quinta-feira, 21 de abril de 2011

NOVAS DESCOBERTAS

Nos Estados Unidos, ninguém precisa de dinheiro... precisa mesmo é de crédito. Tudo pode ser comprado a prazo, a longo prazo. A dificuldade se encontra mesmo é em construir um histórico para empréstimos e parcelamentos. Como os juros sempre variam, não só de financeira para financeira, mas também de pessoa para pessoa, é fundamental estabelecer de vez um bom nome. Para começar, faz-se um depósito para garantia do banco que lhe oferece um cartão de crédito. Gasta-se até aquele limite e, quando chegar a fatura, é preciso fazer o pagamento integral. O valor garantido não é tocado e continua como garantia. Não adianta comprar com dinheiro vivo, pagar tudo à vista, como tampouco importa ter um saldo bancário elevado. É preciso comprar a crédito e, aos poucos, ficar “confiável”. Construída a tal história econômica, é só sair comprando e comprando. Para o bem e, principalmente, para o mal.
No Brasil, parece que não é muito difícil conseguir-se um empréstimo. Antes, eram as contas de telefone que garantiam o dinheiro tomado, mas isso acabou com a expansão dos serviços de telefonia. Agora, são os aposentados o alvo fácil das financeiras - basta levar o contracheque e eles emprestam, emprestam... e os coitados dos velhinhos ficam com a renda comprometida de uma forma terrível.
Eu construí “crédito” por aqui apenas conversando. Provavelmente, foi minha “conversa mole” de advogada. Recém chegada a essas praias, quando fui pagar umas roupas de festa de que havia gostado, a vendedora, muito gentil, ofereceu-me o cartão da loja, a Macy’s. Expliquei que não era residente e, por isso, não tinha o tal do Social Security Number, tipo CPF deles. Ela não desistiu e ligou para algum departamento da loja, falou por uns 10 minutos e, então, quem estava do outro lado da linha quis conversar comigo. Foi um papo de quase meia hora... E não é que saí, na hora, com o cartão da famosa loja? Meu filho, mesmo com visto de trabalho, levou um ano para conseguir isso! Para deixar a história ainda mais interessante, confesso que, ao conseguir o cartão, deram-me um desconto extra de vinte e cinco por cento! Dos 400 dólares devidos, arquei apenas com 300!
Como tudo tem dois lados, essa facilidade em comprar tudo a prazo pode ser um tiro pela culatra. Ninguém poupa dinheiro por aqui. Há um comprometimento quase integral do que se ganha com prestações e novas aquisições... Como consequência funesta, na terceira idade a coisa fica complicada. Quase ninguém tem uma reserva estratégica para as emergências que teimam em aparecer.
A aposentadoria máxima oferecida pelo INSS no Brasil é, hoje, de cerca de R$ 3.500,00. Aqui, o valor repassado pelo sistema do Social Security também varia muito, do mesmo modo dependendo do tempo e do valor da contribuição. Não descobri quanto é o máximo ou o mínimo. Em princípio, seria uma complementação ao que as pessoas teriam poupado em vida, mas alguns tantos vivem mesmo com esse dinheiro como renda única.
O sistema previdenciário é muito mais rígido no país do capitalismo. Não há hipótese de alguém receber pensão como viúvo ou viúva antes de fazer 60 anos! Se o cônjuge morreu e você ainda não chegou lá, pode tratar de arranjar um emprego para se sustentar. Filhos até 18 anos são protegidos, é claro, e recebem. Somente após tornar-se sexagenário, você poderá requerer. E, quando fizer 62, se quiser pleitear sua própria aposentadoria (80% do valor que seria), terá que abrir mão da pensão pela viuvez, Aposentadoria integral é concedida aos 65, caso não tenha pleiteado antes. Se a pessoa for deficiente ou portadora de doença grave, terá um auxílio em razão disso, auxílio esse que nunca poderá se somar a qualquer outro tipo de pensionamento. Os militares, tenho certeza, podem acumular. Quantos aos funcionários públicos, já não sei, mas acho que também são beneficiados.
Como no regime francês, o governo americano só repassa, aos viúvos um percentual do valor que caberia ao instituidor da pensão, caso estivesse vivo – não há repasse integral. Aqui, são 71,5%. É claro que você pode escolher a que lhe dará maior renda – sua aposentadoria ou a pensão parcial. Se, eventualmente, no meio do caminho decidir mudar de fonte, já que a outra se tornou mais atraente, será para todo o sempre... Nada de arrependimento – trocou uma vez, sem chances de voltar atrás.
Enquanto isso, no Brasil, é uma festa. Tem gente com 3 fontes de renda, entre as pensões e aposentadorias. Pobres cofres públicos... não há orçamento que resista à tamanha sangria.
Essa é a razão para que muitos idosos aqui nos Estados Unidos trabalhem até os oitenta e poucos anos. Gastam tudo durante a vida inteira, e acaba não sobrando nada. A sorte é que os empregadores, para determinados cargos, não se importam com a idade dos candidatos, e sempre há oportunidade nas lojas. Vejo-os sempre muito animados desempenhando suas funções. De certa forma, sentem-se úteis e aproveitam para se distrair.
Além de não fazerem poupança, muitos americanos compram muito, mas muito mais do que precisariam em suas vidas. Ficam, então, sem lugar para guardar tanta bugiganga. Foi quando entendi para que servem os milhares e milhares de “storages” pelo país afora. Nas incontáveis viagens que fiz por aqui, mesmo quando deixava as vias principais, em busca das surpresas que as pequenas estradas oferecem para os mais atentos, deparava-me, no meio do nada, com esses depósitos. Neles, são guardados os objetos que já não cabem nas casas e que não são mesmo muito importantes. E mais! Por incrível que pareça, as garagens americanas não guardam os enormes e incrementados carros que vemos pela estrada a fora. Ficam estacionados nas ruas, ao relento, enquanto grande parte da tralha acumulada fica no espaço projetado para eles. Cada sociedade com suas próprias manias e práticas.

Sobre essas empresas de depósito, descobri que, além de seguro, frete grátis, e outras tantas facilidades, algumas oferecem compartimentos climatizados. Dez metros cúbicos custam 50 dólares por mês, e são do tamanho suficiente para guardar toda a mobília de um apartamento de cento e poucos metros quadrados. Pelo menos, é o que diz a propaganda. No Brasil, para o mesmo espaço, paga-se cerca de 200 reais. Continuo com a sensação que somos um povo muito mais rico do que o americano. Pensando bem, em muitos aspectos, somos mesmo!
Outra diferença que percebo é a dificuldade que as famílias têm em obter ajuda no cuidado com os filhos pequenos. Uma babá profissional, a “nanny”, custa uma fortuna, e o orçamento da classe média não comporta um gasto desse tamanho. A figura da babysitter é diferente, pois atua esporadicamente, em geral nas sextas e sábados, quando o casal tem compromisso à noite ou quer um pouco de privacidade. Os adolescentes aproveitam para complementar a mesada fazendo esse trabalho, na base de dez dólares por hora, valor de Houston. Ouvi dizer que, em Nova York, o preço dobra. Jade, minha neta que chegou aqui com 13 anos, conseguiu comprar o laptop dos sonhos em pouquíssimo tempo. Os três garotinhos levados que foram seu teste de fogo não deixavam por menos. Logo, logo, porém, conseguia dar conta do recado sem pedir orientação pelo celular de meia em meia hora. E a atividade de babá rendeu-lhe belos trocados.
Falando em salários, e como estamos no mês de eleições para prefeito e vereadores, saí em busca de dados sobre o que ganham os executivos municipais aqui nos Estados Unidos. É claro que vai depender de que cidade estamos falando. Nova York, com 8.400.000 habitantes e League City, com menos de 68.000, apresentam realidades diferentes demais para estabelecermos comparações. De qualquer forma, achei interessante saber que, em NY, o chefe do Executivo recebe 225.000 dólares por ano, podendo, ainda, morar na residência oficial, a Gracie Mansion, um construção datada de 1799.
Uma nota sobre isso – como a casa é mantida com dinheiro público, se o prefeito não for casado, não poderá levar a companheira para morar lá. O atual, Michael Bloomberg, divorciado, mora em outro lugar com a namorada. Tenho mais notícias sobre ele. Não descobri o que alegou, mas declinou dos tais vencimentos que chegam ao equivalente a 400 mil reais por mês. Recebe apenas um salário simbólico de 1 dólar a cada 30 dias.
Em NY, não há vice-prefeito e, na falta do chefe, quem assume é o procurador-geral, que ganha 165 mil dólares por ano. Só para brincarmos com números – o governador de São Paulo ganha 18 mil reais por mês. Fiquei sem saber quanto recebem os prefeitos do Rio e de São Paulo, mas deve ser por aí.
Impossível ter uma idéia mais aproximada de quanto os vereadores americanos ganham, em média, pois a variação não é só entre as cidades... tem lugares em que cada vereador tem um vencimento diferente. Na busca por informações, achei algo que me fez lembrar outro país muito meu conhecido... nosso conhecido. Em Los Angeles, os vereadores têm o maior salário daqui e, em 2009, já ganhavam quase 180 mil dólares por ano. Isso sem falar nas outras tantas regalias das quais não sei detalhes, mas provavelmente do tamanho e tipo daquelas que sabemos premiarem nossos esforçadíssimos legisladores cariocas. Conseguiram chegar a esse patamar graças a uma lei que estabeleceu um aumento periódico automático! Ou seja, está na lei, não há discussão. Enfim, houve uma grita geral, com a população furiosa com a farra em momento de gravíssima crise econômica, mas não sei se surtiu algum efeito.
Embora o mundo esteja globalizado, ainda conseguimos perceber diferenças, não só entre as culturas dos diversos países, como até mesmo de uma cidade para outra distante apenas alguns quilômetros. Em qualquer lugar do mundo, vamos encontrar coisas que poderiam nos servir de exemplo, como haverá um sem número de outras que não gostaríamos que nos “inspirassem”. O Brasil e os Estados Unidos são países de dimensões continentais, e cada pedacinho deles apresenta um jeito de ser e de viver. Não se pode pegar uma cidade brasileira e dizer – essa cidade mostra como o Brasil é. Jamais... cada uma é uma. O mesmo acontece por aqui. Tenho falado das várias que venho visitando, mas posso tecer melhores comentários daqui de Houston, pois não vim meramente como turista. Vivo um pouco a rotina de um cidadão comum e vou descobrindo uma coisa aqui, outra ali... e há sempre uma desculpa para nova escrivinhação.

4 comentários:

  1. Olá!
    O caso da poupança norte-americana é um dos mais discutidos nas aulas de Análise Macroeconômica III, que estou tendo neste período e a conclusão que chegamos é sempre que eles vivem muito mais preocupados com o hoje que com o futuro, que são extremamente imediatistas em seu modo de consumir (o que, particularmente e fora de qualquer princípio econômico, parece-me algo do tipo Becky Bloom Feelings). Concordo quando diz que o brasileiro parece mais rico que o americano, haja vista nossas tributações, que são praticamente as mais altas do mundo.
    Beijo e excelente Páscoa!
    Thaís Gualberto
    http://politicadesaltos.blogspot.com
    http://simplywomanly.wordpress.com

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  2. Ana, a impressão que tenho é a de que você anda com um caderninho na mão...

    Sua memória é privilegiada. Eu não guardaria tantos detalhes...

    Beijo.

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  3. Aqui se diz: "cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso".

    Com a mudança que o mundo ocidental está a sofrer, mais vale poupar que gastar.

    Te desejo Boa Páscoa, querida Amiga

    Teu admirador

    Raul

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  4. Great article. Your training as a lawyer helps to retain so many details. We in the west are paying for years of extravagant spending. It is very unjust to leave the debt for the future generations to pay.
    Well done. Go on observing and writing and communicating to us.

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