ESTE SEU OLHAR
Outubro de 2013
Ela olhava, e nenhum de nós tinha
dúvidas do que ela queria. As mães são
assim... olham e, sem palavras, dizem tudo.
Alguém afirmou que existem
imagens que valem por mil palavras. Eu
acho que há olhares que valem por duas mil.
Se pensarmos no olhar, logo nos
lembramos de que existe de tudo que é jeito...
conhecem o olhar striptease, aquele
que faz você pensar que esqueceu a roupa em casa? Pois é...
O olho grande, olho gordo, também conhecido como
olhar de seca-pimenteira, temido por meio mundo, tem proteção, segundo o samba
de Arlindo Cruz: “Olhar de seca-pimenteira/Não vai me secar/Bate três vezes na
madeira/ Pra isolar/Um bom galho de arruda/Sempre ajuda a clarear”. Tem
muito “psi” que considera isso mera desculpa para os fracassos, na certeza de
que é sempre um alívio atribuir o próprio
insucesso às energias negativas geradas pelos outros. De qualquer forma, não custa nada ter sempre
um patuá por perto, e colocar um potinho com sal grosso atrás da porta...
Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Janela indiscreta, de Hitchcock, o
clássico olhar mais que curioso de James Stewart, continua na memória dos mais
antigos, mesmo que ficar de binóculos olhando a vizinhança seja um tremendo mau
exemplo. Se a moda pega, pode até agradar certas pessoas ... aquela moça
bonita que gosta de se exibir na janela vai caprichar nas caras, bocas e
poses. Por outro lado, a velhinha pode
desfilar à vontade de roupa de baixo que ninguém vai perder tempo com ela. A gente espertamente escolhe o alvo.
Olhar scanner... esse é novo. Dizem que é aquele olhar das mulheres olhando
para outras mulheres, examinando a griffe do sapato, da bolsa, dos brincos, do
acompanhante... enfim tem gosto para tudo.
Pensei no olhar endoscopia, em que a pessoa
só tem olhos pra dentro, para o próprio umbigo.
Olhar 007 é aquele que mostra que todo mundo é suspeito. Mas se esse olhar é do Sean Connery,
provavelmente tem umas outras tantas significações. Sei que milhões de mulheres adorariam um
olhar desse quilate.
Tenho aflição com o olhar-telinha. Só enxerga o Ipad, o Iphone, o Galaxy... na
mesa do jantar, tem muita gente que não vê o outro... Acho que não somos mais olhados,
somos apena “lidos”.
O olhar ultrapassa os limites físicos
do sentido da visão. E Eduardo Galeano, mestre
das palavras, tem um belíssimo conto que fala do momento em que um menino vê o
mar pela primeira vez. Mudo diante da
beleza e da imensidão que se estendem à frente, apenas consegue pedir ao pai: -
Me ajuda a olhar!“. Verdade, olhar a
vida com as pessoas que a gente ama faz toda a diferença...
Alguém me disse que o bom humor espalha mais felicidade que
todas as riquezas do mundo, e que isso vem do hábito de olhar para as coisas
com esperança, na certeza de que virá sempre o melhor, não o pior.
Otto Lara Rezende, entretanto, fez a ressalva
de que o hábito suja o olhar. “De tanto ver, a gente banaliza o olhar”. Tem vezes que a gente realmente corre o
risco de perder a capacidade de ver a beleza das coisas, dos lugares, das pessoas,
da alma dessas pessoas que estão em nossa vida.
E Carlos Drummond de Andrade, nosso sábio poeta, foi bem claro quando
enviou aos amigos votos de um Feliz Olhar Novo!
É isso! A receita perfeita não
apenas para o ano novo, mas para o ano todo.
Como em outras ocasiões já ousei
discordar de grandes pensadores, não vou perder a oportunidade para dizer que
nem sempre Otto tinha razão. Mesmo com a
polícia ultrapassando limites, governantes metendo os pés pelas mãos, corrupção
em todo canto, meu olhar não se banalizou. Fico profundamente indignada com
isso tudo, já que o monstro da indiferença não me pegou!
Nesses tempos de desânimo cívico, vamos
acalmar a alma lembrando daquele olhar que Vinicius de Moraes tão poeticamente
imortalizou em versos - “Quando a luz dos olhos meus/ E a luz dos olhos teus
resolvem se encontrar/Ai que bom, que é isso, meu Deus?/ Que frio que me dá o
encontro desse olhar!”
E Tom Jobim,
que sabia como poucos o que a alma da gente quer dizer e ouvir, cantou
aos quatro ventos que “Este seu olhar, quando encontra o meu, fala de umas
coisas que eu não posso acreditar”. O melhor de tudo é que eu ainda acredito!