quarta-feira, 18 de março de 2009

I LEFT MY HEART IN SAN FRANCISCO

I LEFT MY HEART IN SAN FRANCISCO
Ana Hertz
Março de 2009.

E lá fui eu, depois de quase vinte anos, rever San Francisco. Não mudou muito... nem poderia, pois não tem mais espaço para grandes mudanças. O que importa é que continua um charme. Suas ladeiras, o Fisherman’s Wharf, o Cable Car inaugurado em 1873, a Lombard Street cheia de curvas, as Vitorian Houses incrivelmente maravilhosas... enfim, uma cidade encantadora.

Lembro-me da primeira vez que estive na California, em 1989, incumbida de estabelecer contato com os responsáveis pelas emergências e desastres das cidades em torno da Baía de San Francisco, todos grandes especialistas em calamidades já que vivem a crônica de um terremoto anunciado, o Big One. A falha de San Andreas passa bem perto de Los Angeles e San Francisco e, mesmo não tendo dado trabalho demais nos últimos cem anos, os pesquisadores afirmam que, em razão do deslocamento da placa do Pacífico e da placa norte-americana, parte da Califórnia e do Alaska serão atingidos por um terremoto de dimensões incalculáveis nos próximos 30 anos.

Poucos meses depois que voltei para o Brasil, ocorreu o Loma Prieta. Embora não tenha sido dos piores terremotos de acordo com a escala Richter, ainda assim matou 63 pessoas, feriu mais de 3 mil e destruiu uma grande área da cidade. Em termos econômicos, foi o mais caro desastre natural dos Estados Unidos. Um ano depois, quando organizaram um seminário para avaliar as ações empreendidas, fui convidada para participar. Aproveitei para perguntar ao Chefe do Corpo de Bombeiros como conseguia dormir, depois de passar o dia inteiro treinando pessoal, fazendo pesquisa, enfim, só pensando em terremotos. Respondeu que ia para casa, ficava com a família, e em nenhum momento seu pensamento se voltava para o assunto. Sem dúvida, nós, humanos, temos nossos mecanismos de defesa sempre a postos... enlouqueceríamos, se não fosse assim. Eu, entretanto, enquanto estava lá, morri de medo. Um exagero, eu sei, mas me arrepiava toda vez que pensava na possibilidade. Nem tive coragem de pegar o metrô.

Mudo de assunto, já que essa história de desastres naturais não agrada muito. A cidade estava enfeitada, em diversos pontos, com belíssimos corações. Artistas foram convidados a pintá-los e, depois de algum tempo, foram todos leiloados. Conseguiram cerca de dois milhões de dólares, e o dinheiro arrecadado foi integralmente revertido para o Hospital Geral da cidade. É uma versão da “Cow in Parade”, que também enfeitou o Rio de Janeiro tempos atrás, só que adaptada para San Francisco, cidade conhecida por sua hospitalidade e tolerância, sempre de coração aberto. Vi alguns dos 130 expostos, e, por sorte, um deles foi justamente o pintado pelo Tony Bennett. Tirei fotos, é claro, e achei o maior charme. Mais bonito do que as vaquinhas que andaram pelo mundo afora.

Mesmo morando em apartamento decorado mais para o moderno, sou apaixonada pelas Victorian Houses. Nos Estados Unidos, foram construídas principalmente na segunda metade do século XIX e no começo do XX, e continuam sendo um símbolo da prosperidade de seus proprietários. São inacreditavelmente caras, e San Francisco, na verdade, tornou-se uma cidade de imóveis alugados. Quem não teve pais ou avós que puderam comprar imóveis nas priscas eras, nem sonham, hoje em dia, com a “casa própria”. Simplesmente, está fora do alcance da maioria dos mortais. Quando essas construções antigas precisam de reforma, o preço é mais alto do que se fossem construídas novamente.

Uma curiosidade. A casa mais valiosa de San Francisco, atualmente, é a mansão da escritora Danielle Steel, bem no alto de uma colina, de onde se pode ver a baía por inteiro. Ela escreveu mais de setenta livros, publicados em quase trinta línguas diferentes, teve uns tantos transportados para o telão, outros viraram seriados na televisão; enfim, um sucesso. Passa metade do tempo nos Estados Unidos e o resto em Paris. Cheguei a ficar com inveja da vista que tem lá do alto, mas refleti um pouco e... tem o terremoto. Resolvido o problema - não quero mais.

Uma coisa interesssante é que San Francisco foi a primeira cidade americana a proibir sacos plásticos para compras. Isso é um avanço, quando se pensa no planeta e todo esse lixo que não se decompõe antes que se passem séculos. Cada pessoa nos Estados Unidos produz cerca de 2 kilos de lixo por dia, enquanto no Brasil é só um. O que ainda é muito, pensando bem.

Falando em ecologia, descobri que o Brasil vem liderando há sete anos, no mundo, a reciclagem de latas de alumínio para bebidas, com um percentual de 96,5% do total . Isso representa mais de um milhão de latinhas sendo recicladas por hora! Nessas bandas do Norte, o índice de reciclagem fechou 2007 em apenas 53,8%. A questão social, no Brasil, impulsiona a coleta, o que não acontece por aqui. Mas juro que vi uma senhora, de origem oriental, mexendo nas latas de lixo em San Francisco, procurando por elas; antes de guardar as que conseguiu encontrar, amassou-as com os pés para diminuir o volume.

Por outro lado, enquanto no Rio de Janeiro o papel e papelão correspondiam a 24% do peso do lixo urbano há alguns anos, nos Estados Unidos, na mesma época, o papel constituía 3,3% do lixo. Essa conscientização de que devemos preservar o meio ambiente vem crescendo, felizmente, ainda que a Administração Bush não tenha assinado o Tratado de Kioto. Os administradores municipais estão trabalhando nesse sentido e todos torcemos para que melhore a cada dia.

Não podemos falar em San Francisco sem mencionar Alcatraz, cujo nome dizem vir de “Alcatraces”, que significa pelicano pardo. “The Rock” foi usada pelo exército americano como prisão militar até 1933, quando passou a ser penitenciária de segurança máxima.

Pelo que descobri, nunca foi a versão americana da Ilha do Diabo, famosa e infamante colonia penal francesa da Guiana, imortalizada no filme Papillon, com Steve McQueen. Alcatraz oferecia, na verdade, melhores condições a seus prisioneiros do que as outras penitenciárias do país. Teve muitos “hóspedes” famosos, incluindo Al Capone. Dos 36 prisioneiros que tentaram fugir, a maioria foi recapturada, sendo que 6 foram mortos durante a fuga e 2 se afogaram. Os cinco dos quais o sistema judiciário não teve mais notícias foram considerados desaparecidos e presumidamente mortos. Será? Clint Eastwood deve saber a verdade.

Essa penitenciária exerceu um tremendo fascínio sobre Hollywood. E de todos os filmes que fizeram sobre o assunto, três ficaram para a história do cinema. Primeiro, foi “O Homem de Alcatraz”, com Burt Lancaster e que levou 4 Oscars. Depois, tivemos Clint Eastwood no papel principal de “Fuga de Alcatraz”, que eu adorei, mas que deu um senhor trabalho aos produtores, pois, em 1979, o local já estava desativado. Para restaurar a eletricidade, foram instalados quase 30 kilômetros de cabos partindo do continente. E o último, “ The Rock”, com Sean Connery, Ed Harris e Nicholas Cage, também foi muito bom.

Já que mencionei o Clint Eastwood, tenho que falar em Carmel-by-the-sea, uma pequena cidade perto de San Francisco, conhecida por sua riquíssima tradição artística. Ele foi seu prefeito por 3 anos, tempo que dura a administração municipal por aqui. Adorei tudo. Um detalhe engraçado... as casas não têm número. Quem quiser suas cartas que vá até o posto do Correio apanhar. São, ao todo, menos de 4.500 habitantes. Se estiver em San Francisco, dê uma passadinha em Carmel, visitando, antes, Monterey, outro lugar do maior charme. Vai gastar apenas um dia e ver muita coisa bonita.

San Francisco, como toda e qualquer cidade, tem seus problemas. Oficialmente apresentou, ano passado, quase 6.300 pessoas vivendo nas ruas, em abrigos ou outras instituições para situações emergenciais. Eu vi muitos. Saí cedo, no sábado, para aproveitar o dia e confesso que fiquei com medo. Onde estava hospedada, havia muitos hotéis, o que atrai aqueles que vêm pedir ajuda aos “estrangeiros”. Parecia o centro do Rio de Janeiro, de manhã bem cedo.

Além dos pedintes, vi muitos veteranos de guerra, em péssimas condições, assunto sobre o qual ainda quero escrever, mais alguns aidéticos, que contam com a misericórdia dos passantes, uns tantos doentes mentais... Isso também acontece por aqui. Nem tudo são flores, embora elas estejam, nesse começo de primavera, escandalosamente bonitas, deixando tudo muito mais colorido.

Pois é, I left my heart in San Francisco... Mas também em Nova York, Paris, Roma, Praga, São Paulo, Quebec, Santiago de Chile, Lagoa Rodrigo de Freitas... Deixamos um pedaço do coração onde fomos felizes, onde a natureza ou a arte do homem nos seduziu, ou a paixão foi muito forte. Entregamos, aos que partem para sempre, outro importante pedaço. Mas ,no final, sempre sobra o suficiente para um novo grande amor, ou quem sabe, inúmeros pequenos amores. O que conta é que, mesmo deixando tanto para trás, ainda somos capazes de abrigar sensações bastante intensas.

O coração será sempre do tamanho da nossa sensibilidade e da capacidade de nos encantarmos, a cada dia, com aquilo que a vida nos oferece. Assim, não se lamente jamais pelos pedacinhos que deixou pelo caminho. Tenho certeza de que tudo valeu a pena.

quarta-feira, 11 de março de 2009

NEM OITO, NEM OITENTA

Ana Hertz
Março de 2009

Quem já não se viu numa tremenda saia justa, quando alguém se desmancha em elogios a uma determinada pessoa sobre a qual nosso juízo não é lá dos melhores e e insiste em saber sua opinião? E quem ainda não ouviu a pergunta – Como é que a fulaninha ainda não largou aquele marido insuportável? Provavelmente, quem tem essa dúvida também é alvo de comentários parecidos. Quem ama o feio, bonito lhe parece, diz o velho e perfeito ditado. Os americanos e ingleses, usando outras palavras, concordam com a idéia - The beauty is in the eye of the beholder.

Aqui nos Estados Unidos, em fevereiro, comemora-se o President’s Day. A tradição começou com George Washington, o primeiro a governar a nação e que aniversariava nesse mês. Com o tempo, o feriado democratizou-se e são festejados todos os que já passaram pela Casa Branca.

Agora nesse fevereiro de 2009, como fez 200 anos do nascimento de Abraham Lincoln, toda a mídia se mobilizou para falar nele. Aproveitei para dar uma olhada e descobrir mais um pouco sobre o homem que enfrentou uma terrível guerra civil e que foi o primeiro de uma série de presidentes americanos assassinados. Acabei vendo que faz parte daquele grupo que as pessoas amam ou odeiam. Não há meio do caminho. Foi considerado, por muitos, uma das maiores heranças políticas americanas de todos os tempos, um verdadeiro gênio, e até hoje lhe são rendidas homenagens de variados tamanhos. Obama, dias antes de assumir a presidência, fez uma visita ao belíssimo memorial Lincoln, ali mesmo em Washington, dizendo que ia pedir a benção ao ilustre ex-presidente.

Em contrapartida, por outra grande parte da população, foi chamado de incompetente, desonesto, e de caipira quase retardado, em termos de inteligência. Na época da guerra da secessão, qualquer coisa que dissesse era interpretada, pelos jornalistas do Norte, como se tivesse oferecido um ramo de oliveira, símbolo da misericórdia divina, enquanto os periódicos do Sul diziam, sobre as mesmas palavras, que Lincoln havia apontado o braço com uma espada! Fiquei impressionada, pois não imaginava que houvesse essa discórdia sobre o famoso dirigente. Provavelmente, não era nem uma coisa, nem outra.

Sempre a mesma coisa. Cada cabeça, uma sentença. Não são apenas nossos olhos amorosos, benevolentes, ou, por outro lado, impiedosos ao extremo. Julgamos, também, segundo o momento pessoal, conforme andam nossas necessidades emocionais, nossos desejos não atendidos. No amor, por exemplo, grandes paixões, cujos objetos são os seres mais perfeitos do universo, não passam de resposta a uma carência afetiva, falta de companhia... O pior é que gente nem sempre percebe.

Quando estive agora na Califórnia, aproveitei para ver, em San Francisco, o badalado musical Wicked, que recebeu 4 Tonys! Adorei, vale realmente a pena ver. Trata-se da história “não contada” da famosa e odiada Bruxa do Oeste, no Mundo de Oz, com a eterna discussão sobre o Bem e o Mal.

Uma das músicas mais animadas é a do Mágico de Oz, nosso velho conhecido. Ele vem conversar com Elphaba, que vai se tornar a “malvada” Bruxa do Oeste e, com a maior tranqüilidade, explica porque é o “dono” do lugar. Diz que nem planejou estar ali, pois sempre teve consciência de sua mediocridade. O que aconteceu é que ele, agora respeitado e adorado, simplesmente apareceu na hora em que o povo de Oz precisava de alguém em quem acreditar. E que, como os cidadãos começaram a chamá-lo de Mr. Wonderful, ele passou a ser realmente uma” maravilha”.

É claro que a jovem se revolta com isso. Como pode ele mentir para as pessoas, fazendo-se passar por alguma coisa que não é? Mentiras? Para ele, isso não significa nada demais. Explica, então, que veio de um lugar onde a maioria das coisas contadas não representam a verdade, mas mesmo assim quase todo mundo acredita nelas. E que essas “realidades” formam o que se chama de História! A platéia veio abaixo nessa hora... Uma crítica bastante inteligente, apresentada de forma muito divertida.

E sobre o que se diz das pessoas, continua o Mágico de Oz, lembra que, para uns tantos, o sanguinário invasor é, apenas, um bravo cruzado, defensor dos fracos e oprimidos; o rico filantropo, para aqueles que o odeiam, nada mais é do que um ladrão inescrupuloso; e como melhor exemplo, fala no valente libertador que, para a oposição, é um execrável traidor! Enfim, afirma que tudo se resume ao que o rótulo é capaz de convencer!

E é isso mesmo... Tirando uns poucos, está todo mundo ali no meio, nem oito, nem oitenta. Se ouvir falar bem demais de um presidente, dê um desconto... Talvez a empresa de propaganda tenha sido a melhor do mundo. Se ouvir falar mal até não poder mais... pode ser que tenham sido os inimigos que espalharam a versão, e o publicitário contratado não deu conta.

Levando em consideração as palavras do Mágico de Oz, vou sair e procurar logo um bom marqueteiro para falar bem do meu Blog, preparando um bom rótulo para ele. Talvez, assim, eu consiga o Nobel de Literatura... ou, pelo menos, o Prêmio Jabuti.

Para ser bem sincera, sei que nem o Washington Olivetto vai dar conta dessa tarefa. Mesmo sendo ele, no mundo da publicidade, OITENTA, o problema é que eu, na Literatura, sou OITO.