, tomando cuidado, caso as luzes se acendam fora da hora.....FLAGRA, QUE FLAGRA!!!