quarta-feira, 12 de maio de 2010

O PARAISO PERDIDO
Maio de 2010.


Os primeiros que o perderem foram Adão e Eva. Essa história da maçã e da serpente é uma grande complicação. A versão dada pela cultura judaico-cristã é aquela que conhecemos bem - eles foram proibidos de comer o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal; como desobedeceram, acabaram expulsos, deixando-nos, como herança, o pecado original. Eduardo Duseck, em seu CD Adeus, Batucada, canta que, por causa da serpente tentadora, o nosso Mestre os expulsou do Paraíso, mas que, para compensar, o coração de Adão, que era pobre, pobre de amor, cresceu e multiplicou o delicioso pecado original.
Já segundo o Alcorão, Deus acabou perdoando os dois, que vieram para a Terra como seus representantes. Adão é considerado um Profeta, na tradição islâmica. Interessante também é que uma das correntes dessa religião, corrente bastante importante, não considera que teria sido Eva a induzir Adão ao pecado. Ambos seriam responsáveis pelo que fizeram, enquanto que, para cristãos e judeus, Eva, pelo que fez, tornou as mulheres para sempre “culpadas”.
Descobri, para minha surpresa, que a versão sobre os filhos de Adão e Eva no Islamismo assemelha-se bastante ao Caim e Abel da Bíblia. Dentre outras coisas em comum, deparei-me com os Anjos Gabriel e Miguel atuando junto a Deus, e vi que, além do Adão, Noé, João Batista, Moisés, Abraão e, nada mais, nada menos, do que Jesus Cristo de Nazaré são profetas citados no Alcorão! E ficamos brigando em nome de um Deus que é, reconhecidamente, o mesmo para todo mundo!
Quanto a essas duas figuras na arte e na literatura, soube que, num determinado período, muitos pintores entraram em crise. Como colocar “umbigos” em Adão e Eva, se eles não nasceram com um cordãozinho que os ligasse ao útero materno? Alguns artistas, então, procuravam disfarçar essa área do corpo dos dois, cobrindo com a mão ou com folhas de parreira, para não terem que, de certa forma, posicionar-se quanto a essa questão. Curiosa, fui conferir num livro a “Criação de Adão”, de Michelangelo, aquela no teto da Capela Sistina, e que é uma das pinturas que mais me tocam a alma. Ali, encontrei o umbigo.
Na literatura, também são personagens contados e recontados através dos tempos. Talvez John Milton tenha feito a mais completa “reportagem” sobre a vida deles, em seu célebre poema épico “Paradise lost”, do século XVI. Quem sabe um dia eu me aventuro e vou ler por inteiro sobre essa perda do Paraíso? Deve ter detalhes bastante interessantes...
O tempo passou, e a palavra “paraíso” ganhou outros tantos significados, a maioria sem qualquer sentido religioso. Aqui na Terra, cada um de nós tem o seu, ou melhor, os seus, dependendo a qual compartimento do dia-a-dia pretendemos nos referir. Quando alguma coisa nos agrada muito, acabamos qualificando como um paraíso.
Tem o fiscal, por exemplo, muito em moda atualmente... Esse é objeto do desejo da imensa maioria, mas enquanto alguns poucos chegam lá, os comuns dos mortais não têm a menor idéia para que lado fica. Em Brasília, estão alguns que sabem, e o que nós, cidadãos, sabemos muito bem é de onde sai o dinheiro que vai para esse tipo de paraíso... do nosso bolso, mas para a conta deles!
De vez em quando, a gente ouve falar de algum político que está ameaçado de perder o que colocou nesse “Jardim do Éden”. Mas se trata, sempre, de mera ameaça... Como pertencem a um grupo muito unido, todos acabam conseguindo preservar o que consideram de sua propriedade... Para eles, é um paraíso imperdível!
Nessa semana, tomei conhecimento de uma das mais terríveis perdas de paraíso que alguém pode sofrer - Helena, uma lourinha de 5 anos que mais parece um anjinho barroco, linda, com um sorriso aberto e sincero, é filha de um dos alunos de jiu-jitsu na academia do Vinicius. Como nem sempre o pai tem com quem deixá-la enquanto treina, ela ajuda Mônica no escritório, escaneando os cartões de presença dos alunos para depois guardá-los na mais perfeita ordem alfabética. Uma menina esperta, comunicativa, encantadora. Pois não é que está fazendo um cursinho de 3 dias para aprender a evitar seu próprio seqüestro? Isso é, realmente, inacreditável! E, por mais terrível que possa parecer, é real. Como o número de crianças seqüestradas nesse país é significativo, existem esses treinamentos. Enfim, dói ver que as sociedades são tão cruéis com suas próprias crias que precisamos fazê-las amadurecer antes da hora e roubar-lhes, assim, o paraíso da inocência.
E temos as aves-do-paraíso, um grupo com mais de 40 espécies diferentes. A plumagem dos machos é a característica marcante desses pássaros, enquanto as fêmeas apresentam uma cor muito da sem graça. Acredito que sejam todas dotadas de uma grande beleza interior, que é o prêmio de consolação que todos oferecem para nós que não nascemos Giselle Bündchen – dizem que o que conta, na verdade, é a beleza interior. Acreditar? Talvez seja bom... Em contrapartida, os machos são normalmente solitários, enquanto as fêmeas estão sempre em grupo, desfrutando de uma bela vida social.
Essas aves perderam o paraíso quando os europeus chegaram aos seus habitats, lá pelos lados da Austrália e Nova Guiné. Mataram todas as que puderam para tirar suas penas e, assim, enfeitar os chapéus das madames, ou para exibi-las aos amigos, já taxidermizadas. O resultado é que existem, hoje, de uma dessas espécies, pouco mais de 10 exemplares no mundo! Enfim, mais um paraíso perdido.
Eu, recentemente, perdi o maravilhoso paraíso dos queijos, dos sorvetes, enfim, de tudo que é feito com leite ou um de seus derivados. Estou com a tal da intolerância à lactose, por falta da enzima lactase. Acho que ainda se trata de mera intolerância, não um caso de alergia, que seria muito mais complicado. Mas não deixa de ser deveras desconfortável. Tenho que escolher com muito cuidado o que vou comer nos restaurantes, por exemplo. Na casa dos outros, pior ainda. Fácil imaginar a saia justa quando a anfitriã aparece trazendo, como prato principal, por exemplo, uma enorme travessa de um Fettucine Alfredo... ou uma pizza aos quatro queijos. O fato de não comer essas delícias é uma frustração daquelas, e que vem acompanhada da desconfortável necessidade de explicar a razão da recusa... sinto-me quase uma hipocondríaca. E a realidade é que estou sentindo uma falta danada de um sundae de caramelo com duas enormes bolas de sorvete de creme! De um estrogonofe com muito creme de leite, de morango com creme... de muita coisa mesmo.
Pois é, cada um de nós já perdeu um paraíso, ou até mais de um... porém, podemos ter certeza de que tem sempre um outro ali na frente, esperando para dar o bote e nos fazer feliz. A gente precisa é reconhecer... e ir atrás, arriscando. E saber que não vem pronto, não, há que se trabalhar nele... Prontinho, foi só para Adão e Eva... E eles jogaram fora, justamente por não terem ajudado a construir... quem recebe pronto não dá valor. E mais, uns paraísos, para nos deliciarem depois, dão mais trabalho do que outros! Há que perseverar!
Cá entre nós, mesmo tendo perdido o paraíso dos queijos e de tantas outras coisas, continuo achando a vida um verdadeiro paraíso!

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