terça-feira, 21 de abril de 2009

NO MEIO DO NADA

NO MEIO DO NADA
Ana Hertz
Abril de 2009.

Round Top tem, oficialmente, apenas 77 habitantes. Há cento e quarenta anos, prósperos proprietários de terra ali se estabeleceram e, desde então, vem sendo mantida a tradição de cidade pacata, muito influenciada pelos imigrantes alemães e tchecos que também decidiram viver por ali.

A primeira coisa que me atraiu para a região foram as igrejas pintadas, construídas no século XIX pelos novos moradores, num esforço para preservar o vínculo com as raízes do outro lado do oceano. As inscrições nas respectivas línguas demonstram que pretendiam vencer nesse novo mundo, mas não queriam perder a cultura da pátria-mãe. Apenas a partir de 1984, quando quinze dessas igrejas foram incluídas no Registro Nacional de Lugares Históricos, historiadores, artistas e turistas passaram a prestar atenção nas Igrejas Pintadas do Texas. E eu, só agora!

Li sobre elas num livro e fiquei encantada. Estabeleci La Grange como centro de minha expedição, por ter descoberto que é considerada a melhor pequena cidade do Texas e dali podia partir para as outras. A primeira igreja que visitei encantou-me de tal forma que as fotos foram logo incluídas no meu álbum de viagem. Construída em 1895, fica bem perto, em Praga, em honra a Nossa Senhora da Assunção.. Pelo nome da cidade, já se vê que a área foi colonizada pelos tchecos. Outra linda, vi em Schulenberg, também em honra a Nossa Senhora, onde um belíssimo Cristo se destaca no altar central, com um jogo de luz inacreditável. Mais uma foto para o álbum. Todas, em geral pequenas, aconchegantes e muito bem conservadas, são muito bonitas.

E foi através do dono do Bed & Breakfast de La Grange que ouvi sobre outras tantas maravilhas de Fayette County, condado que abriga inúmeras pequenas cidades, cada uma mais interessante do que a outra. Neale Rabensberg, um arquiteto de família tradicional de Houston, deixou a cidade grande e comprou de volta a casa que havia pertencido aos familiares, onde estabeleceu The Meerscheidt House, o mais charmoso hotelzinho dessa região que tem tanto da história do Texas para contar. Mesmo depois de seis visitas, nem da metade consegui saber.

Aprendi muito sobre mapas, numa palestra na Sociedade de Genealogia de La Grange a que Neale me levou. Nunca havia parado para pensar como são importantes, como representam coisas tão diferentes, como explicam o fascinante caminhar dos homens pelo mundo, desde o início das civilizações. Ou seja, tanta cultura nessa cidade com pouco mais de quatro mil habitantes, rodeada de campos e mais campos. Anda-se de carro por 20 minutos sem que se veja um outro carro, uma pessoa qualquer... e eles estão com tanto conhecimento e procurando descobrir ainda mais.

Uma das coisas que mais me fascinou em Round Top foi a James Dick Foundation for the Performing Arts, fundada há quase 40 anos por James Dick, pianista conhecido internacionalmente e que organiza, desde então, o Festival Internacional de Round Top. Para resumir o que representa essa instituição, que começou com alguns pianistas num espaço alugado, atualmente é um instituto de música para jovens talentosos que chegam de todo canto do mundo. No primeiro concerto que fui, conheci um violinista de Belo Horizonte estagiando por lá. Já fui a duas outras apresentações, todas da melhor qualidade. A última, semana retrasada, foi uma sessão de percussão que me deixou extasiada. Enfim, música clássica, contemporânea, todos os estilos..

O Campus do Instituto tem 210 acres, com construções históricas, muitos jardins, parques, alojamento para os estudantes e visitantes e, o que me assombrou, uma opera-house para 970 pessoas! Além de belíssima, é considerada uma das melhores dos Estados Unidos. Sou testemunha de que há público - num dos concertos não se viam lugares vazios. Isso, numa cidade de 77 habitantes. Há temporadas de verão, de outono e de primavera. Faltou o outono? A temporada de inverno começa antes para compensar. E esqueci de contar que há uma igreja linda, trazida de uma outra cidade próxima e remontada num dos jardins. Realmente, é uma coisa extraordinária.

Ainda em Round Top, além da música, há, nos meses de julho e agosto, o Campus Shakespeare. É um programa da Universidade do Texas – Shakespeare at Winedale.- com duas semanas de acampamento para adolescentes de 10 a 16 anos. Esses adolescentes estudam Shakespeare através da representação teatral, quando exploram não só os aspectos da língua, da literatura, como também o caráter dos personagens. Não são apresentados shows com essas crianças, e o que realmente importa é o processo criativo em que se envolvem.

Se não fosse o bastante, a mesma Universidade do Texas patrocina, há quase 40 anos, apresentações das peças de Shakespeare também em Winedale. Estudantes universitários de qualquer área podem explorar o grande autor através da representação. Pude ver “O Mercador de Veneza” sentadinha na última fila do teatro, que é um antigo celeiro de madeira, devidamente restaurado, com palco em dimensões bastante razoáveis, e uma platéia com cadeiras de armar, bem simples, para 250 pessoas. Os atores ficam internados por 2 meses, ensaiando 3 peças diferentes, e em julho e agosto o público vem assistir. Após o espetáculo, os atores confraternizam com os espectadores, num lindo gramado rodeado de frondosas árvores. Precisa-se de algo mais?

Se alguém pensa que acabei de contar sobre Round Top está redondamente enganado. Temos as Fall and Spring Antiques Fairs, que há 40 anos acontecem por ali, duas vezes por ano. São as mais famosas, mas existem outras tantas que acontecem durante o ano todo. Fui conferir, há quinze dias, e fiquei deveras impressionada. São quilômetros e quilômetros de barracas, tendas, lojas, oferecendo as mais variadas antiguidades. Consegui comprar exemplares da Revista Life dos anos quarenta e setenta, com edições em oito datas correspondentes ao aniversário de amigos e filhos. Achei que podem ser uma bela lembrança para cada um deles. Vão ver o que acontecia no mundo quando nasceram, na visão dos que viviam aquelas historias... Se compararmos com o que nos contam hoje, talvez tenhamos grandes surpresas.

Para resumir, fiquei presa em um enorme engarrafamento em Round Top. E não foi por ser uma cidade pequena. Explica-se - são cerca de 40 ou 50 mil pessoas visitando a feira, vindo de todos os cantos dos Estados Unidos e alguns do exterior, especialmente de Londres.

E nesse último final de semana, em La Grange estavam 13 mil ciclistas que dali partiram para Austin, pedalando por cerca de 80 milhas de distância, numa corrida que acontece há 25 anos. Em razão da tempestade que se abateu sobre a região, apenas essa segunda etapa da corrida original pode ser realizada. A primeira, de Houston até La Grange, foi suspensa. Foi muito interessante ver toda aquela gente, de todas as idades, credos e cores, partindo em busca, muitas vezes, apenas da alegria de estar ali... muitos não estavam competindo... queriam apenas participar, chegar ao final, sem se importar com o tempo que seria necessário.

Pois é. No meio do nada, encontrei música erudita, música contemporânea, Shakespeare, antiguidades, estudo de genealogia, treze mil ciclistas... Vou contrariar o Barão de Itararé. Uma dentre suas máximas ou mínimas mais famosas - De onde menos se espera, daí é que não sai nada, para mim, não pode ser tomada como regra.

No meio do nada, encontrei tanta coisa interessante. Como também os jurados do show Britain’s Got Talent e o público na platéia, que não fizeram fé em Susan Boyle, uma mulher mais velha, que não atende aos padrões de beleza estabelecidos pela atual sociedade, saída de um pequeno vilarejo da Escócia. Presenteou a todos com momentos da mais pura beleza e emoção, mostrando uma voz que poucos têm a sorte de ter.

Se vierem ao Texas, não deixem de visitar esses cantos. Vão se surpreender, pois no meio de nada, a gente pode encontrar muito. Basta saber procurar.

domingo, 12 de abril de 2009

SAO DOIS PRA LA, DOIS PRA CA

SÃO DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
Ana Hertz
Abril de 2009


Saudades da Elis Regina cantando... E saudades do tempo em que minhas pernas obedeciam ao comando de meu cérebro! A primeira investida para melhorar a performance muscular, depois da perna e do joelho quebrados, foi entrar para uma academia de ginástica, com a supervisão de uma personal trainer muito boa. Depois, para juntar o útil ao agradável, matriculei-me numa escola de dança de salão.

O engraçado é que essa história de comer e coçar vai mesmo do começar. Quando descobri que as prefeituras de League City, onde moro, e a de Friendswood, bem ao lado, oferecem várias atividades para os seniors, fui eu atrás de mais atividade física. Temos, para escolher, jazzexercice, sapateado, clogging – a deliciosa dança irlandesa, e a line dance. Antes que me esqueça: para o cinema, desconto no Texas só para os de 62 para cima. Nos museus, com 65 podem pagar menos. Para minha sorte, nesses programas na prefeitura, basta chegar aos 55 para usufruir de tudo que oferecem para os mais antigos.

Toda animada, fui ver como era essa tal de line dance. Simplesmente, o que o nome já diz. As pessoas ficam alinhadas, uma ao lado da outra, formando quantas filas forem necessárias. Não se precisa de par, apenas de alegria e vontade. A professora, que beira os 70, tem uma energia de fazer inveja a qualquer jovem. Aos domingos, vai a dois eventos de dança e não pára um minuto. Fui testemunha uma vez, quando fui junto!

Nos primeiros dias, sentia-me uma completa desastrada, perto daquelas companheiras mais velhinhas do que eu (uma tem 85!) e que dançam sem perder o ritmo, o passo e, o que é o máximo, sem esquecer a coreografia! Em tempo... as mulheres se saem melhor do que os homens que também freqüentam as aulas. Com o tempo, fui aprimorando e não me saio tão mal assim. Adoro dançar o charleston. Como é divertido! E pensar que, quando lançado, o ritmo causou o maior escândalo por ser considerada uma dança por demais licenciosa!!

Fui num entusiasmo impressionante e acabei até fazendo hula-hula, a dança havaiana. Na primeira aula, enquanto rebolava como se estivesse envolta num sarong, percebi que deveria também fazer gestos com os braços e as mãos. Imitei a professora do jeito que pude, achando-me a mais ridícula das criaturas. Acabei percebendo que os gestos expressavam o que a canção dizia. No intervalo, Mary, minha amiguinha havaiana de 85 anos, explicou tudo. Como a música conta uma história, precisa ser dramatizada. Enquanto cantamos e dançamos, estamos representamos. E me vi encenando um pássaro em seu belo vôo enquanto dançávamos Yellow Bird. E não mais me achei ridícula. Entrei na cultura daquele povo tão interessante e fiquei com uma vontade enorme de visitar suas belíssimas ilhas, cada uma com a natureza mais exuberante do que a outra. Quem sabe por lá eu não aprimoro meu rebolado havaiano?

Por estar fazendo dança, acabei caindo nos braços da pintura em aquarela, outro programa para seniors da Prefeitura. E daí, para pintura em acrílico e, em um mês, acabarei metendo a mão na argila. Tudo free of charge. Quem quiser e puder, oferece um dólar por atividade, para ajudar os professores, todos voluntários, a pagar a gasolina. Quem poderia supor que eu, um dia, estaria pintando e fazendo esculturas? O produto final, podem todos acreditar, não é dos piores! Nada vai fazer parte do acervo do MOMA, ou do Louvre, mas tenho me divertido muito enquanto me lambuzo de tinta. Não estou pintando apenas o “sete”!

Constatei que os participantes não são pessoas desocupadas ou solitárias, o que poderia parecer num primeiro momento. A maioria tem atribuições, quando não profissionais, familiares. Eu já havia comentado que grande parte dos cidadãos americanos trabalha até não poder mais. Alguns outros fazem parte de grupos de terceira idade que se apresentam em retiros de idosos (dos mais idosos ainda!) e em hospitais, levando alegria, música, dança e carinho para quem precisa. Três amigas, inclusive a Mary, de 85 anos, participam do Stars and Stripes, um conjunto de 300 idosos que tocam cavaquinho! Divertem-se nos ensaios, uma vez por semana, e nas apresentações, duas vezes por mês, quando comparecem todos com o traje da banda, fornecido pela Igreja Presbiteriana que patrocina o grupo. Esclareço de uma vez – não precisam freqüentar a igreja ou seguir a doutrina para fazer parte do grupo. Qualquer interessado pode participar. Nisso, ainda não me arrisquei.

E sobre os “solitários”... um grande número deles é casado ou tem namorado, ou namorada. E alguns vão juntos! Vejo vários casais, tanto no programa de seniors, quanto nas aulas de dança de salão. Portanto, não podemos generalizar que sejam solitários ou desocupados.

Acabei sabendo que existe um programa de “avós adotivos”. Quem tiver mais de 55 anos pode se candidatar, tanto para voluntário, como para um contrato, com remuneração pelas horas trabalhadas. Atuam como professores particulares, mentores e, muitas vezes, fazem apenas companhia, oferecendo apoio moral e afetivo a crianças e jovens com necessidades especiais. E o Seniors Corps também tem um programa em que idosos ajudam outros idosos que precisam de companhia para desempenhar algumas tarefas domésticas ou sociais, como fazer compras, ir ao médico, visitar um amigo. No Brasil, as famílias, em geral, atendem a essas necessidades, enquanto por aqui isso é, algumas vezes, um pouco mais complicado.

Voltando ao assunto principal, a dança. A poucos domingos atrás, fui a uma igreja metodista, onde o grupo de line-dance ia se apresentar. Fui meio desconfiada, ao saber que a tal igreja se chama Cowboy Church. Parece inacreditável, mas até o pastor se veste de cowboy. Pelo que entendi, descobriram que estava meio difícil fazer a tropa freqüentar a igreja. Qual a melhor idéia? Venceu essa - contratam uma banda, quase sempre de música country, providenciam comes e bebes (refrigerantes, café e água) e, no meio do show, o pastor faz um mini-sermão de 5 minutos e temos resolvida a questão. A igreja tem o culto tradicional, por certo, mas também lança mão desse recurso para que os fiéis menos fiéis compareçam. E todo mundo sai dançando, na maior animação. E verdade seja dita – não dançar faz mal a saúde!

E lá vou eu e meus amiguinhos da terceira juventude nos divertindo muito com o “dois pra lá, dois pra cá” que tanto a Ellis recomendou. Ninguém se incomoda, ou se envergonha, de dançar meio torto, caso tenha um braço e uma perna um pouco prejudicados por um AVC ou apenas porque a idade chegou mesmo! Faz o que pode, sorri e vai dançando conforme sua própria música...e quem sabe um novo dois para lá e somente um para cá também dá certo? Não custa tentar.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

QUEM MATOU J.R ?


QUEM MATOU J.R.?
Ana Hertz
Março de 2009

Dallas é uma palavra que sempre me traz de volta coisas das quais não gosto. Um delas, a série com esse nome que cheguei a ver na televisão algumas vezes, foi assunto em variadas rodas durante muito tempo. Nos Estados Unidos, foi ao ar de 1978 a 1991 e, por incrível que pareça, a história não agradava apenas por essa freguesia. No mundo inteiro, as pessoas ficavam hipnotizadas. O tal capítulo em que o mistério sobre o atentado ao execrável J.R. seria desvendado foi visto, no planeta, por cerca de 360 milhões de pessoas. Algo realmente inacreditável. Foi uma histeria coletiva, tipo “quem matou Odete Roitman” na novela Vale Tudo, nos anos oitenta, só que em escala gigantesca. A outra coisa foi a morte de Kennedy.

Eu, sinceramente, não tenho a menor idéia de quem atirou em J.R. Gostava de Larry Hagman como Major Nelson, em Jeannie é um gênio. Mas o mundo só o reconheceu como artista a partir de seu desprezível personagem. Interessante esse fenômeno do bandido que vira o centro das atenções. Pelo que li, a trama iria girar em torno do irmão bonzinho, mas ele era tão sem graça que não teve a menor chance. A mulher do mau caráter tampouco era uma flor de pessoa. Chamava-se Sue Ellen e me lembro perfeitamente disso porque, logo depois, vivemos uma febre de menininhas sendo batizadas com o nome dela; enfim, essas coisas de moda televisiva.

Comecei lançando a pergunta – Quem matou J.R? - quando, na verdade, acho que nem o mataram. Ainda que saiba ser politicamente incorreto, confesso que era melhor que o personagem tivesse morrido mesmo, pois era infame. Tão infame quanto o astronômico preço dos anúncios para os intervalos do episódio revelador: cada interessado pagou a bagatela de quinhentos mil dólares por minuto! Para não ter que comentar, melhor mudar de assunto.

Resolvi conhecer Dallas por ser uma cidade com muitos museus interessantes e galerias de arte da melhor qualidade, razoavelmente perto, a cerca de 4 horas e meia de Houston. Peguei meu carro numa sexta-feira e lá fui eu, ouvindo Chico, Edu Lobo, Cesar Costa Filho pelo caminho. Nem senti o tempo passar. O Circo Místico e o Mirante da Amaralina me encantaram.

A primeira impressão é a que fica, diz o ditado. Se não existissem as exceções para todas as regras, eu nem estaria escrevendo sobre Dallas, e sim tentando esquecer todas as complicações com que me deparei quando cheguei. Primeiro, foi uma estrada com pedágio, cujas cabines não eram guarnecidas por seres humanos... apenas máquinas. E essas antipáticas maquininhas simplesmente rejeitaram nada menos do que seis notas de um dólar com as quais pretendia pagar os quarenta cents da taxa! Simplesmente, cuspiam todas as que eu inseria! Atrás de mim, uma fila de carros aguardando. Felizmente, os motoristas são super controlados... ninguém buzinou! Após muitas tentativas, uma das benditas foi aceita, e eu pude ir adiante. Podem imaginar a vergonha.

Depois da experiência desastrosa, fui procurar o Heritage Museum, que me parecia bastante interessante nos folhetos que tinha recebido. Consegui localizar a rua, mas não o museu propriamente dito. E comecei a achar que a vizinhança era meio estranha... fui embora, em busca do meu hotel numa cidadezinha próxima. Por causa de um trânsito louco, levei o dobro do tempo previsto para chegar a Irving. E não é que tampouco achava o hotel? O problema é que o GPS ficou sem sinal. Nessas cidades menores, ninguém anda na rua e não se tem a quem perguntar. Depois de rodar muito, num posto de gasolina encontrei uma bondosa alma que conhecia o lugar e aí foi fácil. Comecei a achar que tinha entrado numa furada.

Persistente como toda taurina, no dia seguinte insisti no tal do Heritage Museu e achei na primeira tentativa. Fiquei encantada. Levaram para uma área do antigo parque da cidade 38 edificações representativas do período entre 1840 e 1910. Treze acres de terra, com muitas árvores e flores, uma escola, uma igreja, residências de vários padrões e prédios comerciais. Além disso, aos sábados, um grupo de professores de história, todos voluntários, apresentam cenas do velho oeste, com direito a tiros, bandidos presos, dinheiro do assalto ao banco recuperado... E o que é melhor – ficam por 5 horas conversando com os visitantes e contando um pouco da história do Texas. E eu, que nunca estive numa fazenda, consegui ver uma ovelha sendo tosquiada, já que a primavera chegou e, com ela, a necessidade de livrar a pobrezinha de toda aquela lã. Pude ver antigas máquinas impressoras, um escritório de advocacia com uma petição daquela época, a cadeia, o saloon onde todos se encontravam; enfim, bem divertido e, para as crianças, um modo mais interessante de entrar em contato com as raízes de seu país. Não ter achado o museu na sexta-feira foi obra do meu anjo da guarda – teria perdido a encenação e a conversa com os voluntários. Na vida da gente, isso acontece muito. Reclamamos de algo que não saiu como planejado, mas o que vem em troca é muito melhor.

Fui, então, para o Six Floor Museum, montado a partir da morte de John Kennedy justamente no andar do prédio de onde Lee Oswald teria atirado no presidente americano. Bem na entrada, há uma informação sobre esse sexto andar, dizendo apenas que foi onde encontraram um rifle. Quem escreveu isso concorda comigo – a versão oficial é uma historinha muito da mal contada.

Já no lado de fora, podemos encontrar muitos “guias”, com reprodução do jornal da tarde de 22 de novembro de 1963, edição que já saiu com a notícia. Lembrei-me de Olinda, com aqueles meninos-guias contando sobre a cidade, com um texto bem decoradinho para impressionar os turistas. Levei 40 minutos para comprar o ingresso, pois o movimento era inacreditável. O funcionário comentou que todo dia, a qualquer hora, a fila é enorme, tornando-o um dos mais visitados museus dos Estados Unidos.

Fiquei bastante impressionada com o que vi. Não percebi a “história oficial” sendo imposta naquele lugar. Há, a cada passo da exposição, diversas informações sobre o assassinato que contradizem a versão apresentada e, mais do que isso, nos murais podemos ver a maioria das dúvidas levantadas. Mostra o relatório final da Comissão Warren, em 1988, que concluiu não ter havido conspiração objetivando a morte de John Kennedy. Os inúmeros suspeitos, que iam do governo soviético à Máfia, passando por Cuba, CIA, FBI, extrema-direita americana, foram todos inocentados. Para eles, houve apenas um culpado – Lee Oswald. Logo no painel ao lado, apresentava-se a pergunta: - Por que um agente da CIA, demitido por Kennedy um pouco antes, foi justamente um dos principais encarregados da investigação?

Como era muito jovem na época, só me lembro de saber da morte no meio da tarde, enquanto ouvia a Rádio Tamoio, e de que fiquei muito chocada. Kennedy havia “chegado” ao Brasil, com toda uma aura de jovialidade, promessas de mudança, compromissos com a pátria, charme; enfim, o mais novo presidente norte-americano também encantava o mundo. Descobri, neste passeio, que sua vitória foi por apenas 0.1% dos votos, num universo de sessenta e nove milhões de eleitores. Nixon, anos depois, disse que não conseguiu vencer por faltar-lhe o charme do oponente. Mesmo despertando receio por ser considerado muito jovem para o cargo, por ser católico num país protestante, Kennedy chegou lá.

Além do público em geral, há um sem número de historiadores respeitados que continuam sustentando a tese de conspiração. Kennedy foi audacioso ao contrariar os interesses de indústrias bélicas e de militares, acenando com a proposta de encerrar a corrida armamentista. Imagina-se bem o que isso trouxe. Se mais não fosse, como democrata, ousou falar em igualdade de direitos civis e sociais para todos os americanos, independentemente de cor, religião, origem. Com isso, ao mesmo tempo que despertou ódio dos radicais e dos que viram seus interesses ameaçados, seduziu o mundo e muitos americanos. Foi por essa razão que não foi só nos Estados Unidos que o assassinato provocou comoção. O funcionário do estacionamento onde deixei meu carro contou que em seu país, a Etiópia, ainda hoje muitas escolas e hospitais são batizados com o nome dele.

Falando em estacionamento, quando voltei para o carro, tinha um documento preso no vidro da frente. Era uma espécie de relatório da Safety Patrol do Departamento de Policia de Dallas. Eles fazem a ronda na cidade, verificando se os carros estão seguindo as normas de segurança. Deixam, então, o tal relatório, assinado por quem fez a vistoria, com a informação se o veículo “passou” ou não no exame. Os itens avaliados são – chaves esquecidas na ignição, coisas deixadas no interior do carro que podem atrair a atenção dos ladrões, janelas abertas, ou qualquer coisa que possa facilitar a ação dos meliantes. O meu Toyota foi aprovado.

Para os americanos, ficou a impressão de que aquele futuro melhor prometido por Kennedy jamais seria alcançado. O sonho de uma nação mais próspera, um mundo menos agressivo e direitos iguais foi abortado naquele novembro em Dallas, uma das cidades mais conservadoras dos Estados Unidos. Concretizou-se, após mais de 400 ameaças de morte desde sua posse, o que tantos temiam.

Muitos analistas políticos dizem que seu maior crédito foi pelo que poderia ter feito, não pelo que realmente chegou a fazer. Lembrei-me de Trancredo Neves, outra promessa não cumprida por circunstâncias extraordinárias. Comparei os 26 volumes da Comissão Warren com o relatório do Coronel Job Lorena, sobre o Riocentro. Documentos inaceitáveis. A morte de Kennedy, nos livros de História, resume-se a duas linhas – foi morto por um atirador solitário que foi morto por outro atirador solitário e ponto final.

A teoria da bala única – the single-bullet theory – tem a ousadia de traçar a trajetória de uma bala originada da arma de Lee Oswald, bala essa que teria causado sete ferimentos, um em Kennedy e seis em Connally, o governador texano. Teria quebrado dois ossos e saído inteiramente limpa, sem perda de material, sinal de sangue ou qualquer coisa. O que torna as coisas ainda mais inacreditáveis - teria passado pelo pescoço do presidente, dirigindo-se para baixo, mudado de direção, subido e saído por sua garganta. Não satisfeita, “parou para pensar” por um segundo e meio e, mudando de direção novamente, foi para a direita, depois para a esquerda e, então, atingiu Connally, em seu pulso direito, quebrando-lhe o osso, fazendo uma monumental curva e alojando-se, finalmente, na coxa esquerda. Nem Walt Disney teria a coragem de colocar uma coisa dessas em seus desenhos animados, com medo de fazer um papel ridículo.

Por isso tudo, Dallas nunca foi, para mim, uma cidade simpática. Deve ter percebido isso, pois quando fui para a estrada de volta para casa, presenteou-me com o mais belo pôr-do sol de toda a minha vida, e eu já vi milhares - estou “na estrada” há muito tempo. Por sorte, pude capturá-lo com minha câmera fotográfica, sempre a postos no banco do carona.

Nada me convence que Lee Oswald era um assassino solitário e, do mesmo modo, pensam quase todos os habitantes do planeta. Um conto da Carochinha muito mal elaborado. E não tenho esperança de chegar a saber da verdade. Quem matou J.R? Não sei e não me interessa. Quem matou J.F. K? Não sei, mas queria muito ver desvendado o mistério. Dallas não me contou. Não teve coragem.