sexta-feira, 3 de abril de 2009

QUEM MATOU J.R ?


QUEM MATOU J.R.?
Ana Hertz
Março de 2009

Dallas é uma palavra que sempre me traz de volta coisas das quais não gosto. Um delas, a série com esse nome que cheguei a ver na televisão algumas vezes, foi assunto em variadas rodas durante muito tempo. Nos Estados Unidos, foi ao ar de 1978 a 1991 e, por incrível que pareça, a história não agradava apenas por essa freguesia. No mundo inteiro, as pessoas ficavam hipnotizadas. O tal capítulo em que o mistério sobre o atentado ao execrável J.R. seria desvendado foi visto, no planeta, por cerca de 360 milhões de pessoas. Algo realmente inacreditável. Foi uma histeria coletiva, tipo “quem matou Odete Roitman” na novela Vale Tudo, nos anos oitenta, só que em escala gigantesca. A outra coisa foi a morte de Kennedy.

Eu, sinceramente, não tenho a menor idéia de quem atirou em J.R. Gostava de Larry Hagman como Major Nelson, em Jeannie é um gênio. Mas o mundo só o reconheceu como artista a partir de seu desprezível personagem. Interessante esse fenômeno do bandido que vira o centro das atenções. Pelo que li, a trama iria girar em torno do irmão bonzinho, mas ele era tão sem graça que não teve a menor chance. A mulher do mau caráter tampouco era uma flor de pessoa. Chamava-se Sue Ellen e me lembro perfeitamente disso porque, logo depois, vivemos uma febre de menininhas sendo batizadas com o nome dela; enfim, essas coisas de moda televisiva.

Comecei lançando a pergunta – Quem matou J.R? - quando, na verdade, acho que nem o mataram. Ainda que saiba ser politicamente incorreto, confesso que era melhor que o personagem tivesse morrido mesmo, pois era infame. Tão infame quanto o astronômico preço dos anúncios para os intervalos do episódio revelador: cada interessado pagou a bagatela de quinhentos mil dólares por minuto! Para não ter que comentar, melhor mudar de assunto.

Resolvi conhecer Dallas por ser uma cidade com muitos museus interessantes e galerias de arte da melhor qualidade, razoavelmente perto, a cerca de 4 horas e meia de Houston. Peguei meu carro numa sexta-feira e lá fui eu, ouvindo Chico, Edu Lobo, Cesar Costa Filho pelo caminho. Nem senti o tempo passar. O Circo Místico e o Mirante da Amaralina me encantaram.

A primeira impressão é a que fica, diz o ditado. Se não existissem as exceções para todas as regras, eu nem estaria escrevendo sobre Dallas, e sim tentando esquecer todas as complicações com que me deparei quando cheguei. Primeiro, foi uma estrada com pedágio, cujas cabines não eram guarnecidas por seres humanos... apenas máquinas. E essas antipáticas maquininhas simplesmente rejeitaram nada menos do que seis notas de um dólar com as quais pretendia pagar os quarenta cents da taxa! Simplesmente, cuspiam todas as que eu inseria! Atrás de mim, uma fila de carros aguardando. Felizmente, os motoristas são super controlados... ninguém buzinou! Após muitas tentativas, uma das benditas foi aceita, e eu pude ir adiante. Podem imaginar a vergonha.

Depois da experiência desastrosa, fui procurar o Heritage Museum, que me parecia bastante interessante nos folhetos que tinha recebido. Consegui localizar a rua, mas não o museu propriamente dito. E comecei a achar que a vizinhança era meio estranha... fui embora, em busca do meu hotel numa cidadezinha próxima. Por causa de um trânsito louco, levei o dobro do tempo previsto para chegar a Irving. E não é que tampouco achava o hotel? O problema é que o GPS ficou sem sinal. Nessas cidades menores, ninguém anda na rua e não se tem a quem perguntar. Depois de rodar muito, num posto de gasolina encontrei uma bondosa alma que conhecia o lugar e aí foi fácil. Comecei a achar que tinha entrado numa furada.

Persistente como toda taurina, no dia seguinte insisti no tal do Heritage Museu e achei na primeira tentativa. Fiquei encantada. Levaram para uma área do antigo parque da cidade 38 edificações representativas do período entre 1840 e 1910. Treze acres de terra, com muitas árvores e flores, uma escola, uma igreja, residências de vários padrões e prédios comerciais. Além disso, aos sábados, um grupo de professores de história, todos voluntários, apresentam cenas do velho oeste, com direito a tiros, bandidos presos, dinheiro do assalto ao banco recuperado... E o que é melhor – ficam por 5 horas conversando com os visitantes e contando um pouco da história do Texas. E eu, que nunca estive numa fazenda, consegui ver uma ovelha sendo tosquiada, já que a primavera chegou e, com ela, a necessidade de livrar a pobrezinha de toda aquela lã. Pude ver antigas máquinas impressoras, um escritório de advocacia com uma petição daquela época, a cadeia, o saloon onde todos se encontravam; enfim, bem divertido e, para as crianças, um modo mais interessante de entrar em contato com as raízes de seu país. Não ter achado o museu na sexta-feira foi obra do meu anjo da guarda – teria perdido a encenação e a conversa com os voluntários. Na vida da gente, isso acontece muito. Reclamamos de algo que não saiu como planejado, mas o que vem em troca é muito melhor.

Fui, então, para o Six Floor Museum, montado a partir da morte de John Kennedy justamente no andar do prédio de onde Lee Oswald teria atirado no presidente americano. Bem na entrada, há uma informação sobre esse sexto andar, dizendo apenas que foi onde encontraram um rifle. Quem escreveu isso concorda comigo – a versão oficial é uma historinha muito da mal contada.

Já no lado de fora, podemos encontrar muitos “guias”, com reprodução do jornal da tarde de 22 de novembro de 1963, edição que já saiu com a notícia. Lembrei-me de Olinda, com aqueles meninos-guias contando sobre a cidade, com um texto bem decoradinho para impressionar os turistas. Levei 40 minutos para comprar o ingresso, pois o movimento era inacreditável. O funcionário comentou que todo dia, a qualquer hora, a fila é enorme, tornando-o um dos mais visitados museus dos Estados Unidos.

Fiquei bastante impressionada com o que vi. Não percebi a “história oficial” sendo imposta naquele lugar. Há, a cada passo da exposição, diversas informações sobre o assassinato que contradizem a versão apresentada e, mais do que isso, nos murais podemos ver a maioria das dúvidas levantadas. Mostra o relatório final da Comissão Warren, em 1988, que concluiu não ter havido conspiração objetivando a morte de John Kennedy. Os inúmeros suspeitos, que iam do governo soviético à Máfia, passando por Cuba, CIA, FBI, extrema-direita americana, foram todos inocentados. Para eles, houve apenas um culpado – Lee Oswald. Logo no painel ao lado, apresentava-se a pergunta: - Por que um agente da CIA, demitido por Kennedy um pouco antes, foi justamente um dos principais encarregados da investigação?

Como era muito jovem na época, só me lembro de saber da morte no meio da tarde, enquanto ouvia a Rádio Tamoio, e de que fiquei muito chocada. Kennedy havia “chegado” ao Brasil, com toda uma aura de jovialidade, promessas de mudança, compromissos com a pátria, charme; enfim, o mais novo presidente norte-americano também encantava o mundo. Descobri, neste passeio, que sua vitória foi por apenas 0.1% dos votos, num universo de sessenta e nove milhões de eleitores. Nixon, anos depois, disse que não conseguiu vencer por faltar-lhe o charme do oponente. Mesmo despertando receio por ser considerado muito jovem para o cargo, por ser católico num país protestante, Kennedy chegou lá.

Além do público em geral, há um sem número de historiadores respeitados que continuam sustentando a tese de conspiração. Kennedy foi audacioso ao contrariar os interesses de indústrias bélicas e de militares, acenando com a proposta de encerrar a corrida armamentista. Imagina-se bem o que isso trouxe. Se mais não fosse, como democrata, ousou falar em igualdade de direitos civis e sociais para todos os americanos, independentemente de cor, religião, origem. Com isso, ao mesmo tempo que despertou ódio dos radicais e dos que viram seus interesses ameaçados, seduziu o mundo e muitos americanos. Foi por essa razão que não foi só nos Estados Unidos que o assassinato provocou comoção. O funcionário do estacionamento onde deixei meu carro contou que em seu país, a Etiópia, ainda hoje muitas escolas e hospitais são batizados com o nome dele.

Falando em estacionamento, quando voltei para o carro, tinha um documento preso no vidro da frente. Era uma espécie de relatório da Safety Patrol do Departamento de Policia de Dallas. Eles fazem a ronda na cidade, verificando se os carros estão seguindo as normas de segurança. Deixam, então, o tal relatório, assinado por quem fez a vistoria, com a informação se o veículo “passou” ou não no exame. Os itens avaliados são – chaves esquecidas na ignição, coisas deixadas no interior do carro que podem atrair a atenção dos ladrões, janelas abertas, ou qualquer coisa que possa facilitar a ação dos meliantes. O meu Toyota foi aprovado.

Para os americanos, ficou a impressão de que aquele futuro melhor prometido por Kennedy jamais seria alcançado. O sonho de uma nação mais próspera, um mundo menos agressivo e direitos iguais foi abortado naquele novembro em Dallas, uma das cidades mais conservadoras dos Estados Unidos. Concretizou-se, após mais de 400 ameaças de morte desde sua posse, o que tantos temiam.

Muitos analistas políticos dizem que seu maior crédito foi pelo que poderia ter feito, não pelo que realmente chegou a fazer. Lembrei-me de Trancredo Neves, outra promessa não cumprida por circunstâncias extraordinárias. Comparei os 26 volumes da Comissão Warren com o relatório do Coronel Job Lorena, sobre o Riocentro. Documentos inaceitáveis. A morte de Kennedy, nos livros de História, resume-se a duas linhas – foi morto por um atirador solitário que foi morto por outro atirador solitário e ponto final.

A teoria da bala única – the single-bullet theory – tem a ousadia de traçar a trajetória de uma bala originada da arma de Lee Oswald, bala essa que teria causado sete ferimentos, um em Kennedy e seis em Connally, o governador texano. Teria quebrado dois ossos e saído inteiramente limpa, sem perda de material, sinal de sangue ou qualquer coisa. O que torna as coisas ainda mais inacreditáveis - teria passado pelo pescoço do presidente, dirigindo-se para baixo, mudado de direção, subido e saído por sua garganta. Não satisfeita, “parou para pensar” por um segundo e meio e, mudando de direção novamente, foi para a direita, depois para a esquerda e, então, atingiu Connally, em seu pulso direito, quebrando-lhe o osso, fazendo uma monumental curva e alojando-se, finalmente, na coxa esquerda. Nem Walt Disney teria a coragem de colocar uma coisa dessas em seus desenhos animados, com medo de fazer um papel ridículo.

Por isso tudo, Dallas nunca foi, para mim, uma cidade simpática. Deve ter percebido isso, pois quando fui para a estrada de volta para casa, presenteou-me com o mais belo pôr-do sol de toda a minha vida, e eu já vi milhares - estou “na estrada” há muito tempo. Por sorte, pude capturá-lo com minha câmera fotográfica, sempre a postos no banco do carona.

Nada me convence que Lee Oswald era um assassino solitário e, do mesmo modo, pensam quase todos os habitantes do planeta. Um conto da Carochinha muito mal elaborado. E não tenho esperança de chegar a saber da verdade. Quem matou J.R? Não sei e não me interessa. Quem matou J.F. K? Não sei, mas queria muito ver desvendado o mistério. Dallas não me contou. Não teve coragem.

2 comentários:

  1. Amei! Teu jeito de escrever e os detalhes colhidos nessa viagem com Chico,Edu Lobo e Cesar Costa Filho me fazem pensar,ao ler,que estávamos juntas! GO!!!

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  2. Seria otimo se pudesse mesmo vir junto!
    Como seria divertido! Come!

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