segunda-feira, 3 de maio de 2010

ANDAR DE BICICLETA, DANÇAR E ... A GENTE NUNCA ESQUECE
Maio de 2010.


Depois de quase um ano sem participar do grupo de line dance do Senior’s Center de League City, voltei semana passada disposta a reaprender cada coreografia. Tinha saudades daquelas manhãs animadas, quando eu, além de exercitar minha perna prejudicada, aproveitava para dançar conforme a música. Eram valsas, charleston, country music, pop music; enfim, os mais variados ritmos.
Cheguei mais cedo um pouco e encontrei apenas uma senhorinha, de uns oitenta anos, muito animada, cabeça toda branca, que logo veio falar comigo. Perguntou-me se era minha primeira vez, e eu contei que frequentara o grupo por cinco meses, mas que tinha ficado muito tempo no Brasil, meu país. Foi super simpática, como todos quando conto de onde venho. Apresentou-se como Irene e foi logo me contando que tinha começado no início de janeiro, por insistências dos filhos, que não queriam mais vê-la enfurnada em casa.
Logo chegaram outros tantos “seniors”, alguns meus conhecidos. Entrou Diana, novata também, uma setentona de belo porte. E aí Irene, na maior sem cerimônia, foi logo perguntando como era mesmo o nome dela, pois não se lembrava e o esforço sobre-humano que fez não adiantou nada. Aproveitou para propor que todos sempre se reapresentassem ao chegar, para evitar constrangimentos. Ninguém podia se esquecer da idade dos componentes do grupo, todos, provavelmente, com memória fraca... Achei interessante essa auto-avaliação. O mais interessante é que a memória não funciona muito bem, mas a dança saiu perfeita! Ela não perdeu um passo!
Desde que acordara, estava preocupada, imaginando a terrível performance que apresentaria no meio de tanta gente mais velha do que eu, alguns bem mais velhos mesmo e que, pelo que me lembrava, faziam tudo muito bem. Eu pagaria um “mico” sem tamanho indo para a esquerda quando era para dançar à direita, e daí por diante.
Qual não foi minha surpresa ao perceber que conseguia executar a maioria dos passos com a bastante desenvoltura! Melhor dizendo, com razoável desenvoltura. Fiquei muito animada. E, para completar, Ruth Ann, que é a professora, anunciou no microfone que The Girl from Ipanema estava de volta. Depois dos animados aplausos e do rosto roxo de vergonha, continuamos a aula. Confirmei, mais uma vez, que tudo na vida é relativo - no meio de tantos idosos, acabei sendo a “garota”.
No final da aula, ainda sobrou conversa, e ficaram todos trocando idéias e se divertindo muito. As risadas eram deliciosas. A iniciativa de oferecer, aos idosos, atividades variadas, além da oportunidade de estarem juntos, é tão louvável, que fico penalizada de não termos, no Rio, algo parecido. É cobrada uma taxa de um dólar por cada participação, para ajudar na gasolina do professor. São todos voluntários e, ao final de cada aula, recolhem da cestinha o que foi “pago”. Ninguém controla - se pagar, pagou, se não pagar, não faz a menor diferença.
A organização é das melhores. Hoje, recebi a programação do mês e, para minha surpresa, vi indicado, no dia 11, o meu aniversário! Tudo feito, sem dúvida, com o maior carinho. Tem um grupo que vai só para jogar bridge, aquarela, desenho, mas a maioria vai mesmo para a line-dance, sapateado, jazzercise, e para a tal da Zumba Gold, que ainda não assisti, mas ouvi dizer que é a mistura das danças latinas – samba, merengue, salsa... Estou curiosa. Não sei se meu piloto automático vai funcionar nessa aula.
Domingo passado, fizemos uma apresentação de line-dance para doentes do M.D. Anderson Hospital’s, no hall do “hotel” que a Fundação Jesse H. Jones mantém para os pacientes que não moram em Houston. Enquanto estiverem em tratamento, ficam hospedados, sem pagar pelo quarto, em acomodações que me lembraram o Hilton Garden Inn, onde fiquei em Austin! Tipo hotel 4 estrelas! Fiquei impressionada. Em tempo, essa é a maior fundação privada do Texas, mantendo inúmeras atividades filantrópicas.
É claro que eu só me apresentei nos primeiros números, aqueles mais fáceis. Embora a “platéia” soubesse que éramos um non-professional group, de velhinhos animados e de boa vontade, eu não estava disposta a me expor ao ridículo. Quando começaram os números mais complexos, fui me juntar aos doentes que assistiam o “show” e aproveitei para aplaudir bastante cada dança apresentada. Enfim, levamos um pouco de distração a eles, e isso valeu a pena.
Aproveitadora de primeira linha, nesse grupo de seniors faço, ainda, aula de pintura com aquarela e de desenho. Hoje, a aula foi sobre perspectiva. Tive que desenhar um prédio visto de uma esquina, com postes de iluminação numa das ruas laterais. Acreditem ou não, fiz o melhor desenho de todos os participantes! Podem imaginar a falta de jeito do resto do grupo. Enfim, diverti-me enquanto estava lá, usei os meus “Tico” e “Teco” e saí me sentindo ótima. Lembrei-me das aulas de Desenho no curso ginasial do Instituto de Educação, com a Prof. Maria Elisa, que só faltava dar um tiro na cabeça quando via meus trabalhos. Não sei se o tiro seria na cabeça dela ou na minha. Acho que tudo que ela me ensinou estava guardadinho lá dentro, e eu fui soltando quando chegou a hora certa. Valeram as broncas pelos péssimos desenhos que fazia naquela época.
Depois do susto com o acidente de trânsito, em que vergonhosamente me atrapalhei com a inexistência de embreagem, estou dirigindo como se tivesse tido, sempre, carros automáticos. O processo já se incorporou ao cérebro, e nem presto mais atenção. Ao sair com minha neta Jade para que ela pratique o que vem aprendendo na auto-escola, fiquei ainda mais encantada com o sistema nervoso extrapiramidal. Ela está na fase de incorporar as informações ao dela... ainda tem que pensar para executar cada manobra. Mas, depois de algum tempo, vai poder, como todos nós, ir lá pegar de volta as habilidades quando bem entender. Isso é bárbaro.
Hoje, munida de toda a coragem, comecei a frequentar o grupo de sapateado. Vi entrar um senhor, provavelmente com mais de 80, que andava bem curvadinho, com os joelhos um pouco dobrados. Ele, simplesmente, pertence ao grupo de sapateado e, para minha melhor surpresa, executa todas as coreografias! Eu, entretanto, na minha primeira vez, apenas consegui fazer um barulho danado com os sapatos tacheados. Foi uma delicia ouvir o som... quando fechava os olhos, parecia que eu estava acertando todos os passos. Sentia-me herdeira de Ginger Rogers... faltava somente o Fred Astaire. Viva esse sistema nervoso extrapiramidal! Enquanto o de Patrick, o tal senhor, funciona perfeitamente para o sapateado, o meu ainda tem um longo caminho a percorrer.
Fiquei, então, pensando em quantas coisas a gente faz com a ajuda desse “piloto automático” extrapiramidal, e das quais nunca nos esquecemos. Sempre ouvi dizer que andar de bicicleta é uma delas. Nadar, escrever, também. Eu posso pensar em outras tantas que a gente nunca esquece, algumas delas muito interessantes... Não sei se é o tal do sistema, mas basta começar que tudo volta e o desempenho não fica nada a dever ao passado, remoto ou próximo. Não faz diferença! Podem acreditar! E aproveitar... Bendita memória muscular!

5 comentários:

  1. Sabe que adorei este teu texto?
    É um recordar de infância, um desenrolar de vivências, um deixar a memória se abrir...
    É verdade, nunca mais se esquece andar de bicicleta, dançar, beijar...
    Bjs
    Raul

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  2. ...fui apresentado às suas cronicas pela Heloisa Macedo ...adorei!!!
    ...ela me incentivou a partilhar consigo minhas reflexões sobre viagens ...aí vai
    www.acsimastp.blogspot.com

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  3. Oi Ana aqui e Luiza filha da Regina Lucia , adorei sua cronica. Quero ler sempre suas publicacoes e assim tomar inspiracao para comecar a escrever sobre esta minha vida fora de meu pais que venho levando a tres anos. Muitos beijos

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  4. It is so good to feel we are welcome ,especially in a foreign country. I also think that is an example to be followed in involving older people dancing. dancing brings fun and a warm atmosphere and a very good feeling. I hope your writings will inspire others to follow.

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  5. Ana
    Fico super feliz em saber que você está fazendo o que nunca fez na vida, se divertir em vez de trabalhar tanto. Sou testemunha de como vc se virou, e, assim, deu certo na vida. Curta bastante os bons momentos. Dance,dance,dance...

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