terça-feira, 21 de abril de 2009

NO MEIO DO NADA

NO MEIO DO NADA
Ana Hertz
Abril de 2009.

Round Top tem, oficialmente, apenas 77 habitantes. Há cento e quarenta anos, prósperos proprietários de terra ali se estabeleceram e, desde então, vem sendo mantida a tradição de cidade pacata, muito influenciada pelos imigrantes alemães e tchecos que também decidiram viver por ali.

A primeira coisa que me atraiu para a região foram as igrejas pintadas, construídas no século XIX pelos novos moradores, num esforço para preservar o vínculo com as raízes do outro lado do oceano. As inscrições nas respectivas línguas demonstram que pretendiam vencer nesse novo mundo, mas não queriam perder a cultura da pátria-mãe. Apenas a partir de 1984, quando quinze dessas igrejas foram incluídas no Registro Nacional de Lugares Históricos, historiadores, artistas e turistas passaram a prestar atenção nas Igrejas Pintadas do Texas. E eu, só agora!

Li sobre elas num livro e fiquei encantada. Estabeleci La Grange como centro de minha expedição, por ter descoberto que é considerada a melhor pequena cidade do Texas e dali podia partir para as outras. A primeira igreja que visitei encantou-me de tal forma que as fotos foram logo incluídas no meu álbum de viagem. Construída em 1895, fica bem perto, em Praga, em honra a Nossa Senhora da Assunção.. Pelo nome da cidade, já se vê que a área foi colonizada pelos tchecos. Outra linda, vi em Schulenberg, também em honra a Nossa Senhora, onde um belíssimo Cristo se destaca no altar central, com um jogo de luz inacreditável. Mais uma foto para o álbum. Todas, em geral pequenas, aconchegantes e muito bem conservadas, são muito bonitas.

E foi através do dono do Bed & Breakfast de La Grange que ouvi sobre outras tantas maravilhas de Fayette County, condado que abriga inúmeras pequenas cidades, cada uma mais interessante do que a outra. Neale Rabensberg, um arquiteto de família tradicional de Houston, deixou a cidade grande e comprou de volta a casa que havia pertencido aos familiares, onde estabeleceu The Meerscheidt House, o mais charmoso hotelzinho dessa região que tem tanto da história do Texas para contar. Mesmo depois de seis visitas, nem da metade consegui saber.

Aprendi muito sobre mapas, numa palestra na Sociedade de Genealogia de La Grange a que Neale me levou. Nunca havia parado para pensar como são importantes, como representam coisas tão diferentes, como explicam o fascinante caminhar dos homens pelo mundo, desde o início das civilizações. Ou seja, tanta cultura nessa cidade com pouco mais de quatro mil habitantes, rodeada de campos e mais campos. Anda-se de carro por 20 minutos sem que se veja um outro carro, uma pessoa qualquer... e eles estão com tanto conhecimento e procurando descobrir ainda mais.

Uma das coisas que mais me fascinou em Round Top foi a James Dick Foundation for the Performing Arts, fundada há quase 40 anos por James Dick, pianista conhecido internacionalmente e que organiza, desde então, o Festival Internacional de Round Top. Para resumir o que representa essa instituição, que começou com alguns pianistas num espaço alugado, atualmente é um instituto de música para jovens talentosos que chegam de todo canto do mundo. No primeiro concerto que fui, conheci um violinista de Belo Horizonte estagiando por lá. Já fui a duas outras apresentações, todas da melhor qualidade. A última, semana retrasada, foi uma sessão de percussão que me deixou extasiada. Enfim, música clássica, contemporânea, todos os estilos..

O Campus do Instituto tem 210 acres, com construções históricas, muitos jardins, parques, alojamento para os estudantes e visitantes e, o que me assombrou, uma opera-house para 970 pessoas! Além de belíssima, é considerada uma das melhores dos Estados Unidos. Sou testemunha de que há público - num dos concertos não se viam lugares vazios. Isso, numa cidade de 77 habitantes. Há temporadas de verão, de outono e de primavera. Faltou o outono? A temporada de inverno começa antes para compensar. E esqueci de contar que há uma igreja linda, trazida de uma outra cidade próxima e remontada num dos jardins. Realmente, é uma coisa extraordinária.

Ainda em Round Top, além da música, há, nos meses de julho e agosto, o Campus Shakespeare. É um programa da Universidade do Texas – Shakespeare at Winedale.- com duas semanas de acampamento para adolescentes de 10 a 16 anos. Esses adolescentes estudam Shakespeare através da representação teatral, quando exploram não só os aspectos da língua, da literatura, como também o caráter dos personagens. Não são apresentados shows com essas crianças, e o que realmente importa é o processo criativo em que se envolvem.

Se não fosse o bastante, a mesma Universidade do Texas patrocina, há quase 40 anos, apresentações das peças de Shakespeare também em Winedale. Estudantes universitários de qualquer área podem explorar o grande autor através da representação. Pude ver “O Mercador de Veneza” sentadinha na última fila do teatro, que é um antigo celeiro de madeira, devidamente restaurado, com palco em dimensões bastante razoáveis, e uma platéia com cadeiras de armar, bem simples, para 250 pessoas. Os atores ficam internados por 2 meses, ensaiando 3 peças diferentes, e em julho e agosto o público vem assistir. Após o espetáculo, os atores confraternizam com os espectadores, num lindo gramado rodeado de frondosas árvores. Precisa-se de algo mais?

Se alguém pensa que acabei de contar sobre Round Top está redondamente enganado. Temos as Fall and Spring Antiques Fairs, que há 40 anos acontecem por ali, duas vezes por ano. São as mais famosas, mas existem outras tantas que acontecem durante o ano todo. Fui conferir, há quinze dias, e fiquei deveras impressionada. São quilômetros e quilômetros de barracas, tendas, lojas, oferecendo as mais variadas antiguidades. Consegui comprar exemplares da Revista Life dos anos quarenta e setenta, com edições em oito datas correspondentes ao aniversário de amigos e filhos. Achei que podem ser uma bela lembrança para cada um deles. Vão ver o que acontecia no mundo quando nasceram, na visão dos que viviam aquelas historias... Se compararmos com o que nos contam hoje, talvez tenhamos grandes surpresas.

Para resumir, fiquei presa em um enorme engarrafamento em Round Top. E não foi por ser uma cidade pequena. Explica-se - são cerca de 40 ou 50 mil pessoas visitando a feira, vindo de todos os cantos dos Estados Unidos e alguns do exterior, especialmente de Londres.

E nesse último final de semana, em La Grange estavam 13 mil ciclistas que dali partiram para Austin, pedalando por cerca de 80 milhas de distância, numa corrida que acontece há 25 anos. Em razão da tempestade que se abateu sobre a região, apenas essa segunda etapa da corrida original pode ser realizada. A primeira, de Houston até La Grange, foi suspensa. Foi muito interessante ver toda aquela gente, de todas as idades, credos e cores, partindo em busca, muitas vezes, apenas da alegria de estar ali... muitos não estavam competindo... queriam apenas participar, chegar ao final, sem se importar com o tempo que seria necessário.

Pois é. No meio do nada, encontrei música erudita, música contemporânea, Shakespeare, antiguidades, estudo de genealogia, treze mil ciclistas... Vou contrariar o Barão de Itararé. Uma dentre suas máximas ou mínimas mais famosas - De onde menos se espera, daí é que não sai nada, para mim, não pode ser tomada como regra.

No meio do nada, encontrei tanta coisa interessante. Como também os jurados do show Britain’s Got Talent e o público na platéia, que não fizeram fé em Susan Boyle, uma mulher mais velha, que não atende aos padrões de beleza estabelecidos pela atual sociedade, saída de um pequeno vilarejo da Escócia. Presenteou a todos com momentos da mais pura beleza e emoção, mostrando uma voz que poucos têm a sorte de ter.

Se vierem ao Texas, não deixem de visitar esses cantos. Vão se surpreender, pois no meio de nada, a gente pode encontrar muito. Basta saber procurar.

2 comentários:

  1. Well done. I loved reading it. And how true is, arts, things that touch our souls always unite people. Thanks for mentioning Susan Boyle who is scottish like my husband. Quem espera sempre alcanca.
    Ciao Maria Melville

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  2. E isso, Maria do Carmo, a arte, a cultura como um todo, une as pessoas. Susan Boyle tem uma voz incomparavel! Ana Hertz

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