domingo, 12 de abril de 2009

SAO DOIS PRA LA, DOIS PRA CA

SÃO DOIS PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
Ana Hertz
Abril de 2009


Saudades da Elis Regina cantando... E saudades do tempo em que minhas pernas obedeciam ao comando de meu cérebro! A primeira investida para melhorar a performance muscular, depois da perna e do joelho quebrados, foi entrar para uma academia de ginástica, com a supervisão de uma personal trainer muito boa. Depois, para juntar o útil ao agradável, matriculei-me numa escola de dança de salão.

O engraçado é que essa história de comer e coçar vai mesmo do começar. Quando descobri que as prefeituras de League City, onde moro, e a de Friendswood, bem ao lado, oferecem várias atividades para os seniors, fui eu atrás de mais atividade física. Temos, para escolher, jazzexercice, sapateado, clogging – a deliciosa dança irlandesa, e a line dance. Antes que me esqueça: para o cinema, desconto no Texas só para os de 62 para cima. Nos museus, com 65 podem pagar menos. Para minha sorte, nesses programas na prefeitura, basta chegar aos 55 para usufruir de tudo que oferecem para os mais antigos.

Toda animada, fui ver como era essa tal de line dance. Simplesmente, o que o nome já diz. As pessoas ficam alinhadas, uma ao lado da outra, formando quantas filas forem necessárias. Não se precisa de par, apenas de alegria e vontade. A professora, que beira os 70, tem uma energia de fazer inveja a qualquer jovem. Aos domingos, vai a dois eventos de dança e não pára um minuto. Fui testemunha uma vez, quando fui junto!

Nos primeiros dias, sentia-me uma completa desastrada, perto daquelas companheiras mais velhinhas do que eu (uma tem 85!) e que dançam sem perder o ritmo, o passo e, o que é o máximo, sem esquecer a coreografia! Em tempo... as mulheres se saem melhor do que os homens que também freqüentam as aulas. Com o tempo, fui aprimorando e não me saio tão mal assim. Adoro dançar o charleston. Como é divertido! E pensar que, quando lançado, o ritmo causou o maior escândalo por ser considerada uma dança por demais licenciosa!!

Fui num entusiasmo impressionante e acabei até fazendo hula-hula, a dança havaiana. Na primeira aula, enquanto rebolava como se estivesse envolta num sarong, percebi que deveria também fazer gestos com os braços e as mãos. Imitei a professora do jeito que pude, achando-me a mais ridícula das criaturas. Acabei percebendo que os gestos expressavam o que a canção dizia. No intervalo, Mary, minha amiguinha havaiana de 85 anos, explicou tudo. Como a música conta uma história, precisa ser dramatizada. Enquanto cantamos e dançamos, estamos representamos. E me vi encenando um pássaro em seu belo vôo enquanto dançávamos Yellow Bird. E não mais me achei ridícula. Entrei na cultura daquele povo tão interessante e fiquei com uma vontade enorme de visitar suas belíssimas ilhas, cada uma com a natureza mais exuberante do que a outra. Quem sabe por lá eu não aprimoro meu rebolado havaiano?

Por estar fazendo dança, acabei caindo nos braços da pintura em aquarela, outro programa para seniors da Prefeitura. E daí, para pintura em acrílico e, em um mês, acabarei metendo a mão na argila. Tudo free of charge. Quem quiser e puder, oferece um dólar por atividade, para ajudar os professores, todos voluntários, a pagar a gasolina. Quem poderia supor que eu, um dia, estaria pintando e fazendo esculturas? O produto final, podem todos acreditar, não é dos piores! Nada vai fazer parte do acervo do MOMA, ou do Louvre, mas tenho me divertido muito enquanto me lambuzo de tinta. Não estou pintando apenas o “sete”!

Constatei que os participantes não são pessoas desocupadas ou solitárias, o que poderia parecer num primeiro momento. A maioria tem atribuições, quando não profissionais, familiares. Eu já havia comentado que grande parte dos cidadãos americanos trabalha até não poder mais. Alguns outros fazem parte de grupos de terceira idade que se apresentam em retiros de idosos (dos mais idosos ainda!) e em hospitais, levando alegria, música, dança e carinho para quem precisa. Três amigas, inclusive a Mary, de 85 anos, participam do Stars and Stripes, um conjunto de 300 idosos que tocam cavaquinho! Divertem-se nos ensaios, uma vez por semana, e nas apresentações, duas vezes por mês, quando comparecem todos com o traje da banda, fornecido pela Igreja Presbiteriana que patrocina o grupo. Esclareço de uma vez – não precisam freqüentar a igreja ou seguir a doutrina para fazer parte do grupo. Qualquer interessado pode participar. Nisso, ainda não me arrisquei.

E sobre os “solitários”... um grande número deles é casado ou tem namorado, ou namorada. E alguns vão juntos! Vejo vários casais, tanto no programa de seniors, quanto nas aulas de dança de salão. Portanto, não podemos generalizar que sejam solitários ou desocupados.

Acabei sabendo que existe um programa de “avós adotivos”. Quem tiver mais de 55 anos pode se candidatar, tanto para voluntário, como para um contrato, com remuneração pelas horas trabalhadas. Atuam como professores particulares, mentores e, muitas vezes, fazem apenas companhia, oferecendo apoio moral e afetivo a crianças e jovens com necessidades especiais. E o Seniors Corps também tem um programa em que idosos ajudam outros idosos que precisam de companhia para desempenhar algumas tarefas domésticas ou sociais, como fazer compras, ir ao médico, visitar um amigo. No Brasil, as famílias, em geral, atendem a essas necessidades, enquanto por aqui isso é, algumas vezes, um pouco mais complicado.

Voltando ao assunto principal, a dança. A poucos domingos atrás, fui a uma igreja metodista, onde o grupo de line-dance ia se apresentar. Fui meio desconfiada, ao saber que a tal igreja se chama Cowboy Church. Parece inacreditável, mas até o pastor se veste de cowboy. Pelo que entendi, descobriram que estava meio difícil fazer a tropa freqüentar a igreja. Qual a melhor idéia? Venceu essa - contratam uma banda, quase sempre de música country, providenciam comes e bebes (refrigerantes, café e água) e, no meio do show, o pastor faz um mini-sermão de 5 minutos e temos resolvida a questão. A igreja tem o culto tradicional, por certo, mas também lança mão desse recurso para que os fiéis menos fiéis compareçam. E todo mundo sai dançando, na maior animação. E verdade seja dita – não dançar faz mal a saúde!

E lá vou eu e meus amiguinhos da terceira juventude nos divertindo muito com o “dois pra lá, dois pra cá” que tanto a Ellis recomendou. Ninguém se incomoda, ou se envergonha, de dançar meio torto, caso tenha um braço e uma perna um pouco prejudicados por um AVC ou apenas porque a idade chegou mesmo! Faz o que pode, sorri e vai dançando conforme sua própria música...e quem sabe um novo dois para lá e somente um para cá também dá certo? Não custa tentar.

3 comentários:

  1. "Um dos sintomas do amadurecimento é o resgate da jovialidade,só que não a jovialidade do corpo,que isso só se consegue até certo ponto,mas a jovialidade do espírito,tão mais prioritária.E a leveza de espírito requer justamente a liberação das correntes,a aventura do não-domínio.É preciso perceber a hora de tirar o pé do acelerador,afinal,quem quer cruzar a linha de chegada? Mil vezes curtir a travessia...e você teve a sorte de ter nascido com esse refinado instinto de sobrevivência".Portanto GO!!!

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  2. como voce disse no email... GO, mesmo com um torturante band aid no calcanhar!
    E vamos logo que a orquestra sempre nos presenteia com uma bela cancao...

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  3. Ana Hertz, dança que dança, pinta que pinta, na flor da terceira idade (haja vista a colega de 85) ;-) Parabéns pelo empenho em descobrir as muitas boas facetas que a vida nos oferta, quer na dança, pintura ou letras. Gostei da crônica!

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