quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ESTE SEU OLHAR
Outubro de 2013
         Ela olhava, e nenhum de nós tinha dúvidas do que ela queria.   As mães são assim... olham e, sem palavras, dizem tudo.   Alguém afirmou que existem imagens que valem por mil palavras.  Eu acho que há olhares que valem por duas mil.
         Se pensarmos no olhar, logo nos lembramos de que existe de tudo que é jeito...  conhecem o olhar striptease,  aquele que faz você pensar que esqueceu a roupa em casa?  Pois é...
O olho grande, olho gordo, também conhecido como olhar de seca-pimenteira, temido por meio mundo, tem proteção, segundo o samba de Arlindo Cruz: “Olhar de seca-pimenteira/Não vai me secar/Bate três vezes na madeira/ Pra isolar/Um bom galho de arruda/Sempre ajuda a clarear”.   Tem muito “psi” que considera isso mera desculpa para os fracassos, na certeza de que é sempre  um alívio atribuir o próprio insucesso às energias negativas geradas pelos outros.  De qualquer forma, não custa nada ter sempre um patuá por perto, e colocar um potinho com sal grosso atrás da porta... Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
         Janela indiscreta, de Hitchcock, o clássico olhar mais que curioso de James Stewart, continua na memória dos mais antigos, mesmo que ficar de binóculos olhando a vizinhança seja um tremendo mau exemplo.  Se a moda pega, pode  até agradar certas pessoas ... aquela moça bonita que gosta de se exibir na janela vai caprichar nas caras, bocas e poses.  Por outro lado, a velhinha pode desfilar à vontade de roupa de baixo que ninguém vai perder tempo com ela.   A gente espertamente escolhe o alvo.
         Olhar scanner... esse é novo.  Dizem que é aquele olhar das mulheres olhando para outras mulheres, examinando a griffe do sapato, da bolsa, dos brincos, do acompanhante... enfim tem gosto para tudo.
         Pensei no olhar endoscopia, em que a pessoa só tem olhos pra dentro, para o próprio umbigo.  Olhar 007 é aquele que mostra que todo mundo é suspeito.  Mas se esse olhar é do Sean Connery, provavelmente tem umas outras tantas significações.  Sei que milhões de mulheres adorariam um olhar desse quilate.
         Tenho aflição com o olhar-telinha.  Só enxerga o Ipad, o Iphone, o Galaxy... na mesa do jantar, tem muita gente que não vê o outro... Acho que não somos mais olhados, somos apena “lidos”.
         O olhar ultrapassa os limites físicos do sentido da visão.  E Eduardo Galeano, mestre das palavras, tem um belíssimo conto que fala do momento em que um menino vê o mar pela primeira vez.  Mudo diante da beleza e da imensidão que se estendem à frente, apenas consegue pedir ao pai: - Me ajuda a olhar!“.  Verdade, olhar a vida com as pessoas que a gente ama faz toda a diferença...
         Alguém me disse  que o bom humor espalha mais felicidade que todas as riquezas do mundo, e que isso vem do hábito de olhar para as coisas com esperança, na certeza de que virá sempre o melhor, não o pior.
       Otto Lara Rezende, entretanto, fez a ressalva de que o hábito suja o olhar. “De tanto ver, a gente banaliza o olhar”.   Tem vezes que a gente realmente corre o risco de perder a capacidade de ver a beleza das coisas, dos lugares, das pessoas, da alma dessas pessoas que estão em nossa vida.  E Carlos Drummond de Andrade, nosso sábio poeta, foi bem claro quando enviou aos amigos votos de um Feliz Olhar Novo!  É isso!  A receita perfeita não apenas para o ano novo, mas para o ano todo. 
         Como em outras ocasiões já ousei discordar de grandes pensadores, não vou perder a oportunidade para dizer que nem sempre Otto tinha razão.  Mesmo com a polícia ultrapassando limites, governantes metendo os pés pelas mãos, corrupção em todo canto, meu olhar não se banalizou. Fico profundamente indignada com isso tudo, já que o monstro da indiferença não me pegou!
         Nesses tempos de desânimo cívico, vamos acalmar a alma lembrando daquele olhar que Vinicius de Moraes tão poeticamente imortalizou em versos - “Quando a luz dos olhos meus/ E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar/Ai que bom, que é isso, meu Deus?/ Que frio que me dá o encontro desse olhar!” 

E Tom Jobim,  que sabia como poucos o que a alma da gente quer dizer e ouvir, cantou aos quatro ventos que “Este seu olhar, quando encontra o meu, fala de umas coisas que eu não posso acreditar”.   O melhor de tudo é que eu ainda acredito!