segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

E NOS APAIXONAMOS TAMBÉM PELO OTÁRIO
Dezembro de 2013
             Grandes surpresas tive esse ano, com assuntos ligados à Argentina.  Em primeiro lugar, foi a paixão que o papa Francisco, portenho, despertou em milhões de brasileiros.  E acabei de descobrir que nossa balança comercial sofreria grandes alterações se precisássemos pagar pelas palavras que “importamos” dos hermanos.
             É claro que pegamos emprestadas palavras de outros tantos idiomas, pois esse fenômeno é natural...dos escravos africanos ficaram, por exemplo, bagunça, babaca, birita, cafuné, maracutaia, urucubaca. 
       Fui atrás de outras heranças e vi que, dos índios, fora a quantidade de palavras que usamos todo dia, como pipoca, pereba e biboca, temos bairros, cidades e dois estados, Sergipe e Paraíba, com nomes absorvidos.  Ipanema, por exemplo, quer dizer rio sem vida, sem sorte.  Já Pavuna, quer dizer lagoa escura.  O que me assusta é saber que os homens do século XX construíram uma usina nuclear em um lugar chamado Itaorna, que quer dizer pedra podre.  Os guaranis, que habitaram a região, tinham mais conhecimento de assuntos sísmicos do que nós.  Descobri isso em um congresso do qual participei na Califórnia, sobre emergências e desastres, e fiquei chocada.  Mais uma assunto que vem para nos deixar envergonhados.
             Do hebraico, temos, por exemplo, aleluia, sábado, amém, fariseu, jubileu e maná.  Quando começa com “al”, dizemos logo que tem origem árabe.  Além dessas, encontramos café, laranja, limão, tambor, safra, garrafa. Do francês, logo me lembro do abajur, do omelete e do menu. Do italiano, vou excluir a pizza, pois tem gente que diz que essa veio do alemão, mas posso incluir cantina, sonata, dueto e carnaval.  Não discuto sobre a origem da palavra, mas que a pizza italiana é maravilhosa, não tenho dúvidas.
             Do inglês, vieram para ficar o coquetel, o lanche, o pulôver, se não quisermos pensar no escanear, deletar, estartar... mas a melhor nem precisa ser traduzida – de hot dog todo mundo entende.  Quanto ao Japão, digo o contrário, pois fomos nós que legamos a eles muitas palavras.  Tempura, que tem a cara de nome japonês, tem origem portuguesa!
             Voltando aos vocábulos que vieram da Argentina, confesso que a maioria, para mim, tinha mesmo é nascido aqui na minha terra, que tem palmeira e onde canta o sabiá.  Li sobre o assunto em uma Veja, na coluna do J.R. Guzzo. O que mais causa espécie é que as palavras das quais nos apropriamos não estão nos livros de Ernesto Sabato, Julio Cortázar ou de Jorge Luiz Borges... vieram da rua, dos vigaristas, proxenetas, criminosos em geral, passaram para as letras do tango e ultrapassaram nossas fronteiras. 
             A lista é enorme, e a gente fica sem saber os motivos que nos levaram a incorporar, com tamanha facilidade e intensidade, aquilo que não criamos e que não tem raízes nessas bandas.  Barra pesada, fajuto, bacana, patota, pirado, bronca, afanar, engrupir, embromar... e vai por aí.  A que melhor se adaptou ao novo clima foi OTÁRIO. O articulista que me inspirou pergunta se a alma brasileira apresenta uma tendência forte para essa linguagem da marginalidade. 
             Guzzo acha que o carioca, por exemplo, ouve como elogio alguém considerá-lo malandro.  O brasileiro, como média, não quer ser otário, e mesmo sendo trapaceado por muitos governantes, por alguns patrões, ainda se considera o esperto. Acredita ele que, dessa massa de crédulos, ingênuos, que se acham os mais malandros do planeta, aproveitam-se os vigaristas e os políticos de péssimo caráter, sempre grande marqueteiros. 
             Fico na dúvida se é por ingenuidade e credulidade que o povo se deixa ludibriar por essa gente.  Quem sabe é a lei de Gerson que faz com que muitos aceitem qualquer oferta e comprem a ilusão daqueles que se acham mais malandros?  Esse pode ser o X da questão pois, querendo levar vantagem em tudo, são trapaceados pelos espertalhões e acabam sendo os verdadeiros otários da história.
             Na verdade, OTÁRIO mesmo é quem não sabe olhar um céu bonito e se emocionar, quem ouviu uma linda canção de amor e não se derreteu, ou não segurou, com firmeza, a mão da pessoa amada quando ela apareceu na sua frente. 

             É por isso que, nesse início de ano, devemos escolher um belo final de tarde para, na praia de Ipanema, seja carnaval ou não, fazer um cafuné no nosso amor, tomando uma birita, que pode ser uma caipirinha de limão, ou uma outra qualquer que esteja no menu, sem esquecer de deletar o que não interessa nesse momento tão especial... na verdade, um programinha super bacana.  E acreditando na teoria que diz que a palavra é a transliteração do ulular como exultação da alegria própria do povo de Israel, vamos gritar, em agradecimento a toda essa herança: Aleluia! Aleluia! Que 2014 nos traga muitas alegrias!

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

ESTE SEU OLHAR
Outubro de 2013
         Ela olhava, e nenhum de nós tinha dúvidas do que ela queria.   As mães são assim... olham e, sem palavras, dizem tudo.   Alguém afirmou que existem imagens que valem por mil palavras.  Eu acho que há olhares que valem por duas mil.
         Se pensarmos no olhar, logo nos lembramos de que existe de tudo que é jeito...  conhecem o olhar striptease,  aquele que faz você pensar que esqueceu a roupa em casa?  Pois é...
O olho grande, olho gordo, também conhecido como olhar de seca-pimenteira, temido por meio mundo, tem proteção, segundo o samba de Arlindo Cruz: “Olhar de seca-pimenteira/Não vai me secar/Bate três vezes na madeira/ Pra isolar/Um bom galho de arruda/Sempre ajuda a clarear”.   Tem muito “psi” que considera isso mera desculpa para os fracassos, na certeza de que é sempre  um alívio atribuir o próprio insucesso às energias negativas geradas pelos outros.  De qualquer forma, não custa nada ter sempre um patuá por perto, e colocar um potinho com sal grosso atrás da porta... Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
         Janela indiscreta, de Hitchcock, o clássico olhar mais que curioso de James Stewart, continua na memória dos mais antigos, mesmo que ficar de binóculos olhando a vizinhança seja um tremendo mau exemplo.  Se a moda pega, pode  até agradar certas pessoas ... aquela moça bonita que gosta de se exibir na janela vai caprichar nas caras, bocas e poses.  Por outro lado, a velhinha pode desfilar à vontade de roupa de baixo que ninguém vai perder tempo com ela.   A gente espertamente escolhe o alvo.
         Olhar scanner... esse é novo.  Dizem que é aquele olhar das mulheres olhando para outras mulheres, examinando a griffe do sapato, da bolsa, dos brincos, do acompanhante... enfim tem gosto para tudo.
         Pensei no olhar endoscopia, em que a pessoa só tem olhos pra dentro, para o próprio umbigo.  Olhar 007 é aquele que mostra que todo mundo é suspeito.  Mas se esse olhar é do Sean Connery, provavelmente tem umas outras tantas significações.  Sei que milhões de mulheres adorariam um olhar desse quilate.
         Tenho aflição com o olhar-telinha.  Só enxerga o Ipad, o Iphone, o Galaxy... na mesa do jantar, tem muita gente que não vê o outro... Acho que não somos mais olhados, somos apena “lidos”.
         O olhar ultrapassa os limites físicos do sentido da visão.  E Eduardo Galeano, mestre das palavras, tem um belíssimo conto que fala do momento em que um menino vê o mar pela primeira vez.  Mudo diante da beleza e da imensidão que se estendem à frente, apenas consegue pedir ao pai: - Me ajuda a olhar!“.  Verdade, olhar a vida com as pessoas que a gente ama faz toda a diferença...
         Alguém me disse  que o bom humor espalha mais felicidade que todas as riquezas do mundo, e que isso vem do hábito de olhar para as coisas com esperança, na certeza de que virá sempre o melhor, não o pior.
       Otto Lara Rezende, entretanto, fez a ressalva de que o hábito suja o olhar. “De tanto ver, a gente banaliza o olhar”.   Tem vezes que a gente realmente corre o risco de perder a capacidade de ver a beleza das coisas, dos lugares, das pessoas, da alma dessas pessoas que estão em nossa vida.  E Carlos Drummond de Andrade, nosso sábio poeta, foi bem claro quando enviou aos amigos votos de um Feliz Olhar Novo!  É isso!  A receita perfeita não apenas para o ano novo, mas para o ano todo. 
         Como em outras ocasiões já ousei discordar de grandes pensadores, não vou perder a oportunidade para dizer que nem sempre Otto tinha razão.  Mesmo com a polícia ultrapassando limites, governantes metendo os pés pelas mãos, corrupção em todo canto, meu olhar não se banalizou. Fico profundamente indignada com isso tudo, já que o monstro da indiferença não me pegou!
         Nesses tempos de desânimo cívico, vamos acalmar a alma lembrando daquele olhar que Vinicius de Moraes tão poeticamente imortalizou em versos - “Quando a luz dos olhos meus/ E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar/Ai que bom, que é isso, meu Deus?/ Que frio que me dá o encontro desse olhar!” 

E Tom Jobim,  que sabia como poucos o que a alma da gente quer dizer e ouvir, cantou aos quatro ventos que “Este seu olhar, quando encontra o meu, fala de umas coisas que eu não posso acreditar”.   O melhor de tudo é que eu ainda acredito!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

COISA DE HOMEM OU DE MULHER

COISA DE HOMEM OU DE MULHER?

             - Pedrinho, não chore!  Isso é coisa de mulher!
             Tive que me controlar para não dizer poucas e boas.  Onde já se viu, em pleno século XXI, o pobre do menino ter que ouvir isso? As mudanças do último século não foram boas só para nós, mulheres... O que transforma aqui com certeza interfere ali, e acredito que os homens também se beneficiaram com os novos costumes. 
             O que logo me vem à cabeça é que a vida deles, de certa forma, ficou mais leve, já que não precisam “carregar o piano” sozinhos - estamos ao lado deles, às vezes mais substancialmente, outras  vezes menos, mas lutando junto. A carga era pesada e muita injusta! E eles já estão assumindo o fogão, trocando fraldas, dando uma boa folguinha para a gente.  Ou seja, os papéis cabem nos dois gêneros.
             Só que muita coisa ainda é reconhecido, de longe, como sendo um comportamento feminino ou masculino. Discutir a relação, sem dúvida, é cor de rosa. Difícil encontrar um homem que goste de ficar falando, analisando, questionando.  Querem distância dessa conversa!  Se você insistir, vai dançar, principalmente se pensar em perturbá-lo no horário do futebol ou da saída para o chopp com amigos.
             Falando em chopp com a turma, para falar de futebol e mulheres, isso ainda é coisa azul?  De jeito nenhum!  Não saímos apenas para chazinhos beneficentes na Colombo.  Temos clubes da Luluzinha em todas as esquinas, tomando caipirinha ou chopp, só que provavelmente os dois assuntos são  política e homem!  Embora ainda encontremos conversa cri-cri, muita coisa mudou.
             E as gentilezas associadas, durante séculos, ao masculino?  Mandar flores também se incorporou ao lado de cá.  E por que não? Muitos homens adoram flores perfumadas deixadas em suas portas. Podemos plantar um jardim, quem sabe juntos.
             Pagar a conta é outra história. Isso é sagrado para os mais antigos, aqueles que ainda gostam de abrir a porta, esperar a mulher sentar... faz parte da cultura em que fomos criados.  Os mais jovens aceitam dividir, pois a crise chegou, e tudo ficou bem difícil.  Melhor rachar as despesas no Lagoon do que pagar tudo sozinho no McDonald’s.
             Outra coisa complicada são as duplas mensagens que nós, mulheres, teimamos em mandar. Isso os deixa simplesmente loucos.   Eles não conseguem entender que nem sempre o “não” é “não”, o “sim”, uma anuência, e que um “talvez”  oferece um milhão de alternativas. Tampouco acreditam quando afirmamos que está tudo bem; percebem logo que tem algo errado mas, pobrezinhos, não podem imaginar o que nos aborreceu.  A gente fica torcendo para que adivinhem, mas nem mesmo um esforço mental hercúleo os ajuda a descobrir.  Dois mundos opostos.
             Um amigo me contou que a namorada é muito inteligente, culta, equilibrada...até o momento que implica por ele ter esquecido a data em que deveriam comemorar o primeiro beijo, por exemplo.  Para ele, não lembrar esse detalhe não significa que não dê importância à relação. Passa, então, a considerá-la meio chata, um pouco boba... Que tal, então, a gente se desligar um pouco do calendário e valorizar outras coisas bonitinhas que eles fazem? Por outro lado, seria bom eles anotarem na agenda as datas, pelo menos as principais.
             Os homens, por seu turno, deveriam aceitar que, quando estamos inseguras em relação ao que vamos vestir, qualquer opinião que possam dar não vai valer de nada.  Perguntamos por perguntar, já que não vamos mesmo seguir o conselho!  E ponto final!  Usaremos aquele vestido que a gente pensou em primeiro lugar, e que está no fundo da pilha que montamos em cima da cama!  Fiquem certos – vamos continuar perguntando.
             Falando nisso, vamos combinar que, quando perguntamos a eles se estamos bem com determinada roupa, deveriam disfarçar e fingir que não estão pensando que estaríamos melhor despidas... que digam alguma coisa sensata!  Em contrapartida, prometeremos que não vamos discutir a relação bem no horário do futebol.  Uma troca muito justa!
             O que ainda está difícil é saber equilibrar.  Sabemos que os homens modernos não querem ter um apêndice, uma planta sugadora como parceira da vida. Preferem as que se viram sozinhas, as que bancam os próprios luxos...mas isso, pelo que tenho visto, vai até certo ponto.  Não podemos ser autossuficientes demais, não é?  Isso dá insegurança?  Se vocês nos contarem onde o sapato aperta, de repente a gente se equilibra...
             Para o bem de todos e felicidade geral da nação, talvez seja mais uma boa ideia que nós, mulheres, comecemos a entender que os homens são bons de matemática, onde 2 mais 2 são 4, e que essa nossa mania de achar que a tal soma pode chegar a 4 e meio, três e meio ou oitenta e dois pode azedar as relações.  Sem abrir mão da intuição, um grande instrumento que possuímos, precisamos usá-la com muito critério para não exagerar nas interpretações do que eles dizem ou fazem.  A gente entra por esse campo minado e acaba se dando mal!
             Verdade seja dita – agora podemos exigir nossos direitos, brigar por eles, e tudo o mais.  Em compensação, os meninos como o Pedrinho lá do início dessa conversa, e todos os homens hoje em dia podem chorar de alegria, de tristeza, de dor ou de amor, sem qualquer constrangimento. Quem discorda que tudo isso já valeu a pena? 
             Para melhorar as coisas, quem sabe a gente, então, negocia mais um pouco?  Vamos lá –
1 – Homens, quando começarmos a  reclamar, não tentem arranjar uma solução – simplesmente acordamos com vontade de reclamar e ponto final.  Vai passar, como disse o Chico Buarque.  Basta ter um pouco de paciência.
2 – Homens, liberem alguns elogios.  Precisamos ouvir coisas estimulantes em relação ao nosso visual.  Não custa nada um esforço extra.
3 – Mulheres, não banquem Sherlock Holmes... não revistem carteiras, gavetas, últimas ligações nos celulares... Ou confiamos, ou não.
4 – Mulheres, os amigos de nossos homens são sagrados.  Não se enturmar e ficar com cara de tédio quando eles estão juntos é um certeiro tiro no pé.  Muitos deles são ótimas pessoas, de verdade.
             Bem, duas boas idéias para eles e duas para nós.  Sempre o equilíbrio para deixar a vida de todos muito melhor, com os homens vestindo, tranquilamente, uma camisa cor de rosa, e nós arrasando em uma festa com elegantíssimo smoking preto.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

PITACOS E O CALCANHAR DE AQUILES

             Juro que tenho me controlado ao máximo.  Dar uma opinião quando ninguém perguntou nada é querer ser vista como inconveniente.   Por isso, estou sempre mordendo a língua, acatando o inteligente ditado popular - “Peru de fora não se manifesta”.
             E lá fui eu tentar achar a origem da expressão “dar um pitaco”.  Na pesquisa sobre Pitaco, de Mitilene (principal cidade da ilha de Lesbos), considerado um dos sete sábios da antiguidade grega, não consegui descobrir qualquer ligação. Não resisti e, curiosa, quase como Pandora, a bisbilhoteira mais famosa do mundo, saí em busca de informações sobre os tais sábios. 
             Cleóbulo, mesmo tendo ficado conhecido por afirmar que “O equilíbrio é a melhor coisa”, foi um senhor tirano, em Rhodes. Sabemos bem o que é isso, pois todos escorregamos no “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Solon, de Atenas, também filosofava sobre a moderação, sobre o equilíbrio, aconselhando-nos a agir com todo cuidado.  Ele, porém, compensando o horror vivido durante a era Cleóbulo, foi um dos legisladores a estabelecer as regras e reformas que moldaram a democracia grega, honrando o que pregava.
             Quilon, mentor da militarização da sociedade espartana, ponderava – “Nunca desejes o impossível”.  Ouso discordar - se não sonharmos bem alto, não saímos do chão.  Há que se passear pelo mundo do impossível para que possamos chegar ao possível !  Entretanto, ele era um sábio, e eu, mera palpiteira, pitaqueira...
              Bias de Priene era um deprimido, certo de que “A maioria dos homens é ruim”.  Discordo dessa colocação, pois se fosse, a vida no planeta estaria mais comprometida ainda do que já está!  Calculo que maus, mesmo, são uns cinco por cento apenas, mas são os que fazem um estrago daqueles.   Bons de verdade, uns vinte.  Os outros setenta e cinco por cento podem ser manipulados, para o bem ou para o mal.  Isso gera uma bela discussão, principalmente em cima da obra de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal, discussão essa que não encontrará lugar na pauta de minhas croniquetas.
              Sobre Periandro, li que apesar de ser mais um tirano da História, conhecido pela extrema crueldade de seus atos, trouxe um grande desenvolvimento a Corinto, transformando a cidade em importante centro cultural. Nem contarei detalhes sobre ele, pois poderia manchar de vermelho o papel – no frigir dos ovos, ele estava mais para louco desequilibrado do que para sábio.   Do que falou, pincei “Um rei não pode ter guarda mais fiel do que o afeto dos súditos”.  Outro caso de “Faça o que eu digo, mas não faça o que faço.”
              Tales de Mileto, velho conhecido de quem gosta de matemática e astronomia, alertou sobre o eclipse do ano de 528 AC, quando nenhum outro astrônomo foi capaz de prever. E pensar que, vinte e quatro séculos antes de Darwin, apresentou a teoria de que a substância primordial da Terra era a água, e que dela tinha partido a evolução... Era um sábio, tenho certeza.  Fiquei fã.
             Na verdade, meu primeiro interesse recaiu sobre Pitaco em razão de meu mau hábito pitaqueiro.  Dizem que foi excelente governante por 10 anos, ao contrário de velhos conhecidos nossos, que se reelegem e não fazem nada.  Reduzindo o poder da nobreza, conseguiu o apoio das classes populares, realmente beneficiadas por suas ações públicas, e esse exemplo deveria ser seguido por uns e outros.  Dizia, sempre: “Saiba escolher bem quais oportunidades aproveitar”.  Acho que aproveitou todas... O problema é que, nos relatos que encontrei, nada o denunciou como um palpiteiro metido.
             Aproveitei para passear um pouco pela Mitologia Greco-Romana.  Fascinante.  Olhando bem de perto, os personagens não diferem muito daqueles que encontramos no mundo real, e as histórias  são, quase todas, assustadoras.  Em vez de final feliz, percebe-se que quase nada dá certo, com resultados catastróficos; para diminuir os prejuízos, tinham que fazer acordos complicados com Zeus, na Grécia, e com Júpiter, em Roma. E os deuses se mostravam seres absolutamente raivosos, inseguros, invejosos, vingativos... Achei divertida a exclamação de Zeus, ao constatar que Hera, sua mulher, não lhe atenderia o pedido: - “Mulheres! Cada vez mais intratáveis”.  Ou seja, isso vem de longe.
             A melhor história me pareceu a de Eros e Psiquê que, depois de marchas e contramarchas, conseguiram um final feliz, juntos para sempre como em Hollywood. Temos, também, Teseu, salvo por Ariadne do labirinto, historinha que terminou bem.   O engraçado é que tem sempre mulher no meio das confusões.   Por outro lado, só tem mulher porque também tem homem.  Será que juntá-los é o problema do mundo dos deuses e dos homens? Esta é a pergunta que não quer calar há mais de 25 séculos!
              Surpreendi-me, outro dia, com a descoberta de que ficção e o teatro apresentam uma função purificadora, uma verdadeira catarse. Como muito bem explica Ângela Maria Dias, em sua obra A Forma da Emoção, Nelson Rodrigues e o Melodrama -  “O mal é encenado no palco, com a finalidade de salvar a platéia, realizando-se o mal em cena para que a platéia não o realize fora dela.” Cronos come os filhos, Zeus derrota o pai, Perseu jogado ao mar pelo avô...

              Quanto aos meus pitacos, já não os dou mais com frequência, sinceramente. Não por faltar vontade, devo esclarecer, mas é que somente acertei algumas vezes – claro que eram bons palpites,só que os dei fora de hora... outros pitacos eram equivocados, mas dados em “horas certas”.  Estou desconfiada que essa história de dar pitaco é meu calcanhar de Aquiles...

terça-feira, 23 de julho de 2013

E. FINALMENTE, OS BRASILEIROS SE APAIXONARAM POR UM ARGENTINO

             A implicância entre os dois povos não é de hoje. Desde quando? Passa apenas pelo futebol?  Seria Diego Maradona o mais significativo símbolo da conhecida rejeição?
             Histórias de dificuldades entre nações são conhecidas através dos tempos.  Lembro-me de assistir, nos anos oitenta, no canal oficial da França, Antenne 2, agora o France 2, programas humorísticos que acabavam com a dignidade da família real inglesa. Eu não conseguia entender como as relações diplomáticas entre os dois países não azedavam ainda mais. Não se bicam desde a Guerra dos Cem anos, aquela guerra que durou 116 anos e que teve Joana D’Arc como importante símbolo.  O príncipe Charles, é claro, era o alvo preferido das piadas.  Cá entre nós, ele foi, é e será sempre um prato cheio para referências jocosas.
             No mundo, são conhecidas algumas implicâncias viscerais, a maioria por razões históricas.  O povo chileno não gosta dos argentinos; na Venezuela, ficam zoando os colombianos, e, de vez em quando, uruguaios e argentinos também se estranham. Do outro lado do mundo, chineses e japoneses não se entendem há tempos, e quem viu o filme ”O Último Imperador” encontrou alguns bons motivos.  Isso, sem falar em países que estão em guerras que não acabam nunca.
           Tentei descobrir algo mais profundo e que realmente justificasse essa dificuldade entre brasileiros e argentinos, mas só cheguei às explicações futebolísticas, que acabei aceitando sem questionar.
           Encontrei um cuidadoso trabalho de dois professores da UERJ, Ronaldo Helal e Hugo Lovisolo, que estudaram a cobertura jornalística esportiva em jornais argentinos e brasileiros desde 1970.  O foco da pesquisa foi a imagem construída por cada um dos países em relação ao outro. Para minha enorme surpresa, o relatório é bastante interessante.
             Resumo da ópera – o tratamento entre os órgãos de imprensa dos dois países foi se mantendo em patamares fraternos até o início dos anos 90, com apenas algumas eventuais e leves cutucadas.   Mesmo com o sucesso de Maradona e o baixo rendimento do futebol brasileiro nos anos 80, a imprensa argentina, naquele período, ainda falava de nossos jogadores com muito respeito.  Via-se “Brasil es siempre Brasil” nas manchetes, e a eliminação da seleção brasileira nas copas de 1978 e 1986 foi sinceramente lamentada pelos jornalistas argentinos.
             O problema começou quando algumas charges mexendo com Maradona apareceram em nossos jornais.   Segundo os professores, foi o primeiro passo.  Em 1998, a história esteve tranquila até os argentinos saberem que os torcedores brasileiros haviam festejado os gols da Holanda contra a seleção “hermana”. Foi, então, que parte da imprensa especializada argentina passou definitivamente a hostilizar nosso futebol.
             Do lado de cá, desde 1990 que alguns de nossos jornalistas cutucam a onça com vara curta, suavemente naquele início.  Em 2002, a coisa ficou ostensiva, de ambas as partes.  Porém, os professores ressaltaram que nossos comentários eram mais ácidos.  Uma pena.
          Como nada tem um só lado, vamos sempre passear na Argentina, ficando os brasileiros em primeiro lugar no número de visitantes.  Depois de nós, estão os chilenos, rolando, sobre eles, uma piada ótima - eles adoram o tango por uma simples razão... em cada uma das canções morre um argentino! Realmente, Buenos Aires é destino de quase um milhão de brasileiros por ano.  E chegam por aqui cerca de um milhão e trezentos argentinos.  Um senhor intercâmbio, sem qualquer implicância de parte à parte. 
           Volto ao Papa Francisco.  Chegou há menos de 24 horas ao Rio e já conquistou gregos e troianos. Não são apenas os católicos que estão encantados; na verdade, não tem apenas o carisma institucional, que vem com o cargo que ocupa, mas carrega um intenso carisma pessoal.  Seu gestual é sedutor, e vemos alguém com invejável poder de comunicação, mesmo quando apenas sorri.  Na hora daquele tumulto em razão do vergonhoso engarrafamento, ele não se retraiu, não mostrou preocupação, nem fechou a janela para “se proteger”.  Como dizem, está “dentro”.  E se nos lembrarmos daquele que renunciou, a mudança é incrível.             
            Quem é esse Francisco?  Não me interessei pelas biografias lançadas, por considerar um tanto prematuro, já que estarão falando de Jorge Mario Bergoglio, enquanto o Papa Francisco ainda está se construindo.  Hoje,entretanto, reconsiderei. Talvez seja interessante descobrir que bagagem traz, qual sua estrutura, sua espinha dorsal.  E penso em ler “Sobre o Céu e a Terra”, que traz diálogos travados entre ele, ainda arcebispo de Buenos Aires, e o rabino Abraham Skorka.  Dois intelectuais que trazem o melhor de suas religiões, que falam do mesmo Deus... 
          Deposito esperança nele, ao perceber que tem o pé no chão, e chamo de chão não apenas o católico apostólico romano.  Parece-me que olha em volta sem excluir, o que me anima bastante.  E ando meio desligada, tratando de meus assuntos espirituais diretamente com os Superiores.  Os intermediários não me animam nem um pouco.
          A partir dessas primeiras impressões e do fato de que especialistas católicos acreditam que ele vai estreitar os laços com outras religiões, espero que venha fazer alguma diferença nesse mundo onde, até agora, os diversos credos somente serviram para afastar as pessoas. 
      Saramago, ateu convicto e, sem dúvida, muito polêmico, sugeriu algo brilhante – enquanto não conseguirmos seguir AMAI-VOS, UNS AOS OUTROS, as religiões deveriam pregar – RESPEITAI-VOS, UNS AOS OUTROS.
     Gosto tanto dessa ideia ecumênica que, em casa, há muitos símbolos católicos, alguns judaicos, dois do Hinduísmo, isso sem esquecer de Iansã, representada por Santa Bárbara. Espero que a convivência pacífica com o que há de bom em cada crença me faça uma pessoa melhor.  
       Se o papa nasceu argentino, não parece fazer a menor diferença...milhões de brasileiros estão completamente apaixonados por ele!  E eu, ainda sem saber quando essa rivalidade realmente começou, trago a complexa interpretação do Professor de Sociologia Pablo Alabarces, da Universidade de Buenos Aires, sobre a questão – “Os brasileiros amam odiar os argentinos, e os argentinos odeiam amar os brasileiros.” 

      Prefiro pensar em uma reinterpretação dessa história – agora, muitos brasileiros amam estar com esse argentino.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

AI, SE EU TE PEGO


AI, SE EU TE PEGO


             Um estrondoso sucesso planetário.  Meu amigo Jorge, em Casablanca, foi abordado por uma participante do mesmo congresso sobre marcas e patentes. Ao confirmar que era brasileiro, viu-a esquecer-se da burka que trajava e dançar e cantarolar o “Ai, se eu te pego”.  Olha o constrangimento. Dias depois, em Dubai, o atendente árabe no aeroporto, ao verificar a cidadania dele, também começou com a tal musiquinha.
             Esse bordão pegou de jeito todo mundo. “Te pego” não mais significa que vou passar na esquina e você vai entrar no meu carro; ou apenas pegar o filho na escola, a amiga para ir ao cinema.  Meu amigo combinou de me buscar para um café no Garcia e Rodriguez dizendo: - “Amanhã, eu te pego”.  Dependendo da entonação, essa frase tão singela pode virar uma confusão.
             Jamais vou oferecer ajuda para colocar a mala pesada na prateleira mais alta, com a escada, dizendo “Posso t****r com você?”.  Outro dia, ouvi uma conversa banal, sobre alguém sugerindo à interlocutora que desse uma ajuda a um colega de trabalho.  E ela me responde em alto e bom som, para a alegria de todo mundo: -“Já estou dando pra ele.”  Êta dificuldade linguística
             Os significados das palavras não são mais os mesmos e, ao ouvir determinado termo, sou obrigada a pensar duas vezes para descobrir qual o assunto em pauta.  Ontem, uma cabeleireira falava em botox, e custei a entender a história - não se tratava daquele para tirar rugas, mas sim de do botox capilar, coisa nova para mim!  Segundo a profissional, com a aplicação da badalada substância, os fios de cabelo ficam de “cara” nova, tal como as testas.
             Outro susto – fisioterapia capilar. Dei tratos à bola para descobrir que diabo seria isso. O drama é que quarenta por cento das mulheres no Brasil sofrem de queda de cabelo, e confesso estar nesse grupo. As causas são muitas e, no meu caso, não vejo saída para algumas delas. Com a obra terminada, já estou menos estressada – ponto a favor. Por outro lado, mesmo consciente de que o sono faz muita falta, não tenho mesmo jeito: durmo pouco desde criancinha.  E a oleosidade, o terceiro vilão, em mim não é mais excessiva, pois toda a tinta usada para esconder os fios brancos já ressecou bastante minha antiga juba. E lá fui eu, acreditando na história.  Na verdade, adorei a avaliação que fiz com a fisioterapeuta capilar.  Descobri que acertei por décadas, mesmo contrariando aquilo que todo mundo dizia.  E nunca fez mal eu lavar os cabelos todo dia!  Com a quantidade de bobagens que colocamos na cabeça, nossos fios ficam todos recobertos por camadas inúteis!  Portanto, ao contrário de estragar, livrei minhas madeixas da química usada. Valeu a pena a consulta!
Tem o lado sério dessa história, ou seja, daquilo que se fala e aquilo que o outro realmente recebe. Mal entendidos são muito frequentes e podem estragar coisas sérias.  Fico pasma com a dificuldade de comunicação, e apagar o fogo torna-se, inúmeras vezes, impossível.
Porém,bom mesmo é quando geram boas risadas!   Outro dia, troquei a palavra “garfo” por “prato”.  E, ao ouvir de um amigo que ele gostava de comer bem, respondi que eu era um bom prato.  Demos sonoras gargalhadas.  Se alguém da mesa ao lado ouviu, vai me considerar a maior “oferecida” do pedaço.  E vai por aí a fora.  Trocando palavras, ou usando palavras com vários sentidos, podemos ter uma fonte de problemas ou motivo para belas risadas.
Assim, feliz aquela moça feia que “debruçou na janela, pensando que a banda tocava pra ela”, e que hoje vai dormir feliz com a frase do vizinho, acreditando que, finalmente, alguém vai pegá-la de jeito.  Sonhar sempre vale a pena.

terça-feira, 19 de março de 2013


O TEMPO PASSA, O TEMPO VOA...
Março de 2013

Penso muito no Tempo.  Talvez essa energia em megahertz que me acompanha há décadas traga, de maneira discreta, a preocupação – vou ter tempo ?  Tantas coisas interessantes que ainda quero fazer...Tem gente que diz que tempo é dinheiro, mas eu discordo.  Tempo é vida.

O Quarteto é uma comédia dramática, sobre esse terceiro tempo da vida, e um de seus personagens principais, assediando sexualmente as mulheres que passam por perto, faz o contraponto para nos alegrar quando o que acabamos de ver abala as estruturas.  E vamos na montanha russa entre o riso e a reflexão. Aqueles simpáticos velhinhos, todos artistas, vivem em um belo recanto, na Inglaterra, e nos divertimos e nos emocionamos com os preparativos para o concerto anual dos residentes, com o grupo tentando angariar fundos para que o lar onde esses idosos vivem não seja desativado.   Vale a pena conferir na telona esse primeiro trabalho do Dustin Hoffman como diretor, deixando pra lá algumas ácidas críticas, a meu ver, injustas.

Como cheguei recentemente dos Estados Unidos, onde existem muitos condomínios para idosos, fiquei curiosa em saber o que o Brasil oferece para nós.  Encontrei dos mais variados padrões, alguns até bem simpáticos, mas com precinhos meio antipáticos, e de um formato um pouco diferente.    De qualquer modo, não precisam mais ser, apenas, depósitos de velhos, e não são mais, em sua maioria.

A psicanalista Angela Mucida discorda dessas comunidades para quem ainda está em boas condições, pois considera uma desvantagem o distanciamento de pessoas de outras faixas etárias, o que, muitas vezes, é inevitável. Já temos um quinto dos idosos vivendo sozinhos no Brasil, e os sessentões, e mesmo os mais adiantados nos anos não são mais aqueles velhinhos dependentes, sentados nas cadeiras de balanço, olhando o mundo de longe – vão à academia, saem para dançar, formam grupos e se divertem, deixando em paz os filhos e netos, que estão completamente atordoados com a vida profissional, filhos pequenos, e toda essa correria dos tempos modernos. 

O que está mais do que provado é que uma boa vida social, exercícios físicos e alimentação acertada trazem excelentes resultados.  Clube do Bolinha, da Luluzinha, Clube da Letra, onde a turma escreve coisas lindas, enfim, clubes ou associações com interesses comuns são fáceis de se organizar e são um remédio sem qualquer contraindicação para uma vida bem mais saudável.  Ando pensando em fundar, qualquer dia desses, um com pessoas que queiram pintar e bordar.  Espero ter muita gente interessada...

Outro dia, enquanto olhava coisas bonitas em uma loja de decoração, ouvi uma mulher dizer que já tinha dobrado o tal cabo da “boa esperança”.  Não me contive e dei meus palpites errados.   Foram muitas risadas, felizmente.  Eu espero que a tal mulher, de apenas 57 anos, fique mais animadinha e descubra quanta coisa boa a vida ainda nos reserva.  Cabo da Boa Esperança é para Bartolomeu Dias, não para mim.

Não vai dar tempo, eu sei, para fazer tudo que se passa nessa cabeça arteira, mas não seriam nem mesmo mil anos que iriam resolver esse problema.  E, além disso, a vida, depois da tal esquina dos cinquenta, vez por outra oferece novidades e surpresas boas, e os planos que fizemos nem sempre são seguidos à risca mesmo com todo o tempo do mundo.  O que vale é ir saboreando o que se tem de melhor enquanto o tempo passa, enquanto o tempo voa... Enquanto isso, um excelente poema de Viviane Mosé – Tempo.

“Quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele / soprando sulcos na pele  / soprando sulcos? / o tempo andou riscando meu rosto  / com uma navalha fina / sem raiva nem rancor / o tempo riscou meu rosto com calma / com calma / (eu parei de lutar contra o tempo /  ando exercendo instantes / acho que ganhei presença) / acho que a vida anda passando a mão em mim / a vida anda passando a mão em mim / acho que a vida anda passando /a vida anda passando / acho que a vida anda./ a vida anda em mim / acho que há vida em mim. / a vida em mim anda passando. / acho que a vida anda passando a mão em mim / e por falar em sexo quem anda me comendo é o tempo / na verdade faz tempo mas eu escondia / porque ele me pegava à força e por trás / um dia resolvi encará-lo de frente e disse: tempo / se você tem que me comer / que seja com o meu consentimento / e me olhando nos olhos / acho que ganhei o tempo / de lá pra cá ele tem sido bom comigo / dizem que ando até remoçando”

domingo, 3 de fevereiro de 2013


COM O LIMÃO, UMA LIMONADA.
Fevereiro de 2013

                  Eu prefiro a nova versão e desse limão fazer uma caipiroska!  Com esse espírito, fui para Orlando com Livia, minha filha,  Caio e Leticia, netos queridíssimos.  Ou seja, já levei o açúcar.  Dispensável dizer o que representaria o limão... e a vodka, boa bebida, seria a oportunidade para observar quem visita essa conhecida ilha da fantasia americana. Já estive na outra, em Las Vegas, e vi muitas semelhanças. 

                   Meu fascínio pelo comportamento humano me fez estar atenta a tudo e a todos nos parques da Disney e da Universal, mesmo perdida em um mar de gente.  Na Disney, passam em média 240 mil visitantes por dia, 30 milhões por ano! Na Universal, outros tantos.  O que os leva àqueles centros de entretenimento?  Frei Betto escreveu um texto muito interessante, “Passeio Socrático”, questionando o consumo excessivo, a busca incessante pela distração, pelo prazer, enfim, tudo o que encontramos em Orlando. Enquanto ele filosofava, eu passeava com o Mickey, o Homem Aranha, Capitão América...

                   Para entrar na montanha russa do Hulk, passeio que não dura mais que uns poucos minutos, eram quase 2 horas de espera!  Mesmo que uma pessoa não tenha um lado intelectual substancial, como se propõe a, de pé,  esperar todo esse tempo para andar numa geringonça que nos “ameaça” a integridade física o tempo todo?  Coloca os passageiros de cabeça para baixo, rodopia numa velocidade quase igual à da luz, com todos berrando sem parar e a adrenalina no mais alto grau.  Não satisfeitos, entram na fila outra vez para sentirem a mesma coisa. Saem entorpecidos, imagino, após liberarem todo o estresse do dia-a-dia que deixaram a milhas de distância.

                   Para que ninguém se sinta por demais entediado nessas intermináveis filas, os idealizadores inventam pequenas atrações pelo meio do caminho, mais ou menos com o espírito de que, enquanto se espera pela pessoa certa, a gente deve pode se divertir com as erradas.  Os centros administrativos desses parques controlam, entre outras tantas coisas, o tamanho das filas.  Mal percebem que um ponto vai estrangular, tratam de atrair parte dessa turma para outros locais menos concorridos, com atrações temporárias, personagens ao vivo e a cores para desviar a atenção... tudo para que a gente se esqueça que está há um tempão de pé, às vezes no frio e na chuva!  Em tempo, eu não me submeti a essa coisa toda.

                   O que me deixou animada foi perceber que muitos aproveitavam a espera para trocar idéias com suas turmas.  Não costumo ouvir conversa alheia, mas eu estava ali com a alma livre de qualquer julgamento sobre o que era dito, apenas uma observadora imparcial.  O século XXI aprisionou o homem em seus I-Phones, Smartphones e, sem dúvida, no Facebook; enfim, estão quase todos mergulhados nesse mundo virtual.  Ninguém mais conversa olho no olho... e tem até quem mande torpedo para o filho que está em outro cômodo da casa!  Pelo menos ali, nas filas, estavam conversando, rindo juntos, interagindo tipo old fashioned way. Uma luz no fim do túnel, quem sabe, já que podem readquirir o hábito da conversa fiada.

                   A gente vê todas as variações possíveis de grupos e pares, nacionalidades, uma diversidade impressionante. Vi um bebê com pouco mais de dois meses, o que achei um absurdo completo e, logo depois, esbarrei em uma velhinha de uns 90 anos, em cadeira de rodas elétrica, ostentando um belo sorriso e sua felicidade por estar ali.  Provavelmente, o açúcar da caipiroska que ela preparou era o mesmo que o meu.  Estava em família. 

                   Na tentativa de entender o interesse pela ilha da fantasia, deparei-me com  a estatística sobre o número de televisores ligados no BBB.  Parece que a média é de 1.900.000 só na grande São Paulo. Isso agora, que o programa já não agrada tanto.  Chegou a 3 milhões em uma das suas edições. 

                 Enfim, impossível entender... melhor ficar muda e voltar para minha caipiroska e filosofar um pouco.   Frei Betto fala nos monges tibetanos, que vivem somente a vida interior, sem qualquer interesse no que esse mundo moderno oferece.  E se pergunta onde estaria a felicidade -  na vida estressadas dos executivos, que possuem contas bancárias bem recheadas e podem ir à Disney todo ano, para se entorpecer com aquelas atrações, ou na vida tranquila dos monges, sempre serenos e comedidos ?

                   Gosto do  meio do caminho.  Não fico triste por não poder comprar uma bolsa Ferragamo pela qual me interessei, e ficarei com pena se não puder ir a uma boa exposição de quadros.  Acredito que aquilo que alimenta a alma e o que enfeita o corpo não são coisas incompatíveis.  Levar os netos à Disney e ler, à noite, o livro “Diary of A Bad Year”, do Coetze, cabem nas mesmas 24 horas.  E, assim que puder, vou ao Louvre deliciar-me, mais uma vez, com a Vitória de Samotrácia, usando, é claro, minha bolsa nova da Furla, escandalosamente vermelha.