terça-feira, 16 de março de 2010

I LOVE PARIS

I LOVE PARIS
Março de 2010


“I Love Paris”. Estranho eu mencionar a música de Cole Porter, em Inglês, se o que quero nessa crônica é falar da França? “J’aime Paris” não me parece a mesma coisa. Muitos vão se perguntar por que, então, não usei “Sous le ciel de Paris”, um céu que a voz de Yves Montand imortalizou da maneira mais perfeita. Na verdade, qualquer outro título me pareceria menos intenso do que I Love Paris. O que interessa mesmo é que estou com a maioria - amo Paris tanto quanto a torcida do Flamengo, do Coríntians e do meu Vasco.

Essa paixão que a cidade desperta tem história, e ouvi dizer que são cerca de 30 milhões de visitantes por ano. No século XVII,
já era a capital da maior potência política européia; no século XVIII , transformou-se no centro cultural europeu , ganhando o título de Cidade Luz, que carrega até hoje, em razão da efervescência intelectual e artística durante o Iluminismo; e ficou conhecida como a Meca da Belle Époque no século XIX. São razões de sobra para explicar o fascínio que desperta.

Há controvérsias quanto à história da cidade. A única certeza é que os Parisii, gauleses de origem celta, eram os “donos” da região quando Júlio César chegou com as tropas romanas. Nomeou-a Lutécia
por causa da lama que o Rio Sena deixava quando invadia a vila de pescadores em suas margens. O nome Paris venceu, felizmente, tempos depois. Esses fatos me fazem rir sozinha, ao pensar nas aventuras dos ”heróis gauleses” Asterix e Obelix, histórias em quadrinho da melhor qualidade. Gostava muito daquele humor super inteligente de Uderzo e Goscinn, e acho que vou reler algumas delas.

Na Primeira Guerra, a cidade não sofreu grandes ataques, mas na segunda foi ocupada pelos alemães logo em 1940; somente em agosto de 1944, foi libertada. Por sorte, estava inteira, pois o general alemão que chefiava as tropas invasoras, um homem culto e amante das artes, ostensivamente desobedeceu Hitler, que ordenara a destruição total da cidade.

Na tentativa de aliviar as tensões sociais que já se mostram nos subúrbios de Paris, muito em razão da emigração que se faz presente, e quem sabe “inspirado” por sua Carla Bruni, o Presidente Sarkozy tem, na manga, vários projetos de desenvolvimento econômico e tecnológico para o país, bem como um grande plano para a criação de uma administração da “Grand Paris”, ou “Greater Paris”. Será a administração para aquilo em que Paris deverá se transformar nos próximos 40 anos - uma metrópole do século XXI. Confesso que temo que, com esse crescimento, venha a perder parte de seu grande charme!

Não pude resistir ao convite de minha querida amiga Rosa, que divide seu tempo entre Paris e o Rio, e mais uma vez lá fui eu, com mil casacos na mala. Peguei um pouco de neve esse ano, enquanto o resto da Europa sofria horrores com as intempéries. As previsões quanto ao clima no futuro, aquelas mais do que assustadoras, talvez nem sejam tão exageradas, pelo que estamos vendo por agora.

Não foi uma viagem turística, no tradicional conceito de ”turismo de massa”. Mas alguns lugares famosos foram revisitados, com grandes descobertas, o que nos faz ter certeza do quanto deixamos de ver, de sentir, por passarmos grande parte da vida, vamos dizer, um pouco “adormecidos”. E isso não é só quando estamos em lugares novos... tampouco percebemos bem os lugares onde passamos grande parte do tempo. E, pior, as pessoas que estão conosco há muito podem ser verdadeiros desconhecidos ... Vemos pouco, pouco mesmo, do que quer que seja.

A Torre Eiffel, construída para a Exposição Universal de 1889,
nos cem anos da Revolução Francesa, continua atraindo o interesse dos turistas, como também o Arco do Triunfo, a Igreja de Notre-Dame de Paris, a Saint-Chapelle, com seus vitrais deslumbrantes, Les Invalides, o Pantheon... Olhei somente por fora, mas pude ver lá dentro, com a memória a me trazer tudo de volta.

O frio e a chuvinha miúda, incessante não me impediram de pegar o metrô e ir, mais uma vez, olhar Paris lá de cima. A Sacré Cœur é deslumbrante, mas o encantamento que se desperta na gente em Montmartre não vem somente dela. Bem pertinho, meio escondida, tanto que eu não havia visto antes, está a Place du Tertre, com muitos artistas de rua pintando os turistas deslumbrados com aquela atmosfera. A gente se imagina no tempo em que Montmartre era o centro da arte moderna, lá pelo início do século XX, com tantos gênios exercendo sua arte por ali, a maioria ainda bem pobre. Voltei, realmente, no tempo e me vi imortalizada por Picasso como uma das Demoiselles d’Avignon, acabando “meus dias” pendurada numa das paredes do MOMA, lá em Nova York. Ou, quem sabe, retratada como se eu fora Dora Maar, quando Picasso estava apaixonado e cubista ao extremo.

Quando desci de Montmartre, deparei-me com um enorme cartaz que anunciava, nada mais nada menos, do que um show do Trio Esperança, aquele lá dos anos 60. Levei um susto, agradável, sem dúvida, mas um susto. E lá estava a Evinha, com aquela carinha de sempre e o sorriso característico. No grupo, faltava o irmão, mas, para compensar, a nova componente deve ser uma outra irmã. No show marcado para o final do mês de janeiro, lançaram o novo CD, dessa vez interpretando de Bach a Jobim. Enfim, estão lá na Europa há décadas, apresentando-se para os que apreciam nossa música.

Com essa história, fiquei curiosa sobre o destino dos Golden Boys, os outros cantores da família, que seguiam a linha dos The Platters; e lá fui eu para o Google. Como sempre que consulto a rede, acabo esbarrando em mil problemas, pois aparecem informações sobre quase tudo que apresenta semelhança com o que se procura, um universo inacreditável. Depois de alguma procura e um pouco em dúvida, entendi que os Golden Boy somente gravaram até 1971.

Museus. Não vou mais ao Louvre, pelo menos por mais uns belos anos. Parece uma heresia, mas confesso que seus 17 quilômetros de galerias me aterrorizam. Informação demais ao mesmo tempo e, nesses casos, ouso dizer que o que abunda prejudica... As visitas anteriores, inúmeras, já me bastam. Bianca, minha caríssima amiga, sugeriu o Museu Jacquemart-André, uma jóia que a gente encontra no Boulevard Haussmann, perto de Charles de Gaulle-Étoile. Encantou-me a luxuosa residência, bem característica do século XIX, com uma preciosa coleção de pinturas da renascença italiana e da pintura francesa do século XVIII, isso sem falar nas importantes obras de pintura flamenga. Vale conferir.

Outro lugar imperdível é o Museu Nissim de Camondo, na Rue de Monceau. Na mansão do princípio do século XX, modelada a partir do Petit Trianon de Versailles, encontramos o que há de melhor em mobiliário e objetos de arte. Seus proprietários, a família de um banqueiro judeu, tiveram um destino bastante trágico na Segunda Guerra, e deles somente restou esse museu. O ser humano, em geral, carrega em si o gérmen do que há de mais nobre e de belo, mas alguns trazem o que há de mais abominável, e a História fica manchada de sangue para sempre.

No Les Arts Décoratifs, pude ver a exposição sobre Madeleine Vionnet, considerada, por alguns, mais talentosa do que Chanel. Todos se mostravam encantados com suas criações, aparentemente simples, mas que são fantásticas, com drapeados que ficaram famosos. Um outro mundo, esse da moda, mas não menos fascinante...

Mais um ponto alto da viagem foi a exposição “Personne” do conhecido artista francês Christian Boltanski. Eu ainda não havia visto o Grand Palais depois da reforma e fiquei maravilhada. Poucos lugares oferecem tamanho desafio a um artista. Considerada uma obra prima da engenharia, com o maior telhado de vidro da Europa e sua estrutura de ferro com paredes de pedra, esse espaço faz com que tudo que aconteça ali ganhe uma força ainda maior.
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Boltanski, sabemos, é um artista polêmico. Essa montagem representa o Holocausto e, realmente, atinge o espectador no estômago. Ouve-se, ao fundo, o som repetitivo de um “tam-tam” que vai atordoando os visitantes com uma força indescritível e que, logo, logo, beira o insuportável. É composto do batimento de 69 corações, difundido por alto-falantes instalados em pontos estratégicos. Alguns críticos dizem que o tipo de experiência artística que ele traz nessa exposição serve para manipular emocionalmente quem a vê e discordam. Não vou entrar na discussão por não entender do tema, mas devo confessar que Bianca e eu sentimos o peso daquilo tudo. Saímos de lá e fomos direto ao Ladurée, bem pertinho, para tomar um chá, ou melhor, uma taça de champagne, que ninguém é de ferro e, de certa forma, precisávamos mudar de ares e de assunto.

Como Paris não se esgota, tudo o mais que tenho a falar vai ficar para uma outra vez, em conversa sobre cinema, teatro e ótimos restaurantes.

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