segunda-feira, 24 de outubro de 2011

ESPELHO, ESPELHO MEU...


... existe alguém mais bela do que eu? Tenho mais sorte do que a madrasta da Branca de Neve. O meu espelho não responde. Se o fizesse, diria que tem muitas mulheres mais bonitas do que eu e mencionaria, no mínimo, 5 milhões, começando pela Gisele Bundchen, Paris Hilton, Natalia do Vale, a vizinha do 603, a Maristela...
Há muito, fiz minha cabeça. Não dá para competir, e tenho consciência disso desde pequenininha. O pior é que nem posso culpar a idade e tentar enganar os conhecidos mais recentes, pois as fotos não mentem jamais! Mas devo dizer que não tenho mágoa em relação à Natureza. Ela não foi madrasta... foi apenas mãe ausente. E me deixou por conta dos disfarces da maquiagem, das roupas mais interessantes, e da tal da beleza interior. E é nessa que uns 80 por cento da população feminina precisam investir. Não tem saída!
Voltando ao terrível espelho, Vinicius de Moraes me vem sempre à cabeça com sua terrível ameaça – “As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”. Pois é, e o que fazemos nós, simples mortais? Cortamos os pulsos? Vamos nos queixar ao bispo?
O espelho me olha, sem parar, enquanto eu, desolada, percebo as ruguinhas, as rugonas, o despencado... Plástica? Nem pensar. Apresento apenas um dos muitos motivos – sou alérgica. Portanto, melhor ser caidinha viva do que mortinha com cara de 10 anos menos.
Na manhã de um belo domingo, há pouco tempo, vi um programa de TV em que tudo versava sobre moda e beleza, assunto que, mesmo não me atraindo de maneira especial, vez por outra desperta alguma curiosidade nessa cabecinha metida a intelectual. Acabo, então, de olho no que é “fashion”. A inspiração para essa crônica chegou no momento em que a belíssima apresentadora do tal show, conhecida atriz, afirmou que quase enlouqueceu ao descobrir sua primeira ruga. Ela tem trinta e cinco anos. Foi assustador! Não a tal da primeira ruga, mas o que vi na telinha naqueles trinta minutos seguintes.
Uma jovem de vinte e sete, entrevistada pelo programa, confessou aplicar o tal do botox na testa e preencher seu “bigodinho chinês” com ácido hialurônico já faz algum tempo! Eu, na sexta década, mesmo precisando muito desse tipo de recauchutagem, fico receosa de injetar qualquer substância no organismo. Sei lá o que pode resultar dessa invasão química! E começar tão precocemente me parece uma verdadeira roleta russa. Milhões de mulheres que nem chegaram aos quarenta fazem essas aplicações com bastante regularidade! E ficam todas super aflitas com qualquer risquinho que, por ventura, apareça em seus rostos bonitos...
Fui pesquisar o tal do botox, denominação que é, na verdade, a da marca americana da toxina botulínica; como foi a primeira a ser liberada comercialmente para uso dermatológico, deixou o nome da mesma forma que a gilete, o modess, o gumex... Aplicada em pequenas doses, bloqueia o neurotransmissor responsável pelo envio das mensagens elétricas aos músculos. Minha vontade de ficar mais bonita não supera o pavor ao imaginar que uma toxina dessas vai ser injetada no meu rosto. E se eu ficar ainda pior? E se meu organismo acumular a toxina, e eu acabar contraindo o botulismo? Até me acho meio histérica com relação ao botox, mas aprendi que seguro morreu de velho.
Todo mundo pode rebater minhas exageradas e racionais considerações dizendo que o procedimento segue exatamente o mesmo princípio da vacina, quando pequenas dosagens de uma determinada substância são inoculadas na pessoa. É certo que isso não causa qualquer mal, na grande maioria dos casos; muito pelo contrário, tendo em vista que o organismo cria anticorpos que vão imunizá-lo contra aquela determinada doença. O problema é que a vacina é aplicada uma só vez na vida, em certos casos, algumas vezes, mas sempre poucas. Jamais de seis em seis meses, de ano em ano, como é o botox. Sinto muito, mas não vou me arriscar.
Ficou simplesmente impossível ser uma mulher confiante nessa era em que o culto ao corpo ultrapassou o limite do razoável. Os padrões são altos, mas tão altos, que nossa vida se tornou dificílima. Temos que nos parecer, minimamente, com aquelas beldades que povoam todas as revistas, de moda ou não, que aparecem nas telinhas, na telona... Mal completam dezoito anos, as meninas iniciam seus tratamentos para alcançar a beleza, essa coisa quase inacessível, muitas vezes terrível mesmo. Tornamo-nos escravas da ditadura que é a busca do ideal, vítimas do medo sempre crescente do envelhecimento. Nessa busca, algumas encontram a anorexia, devastadora consequência da expedição ao mundo que estão dizendo ser o da beleza.
Procuro me conformar com o velho ditado de que o belo está no olho de quem vê. O drama é que 90% de nós estaremos ferradas, caso esse determinado olho esteja contaminado pelas pernas da Ana Hickmann, pelo porte da Gisele Bundchen ou pelo corpo da última miss Brasil. Eu, felizmente, acabei aceitando a conversa (consolo, melhor dizendo) de que a beleza interior é a que conta e não tenho tido problemas psicológicos mais sérios com o meu invólucro.
Fiz um esforço enorme para me lembrar da primeira ruga... Não consegui. Vieram à mente o primeiro dia de aula, o primeiro beijo, a primeira noite de amor, o nascimento do primeiro filho (e do segundo, da terceira), a primeira vez que ouvi Jade dizer – vovó! Fui adiante. Das rugas, só me lembro bem das que me deram muita satisfação. Explicando melhor - quando saí da cirurgia de catarata, olhei-me no espelho e vi dezenas delas. Que felicidade! Havia recuperado a visão, aquela visão que me faz ver o mundo colorido, com muito brilho, muitas vezes deslumbrante... foram as ruguinhas mais comemoradas do planeta!