quarta-feira, 11 de março de 2009

NEM OITO, NEM OITENTA

Ana Hertz
Março de 2009

Quem já não se viu numa tremenda saia justa, quando alguém se desmancha em elogios a uma determinada pessoa sobre a qual nosso juízo não é lá dos melhores e e insiste em saber sua opinião? E quem ainda não ouviu a pergunta – Como é que a fulaninha ainda não largou aquele marido insuportável? Provavelmente, quem tem essa dúvida também é alvo de comentários parecidos. Quem ama o feio, bonito lhe parece, diz o velho e perfeito ditado. Os americanos e ingleses, usando outras palavras, concordam com a idéia - The beauty is in the eye of the beholder.

Aqui nos Estados Unidos, em fevereiro, comemora-se o President’s Day. A tradição começou com George Washington, o primeiro a governar a nação e que aniversariava nesse mês. Com o tempo, o feriado democratizou-se e são festejados todos os que já passaram pela Casa Branca.

Agora nesse fevereiro de 2009, como fez 200 anos do nascimento de Abraham Lincoln, toda a mídia se mobilizou para falar nele. Aproveitei para dar uma olhada e descobrir mais um pouco sobre o homem que enfrentou uma terrível guerra civil e que foi o primeiro de uma série de presidentes americanos assassinados. Acabei vendo que faz parte daquele grupo que as pessoas amam ou odeiam. Não há meio do caminho. Foi considerado, por muitos, uma das maiores heranças políticas americanas de todos os tempos, um verdadeiro gênio, e até hoje lhe são rendidas homenagens de variados tamanhos. Obama, dias antes de assumir a presidência, fez uma visita ao belíssimo memorial Lincoln, ali mesmo em Washington, dizendo que ia pedir a benção ao ilustre ex-presidente.

Em contrapartida, por outra grande parte da população, foi chamado de incompetente, desonesto, e de caipira quase retardado, em termos de inteligência. Na época da guerra da secessão, qualquer coisa que dissesse era interpretada, pelos jornalistas do Norte, como se tivesse oferecido um ramo de oliveira, símbolo da misericórdia divina, enquanto os periódicos do Sul diziam, sobre as mesmas palavras, que Lincoln havia apontado o braço com uma espada! Fiquei impressionada, pois não imaginava que houvesse essa discórdia sobre o famoso dirigente. Provavelmente, não era nem uma coisa, nem outra.

Sempre a mesma coisa. Cada cabeça, uma sentença. Não são apenas nossos olhos amorosos, benevolentes, ou, por outro lado, impiedosos ao extremo. Julgamos, também, segundo o momento pessoal, conforme andam nossas necessidades emocionais, nossos desejos não atendidos. No amor, por exemplo, grandes paixões, cujos objetos são os seres mais perfeitos do universo, não passam de resposta a uma carência afetiva, falta de companhia... O pior é que gente nem sempre percebe.

Quando estive agora na Califórnia, aproveitei para ver, em San Francisco, o badalado musical Wicked, que recebeu 4 Tonys! Adorei, vale realmente a pena ver. Trata-se da história “não contada” da famosa e odiada Bruxa do Oeste, no Mundo de Oz, com a eterna discussão sobre o Bem e o Mal.

Uma das músicas mais animadas é a do Mágico de Oz, nosso velho conhecido. Ele vem conversar com Elphaba, que vai se tornar a “malvada” Bruxa do Oeste e, com a maior tranqüilidade, explica porque é o “dono” do lugar. Diz que nem planejou estar ali, pois sempre teve consciência de sua mediocridade. O que aconteceu é que ele, agora respeitado e adorado, simplesmente apareceu na hora em que o povo de Oz precisava de alguém em quem acreditar. E que, como os cidadãos começaram a chamá-lo de Mr. Wonderful, ele passou a ser realmente uma” maravilha”.

É claro que a jovem se revolta com isso. Como pode ele mentir para as pessoas, fazendo-se passar por alguma coisa que não é? Mentiras? Para ele, isso não significa nada demais. Explica, então, que veio de um lugar onde a maioria das coisas contadas não representam a verdade, mas mesmo assim quase todo mundo acredita nelas. E que essas “realidades” formam o que se chama de História! A platéia veio abaixo nessa hora... Uma crítica bastante inteligente, apresentada de forma muito divertida.

E sobre o que se diz das pessoas, continua o Mágico de Oz, lembra que, para uns tantos, o sanguinário invasor é, apenas, um bravo cruzado, defensor dos fracos e oprimidos; o rico filantropo, para aqueles que o odeiam, nada mais é do que um ladrão inescrupuloso; e como melhor exemplo, fala no valente libertador que, para a oposição, é um execrável traidor! Enfim, afirma que tudo se resume ao que o rótulo é capaz de convencer!

E é isso mesmo... Tirando uns poucos, está todo mundo ali no meio, nem oito, nem oitenta. Se ouvir falar bem demais de um presidente, dê um desconto... Talvez a empresa de propaganda tenha sido a melhor do mundo. Se ouvir falar mal até não poder mais... pode ser que tenham sido os inimigos que espalharam a versão, e o publicitário contratado não deu conta.

Levando em consideração as palavras do Mágico de Oz, vou sair e procurar logo um bom marqueteiro para falar bem do meu Blog, preparando um bom rótulo para ele. Talvez, assim, eu consiga o Nobel de Literatura... ou, pelo menos, o Prêmio Jabuti.

Para ser bem sincera, sei que nem o Washington Olivetto vai dar conta dessa tarefa. Mesmo sendo ele, no mundo da publicidade, OITENTA, o problema é que eu, na Literatura, sou OITO.

3 comentários:

  1. As vezes quando grandes problemas sao graves e necessitam imediata accao, a solucao extremista e a que da mais resultados e depois os extremos podem ser abandonados e uma solucao mais moderada pode ser aplicada. Lembra as grandes revolucoes no mundo e vemos este modo de agir em pratica .
    Ciao Maria Melville Escocia

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  2. Valeu, Ana. É sempre bom lembrar o ensinamento da raposa política Henry Kissinger: _Eu não conheço uma fórmula para o sucesso, mas a do insucesso, com certeza, é querer agradar a todo mundo.
    E também de Nelson Rodrigues, o maior filósofo brasileiro: _Toda unanimidade é burra. BJS. Alberto

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  3. Ana,

    Quando eu ainda dava aulas (triste lembrança !), havia uma historinha que sempre era passada aos alunos de 5ª série: várias pessoas com os olhos vendados, eram levadas a tocar num elefante. Supostamente, estas pessoas jamais teriam conhecido o animal. Cada uma tocava uma parte diferente do corpo do bichão: tromba, patas, rabo, presas, etc. Depois, elas descreviam o que acreditavam ser um elefante. É claro que as descrições eram variadas e, até mesmo, bastante discrepantes, pois dependiam da parte do corpo que cada pessoa havia tocado. Esta historinha servia para ilustrar o conceito de interpretação da História, ou seja, a interpretação depende da perspectiva de cada um, da camada social a que pertence, da maneira como cada fato repercute sobre as pessoas ou grupos sociais. Da mesma forma, as opiniões divergem sobre tudo: personagens ilustres, política, relacionamentos, etc. Adorei a crônica (acho que ainda tem acento). Continue escrevendo. Beijos e beijos
    Eliane

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