quinta-feira, 4 de junho de 2009

NEW YORK, NEW YORK, I AM LEAVING TODAY

NEW YORK, NEW YORK, I AM LEAVING TODAY!
Ana Hertz
Maio de 2009


Visitei Nova York muitas vezes e espero voltar ainda outras tantas. É, sem dúvida, interessantíssima. Não é possível comparar com Paris, Londres, Roma, Rio de Janeiro ou qualquer outra cidade, grande ou pequena, famosa ou não, pois cada lugar tem milhões de coisas que nenhum outro tem. Não se excluem, e o melhor é conhecer tudo!
Em qualquer festa, ao se ouvir o primeiro acorde de “New York, New York”, canção imortalizada por Sinatra e lindamente interpretada por Lisa Minelli, todo mundo sai dançando. São três ou quatro notas inconfundíveis, e devo dizer que, mal ouço, também vou logo para o meio do salão. O fascínio pela música equipara-se ao que quase todo mundo sente pela cidade. Na letra, temos que Nova York nunca dorme. Fiquei, agora, em um hotel bem em Times Square e é isso mesmo. Já quase de manhã e ainda se vê gente com cara de que vai emendar. Ouvem-se um sem número de línguas, os traços raciais são os mais variados, alguns parecem saídos de outra fauna; enfim, a diversidade impera, mas não menos que o entusiasmo.
Em viagens de férias, ficou ainda mais distante da televisão. Tenho muito mais o que fazer. Uma vez por dia, entretanto, gosto de dar uma olhada nas notícias, para não ficar completamente alienada. Numa dessas vezes, vi na CNN Headlines que astronautas americanos estavam fazendo reparos no telescópio espacial Hubble, e era possível acompanhar ao vivo os procedimentos. Fascinante ver quanto o homem conseguiu evoluir, desde Eratóstenes, aquele grego que já sabia que a Terra era redonda e que tinha uma circunferência de cerca de 40.000 quilômetros mais de duzentos anos antes de Cristo. Errou apenas por 500 quilômetros! Quando penso nisso, tenho certeza de que meu Q.I equipara-se ao de uma ameba burra.
Voltando ao telescópio, parece que estava novamente precisando de uma “cirurgia para corrigir a miopia”. E os cientistas deram conta disso. Encantada, via o astronauta dando voltas no espaço, com uma coragem que eu jamais teria, quando o noticiário “aterrissou” em Ohio, numa reunião que parecia o conselho de uma das cidades daquele estado americano... Os conselheiros discutiam se uma jovem, loura e bonita, poderia continuar na frente de uma churrascaria, atraindo a clientela apenas com um biquíni, sendo que, na parte de baixo, ela usava um shortinho jeans. Preciso esclarecer – a “jovem” era simplesmente um manequim de plástico, tamanho natural.
Sei que, hoje em dia, muitos seios que andam passeando por aí também não são verdadeiros, são de silicone, e nem por isso podem ficar muito “à vontade”. Mas preocupar-se com os peitinhos semi-escondidos de um manequim de plástico e, por causa disso, ser convocada uma reunião do conselho da cidade, enquanto o mundo explode com uma crise econômica sem precedentes, e o homem caminha no espaço sideral é, por certo, inconcebível. Mas estava lá, num dos principais canais de televisão, para todo mundo ver. E os responsáveis pelo destino daquela cidade situada num dos principais pólos industriais do país, ciosos de sua responsabilidade em preservar a moral e os bons costumes, votaram pela exigência de que a “mocinha” se vestisse dentro dos conformes, usando, no lugar do biquíni, uma camiseta. E não se fala mais nisso.
Como o tempo estava maravilhoso, e para esquecer o biquíni, fui com minha amiga Bianca passear no Central Park. A natureza naqueles mais de 800 acres, em plena primavera, mostrava-se muito bonita, sobretudo porque jamais comparo o que vejo pelo mundo afora com o que temos no Brasil, ou em outro lugar. Delicio-me com o que está ali sem estabelecer qualquer relação. Ele fica ali porque o terreno pantanoso e cheio de formações rochosas era completamente impróprio para projetos privados, e construir arranha-céus naquela área seria complicadíssimo e muito caro. Virou o primeiro parque público americano. Uma boa troca.
Sentamos num banco e ficamos observando os passantes, absorvendo aqueles momentos relaxantes. Passou por nós, então, um senhor bastante idoso, numa cadeira de rodas empurrada por uma cuidadora. O homem ia de cabeça baixa e olhava a própria mão. Seu olhar, parado como se sem vida estivesse, parecia que tinha ficado preso no passado... ou, quem sabe, mostrava-se vazio porque sofria com a ausência de futuro. A cena tocou-nos de forma indelével. Ainda pensativas, vimos sentar-se no banco ao lado um homem ainda jovem, que devia andar lá pelos quarenta. Sua tristeza transbordava pelos olhos que fixavam o nada, quem sabe pensando no emprego que acabara de perder, ou a crise que o derrotava naquele momento era apenas sua, de mais ninguém. Agarrava-se ao filho pequeno que tinha ao colo como se temesse perdê-lo, como se aquela fosse a última vez que poderia tê-lo nos braços. Foram momentos que nos trouxeram de volta à terra.
Porém, a Ilha da Fantasia, como chamo todo e qualquer destino que escolho para passar alguns dias de férias, voltou a impor-se como um ditador que comanda um exército invencível. Desviamos o pensamento daqueles dois homens e fomos ver STOMP. Simplesmente, notável. Apresentando-se em teatros, na verdade não pode ser classificado como uma peça, um musical ou uma ópera. Por isso, alguns se recusam até mesmo a considerar o show como teatro, alegando que não apresenta as características tradicionais dessa arte. Não há enredo, diálogos, ou falas. Por outro lado, tem mímica e caracterização. Cada personagem apresenta uma personalidade diferente, que se revela, escandaradamente, pela mímica e pela dança. Por isso, devemos considerá-lo, sim, teatro.
Barulho, tira-se de qualquer coisa. Música, não. Até, agora, eu pensava assim e tinha certeza de que, para executar melodias, precisamos dos instrumentos musicais adequados. Estava completamente enganada e, por isso, STOMP é surpreendente. Aquele grupo tira música de vassouras que, aparentemente, estão apenas varrendo o chão, e pessoas lendo o jornal nos fazem querer dançar. E quando brincam em abrir e fechar isqueiros? Quem ainda não viu, não sabe o que está perdendo.
Adorei passear no SOHO, o famoso cast-iron historic distric, e fiquei me lembrando de que o aluguel já foi super acessível, tanto que muitos artistas se mudaram para lá por causa disso. Hoje, impossível para eles. Quem está lá agora? Griffes como Armani, Prada, Mark Jacobs... um luxo de lojas, num contraste fortíssimo com algumas edificações ainda não recuperadas e que denunciam a decadência que se viu anos atrás. Aproveitamos para almoçar no conhecido Fanelli’s Café, que é uma delícia com seu ambiente acolhedor, do século XIX, com fotos nas paredes de várias gerações de boxeadores americanos, que faziam dali um ponto de encontro. No bar, por certo, só homens... mulheres eram permitidas apenas no salão cuja placa ainda se vê: Ladies and Gents Room.
Esperto o holandês que comprou a ilha dos índios, no início do século XVII, pelo que hoje seriam cerca de sessenta e cinco dólares. Bem, assim contam alguns. E nasceu a Nova Amsterdam. O italiano que primeiro pisou nessas terras, em 1524, não teve a mesma idéia, provavelmente porque não podia imaginar no que se tornaria. A bem da verdade, os holandeses aproveitaram muito pouco. Logo, logo, os ingleses vieram e a ilha virou Nova York, isso em 1664. Martin Scorcese contou maravilhosamente a saga dessa cidade no século dezenove, em seu filme “Gangues de Nova York”.
Apesar de todos os passeios, essa cidade também me entristece, por causa do 11 de setembro. Fui ao Ground Zero e fiquei me perguntando - como a gente se esquece, com tanta freqüência, de nossa humanidade? Ver aquele evento recontado me fez pensar na história do homem, com suas guerras, atos de intolerância, de desrespeito, descaso, invasões, pequenos assassinatos a cada dia em cada canto do mundo, provas da mais completa insanidade. Quando apresentamos uma “desculpa” para um ato desses, com base em “culpas” anteriores dos terceiros atingidos, perdemos a razão. Ficamos iguais aos que acusamos. Pura perda de tempo tentar me convencer do contrário.
Nessa visita a Nova York, comemorei mais um aniversário, na companhia de Bianca, que veio da Itália para a data, e Aloísio D’Aguiar, um excelente músico brasileiro que mora aqui há 30 anos, irmão de minha amiga Rosa e que se apresenta, atualmente, também no Via Brasil, na 46. Fomos jantar no Serafina, ali na Broadway, que faz parte de uma cadeia de restaurantes italianos bastante conhecida. Servem pratos bem gostosos, apresentam uma carta com bons vinhos, os garçons são super atenciosos... e têm uma sobremesa maravilhosa! Dividimos, os três, um petit gateau daqueles! Saímos felizes de lá. Não tem erro. Caso estejam por aquelas bandas, podem ir sem qualquer susto gastro-econômico.
Tenho evitado museus muito grandes. Tornam-se cansativos e, depois de algum tempo, por causa do excesso de informação, você já não está vendo mais nada direito. Como já visitei o Louvre, o Metropolitan e o British Museum mais de uma vez cada um, agora procuro os menores, tendo algumas boas surpresas. Geralmente, são em casas belíssimas, por si só verdadeiras obras de arte, transformadas em museus quando seus proprietários morrem e assim o determinam. A Frick Collection é uma delas. Fica na 70th. Street e tem peças incríveis. Vermeer, Turner, Degas, eles estão todos presentes, em pequenas gotas como devemos usar os melhores perfumes.
No Guggenheim, apenas visitamos a lojinha do museu, ainda em reforma para a comemoração de seus cinquenta anos. E nova visita ao MoMA também ficou para uma próxima vez. Foram apenas 4 dias que passaram sem a gente sentir. Só não saí com muita pena, porque embarquei para Chicago, em nova aventura. E sei, também, que vou voltar um dia, para rever Nova York, com todas as suas dores e com seus grandes amores.

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