sexta-feira, 26 de junho de 2009

CHICAGO, CHICAGO
Ana Hertz
Maio de 2009


Conhecia Chicago através dos incontáveis filmes que vi sobre a “cidade sem lei”, como ficou conhecida durante a Lei Seca. E de Nova York emendamos, eu e Bianca, direto para lá.
Deve ser o frio que assusta os turistas brasileiros, pois não se ouve muito o Português por aquelas freguesias. Em 1982, chegou a fazer 33 graus negativos. Basta deixar para ir em maio, junho, quando o clima é bem ameno... vale realmente a pena!
Somente perto do século XIX veio o primeiro forasteiro para estabelecer-se na área povoada pelos índios. Jean-Baptiste DuSable, mestiço com pai francês e mãe de origem africana, estabeleceu o primeiro posto comercial na região, tornando-se o “pai de Chicago”. Li que Illinois foi o primeiro estado americano a assinar a abolição da escravatura, honrando, por certo, as origens de Chicago.
A cidade se desenvolveu rapidamente, o que atraía novos moradores o tempo todo, na eterna busca pelo sucesso... até que uma vaca interrompeu o processo. Com um coice, derrubou a lâmpada a óleo que iluminava o celeiro onde estava, e o fogo espalhou-se com uma rapidez e força incontroláveis. E a próspera cidade, em poucas horas, resumia-se a 6 edificações. Todo o resto havia sido destruído, noventa mil pessoas não tinham mais nada, e trezentas estavam mortas.
Na verdade, ninguém sabe se foi a vaca mesmo, ou se foi seu “acusador” quem causou o desastre. Daniel Sullivan era um bêbado conhecido, e foi ele a “testemunha” da estranha história do coice. Como sabemos que não importa o fato, o que vale é a versão, a tal vaquinha teve muito mais do que 15 minutos de glória. Ficou para a história como a causadora do grande incêndio de Chicago em 1871, e seus donos, os “O’Leary”, também tiveram sua fatia da fama.
Honrando um de seus mais famosos apelidos, Chicago, a “Big Shoulders” City, já estava, em 1875, praticamente nova de novo, sem sinais da destruição que sofrera. E em 1893, com todo o orgulho abriu suas portas para uma exposição internacional em homenagem aos 400 anos da chegada de Colombo ao Novo Mundo. Um pedaço de terra pantanosa foi transformada na “White City”, com prédios, estátuas e fontes. Por seis meses, atraiu mais de vinte e sete milhões de visitantes, o que foi um sucesso, já que, na época, a população americana era de cinquenta e poucos milhões.
Chicago teve um grande desenvolvimento também graças à malha ferroviária construída a partir dali. Não sei se o guia exagerou, mas disse que todos os trens que transitam pelos Estados Unidos devem, obrigatoriamente, passar por Chicago. Achei o rapaz meio “bairrista”, mas não consegui conferir a informação.
Outra coisa interessante que descobri - chegam a 64 os agraciados com o Prêmio Nobel que cursaram a Universidade de Chicago. Lembro-me, quando estive na Alemanha, que a Universidade de Humbolt tem 32 laureados. Isso mostra como Chicago está na frente! Tenho certeza de que a maioria de nós não conhece nem um centésimo desses premiados, mas sei que um dos mais famosos moradores de Chicago desperta, até hoje, um estranho fascínio em muita gente. Al Capone é considerado o mais famoso gangster americano de todos os tempos e o grande símbolo da podridão que imperava por ali durante os anos vinte. Por que o ser humano se sente atraído pelo desviante? Os gênios são desconhecidos e ele ganhou a “imortalidade”.
Scarface, como também era conhecido, havia feito tanta confusão em Nova York, onde morava, que seu chefe o mandou para Chicago esperar que as coisas voltassem aos seus lugares. Nova York, sem dúvida, recuperou-se, enquanto Chicago... Como se bem sabe, os prefeitos, policiais, políticos, estavam todos ligados a ele.
Vimos um dos prédios onde manteve, durante anos, seu quartel-general. Imponente, representava perfeitamente a arquitetura dos anos 20, quando Chicago explodiu com construções belíssimas. O que foi produzido naquele período, com inovações estéticas e tecnológicas, ganhou o nome de Escola de Chicago. Com a utilização do aço na estrutura das construções, surgiram os arranha-céus que são, a cada dia, mais altos. Mesmo eu, analfabeta em arquitetura, fiquei simplesmente extasiada com o que vi.
Bianca tinha ouvido falar num restaurante instalado no nonagésimo-quinto andar de uns dos prédios mais altos de Chicago, a John Hancock Tower. E fomos experimentar “The Signature Room on the 95th”. A noite estava clara, sem uma nuvem sequer, e ver as luzes da cidade a perder de vista foi, sem dúvida, fantástico. Adoro ver as coisas de um plano mais elevado, o que não significa complexo de superioridade ou algo parecido. Resume-se à preferência pela possibilidade de ver a paisagem de uma forma mais completa.
Voltando ao restaurante. Comi, pela primeira vez, um peixe chamado halibut, e o prato se chama Roasted Alaskan Halibut . Foi no Google que descobri que é da família do nosso linguado, mas em tamanho gigante. Vive nas águas do Pacífico e pode beirar os duzentos quilos. Não foi uma escolha, pois não tinha a menor idéia no que resultaria meu pedido, mas acertei em cheio. Bianca escolheu um prato com quinoa, mas não foi o jantar de seus sonhos.
Mais um famoso de Chicago - Barack Obama, o primeiro afro-americano a ser eleito presidente. O detalhe é que não nasceu na cidade, e sim no Havaí, mas foi para a “windy city” após concluir o curso em Harvard. Professor de Direito na famosa Universidade, virou “filho de Chicago”, pois foi onde iniciou sua carreira política..
Ficamos maravilhadas com o Millenium Park. Inaugurado em 2004, abriga o mais sofisticado teatro ao ar livre dos Estados Unidos, que realmente impressiona pelo design. E a escultura de forma elíptica que vimos num dos recantos do parque, por sorte inaugurada dias antes, é extraordinária. “The Bean”, do artista inglês Anish Kapoor, foi construído com placas de aço altamente polido, transformando-se em um verdadeiro espelho que reflete o céu, as nuvens, os arranha-céus e os visitantes, que podem tocar a peça, olhar-se, fotografar-se (como fizemos); enfim, uma escultura viva que, a cada centímetro para cima, ou para o lado, a cada minuto, mostra um mundo um pouco diferente. A nuvem passou, veio outra mais branquinha, o homem que olha, admirado, já se vai, dando lugar a criança que brinca com a própria imagem... Como diziam Lulu Santos e Nelson Motta – “...tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo”. Bastante interessante.
Dentre alguns fatos sobre a cidade, achei interessante mencionar que o Chicago River corre para trás! Por motivos de saúde pública, em 1900 foi construído um canal que possibilitou a proeza, e a cidade tem, por certo, um rio sem poluição. O Michigan Lake, muito bonito, é o maior lago do mundo que se localiza num único país. Por outro lado, vale ressaltar - o primeiro restaurante Mcdonald’s foi montado aqui, e poderíamos ter ficado sem isso. A primeira reação nuclear em cadeia foi produzida na Universidade de Chicago. Uma tragédia para a humanidade.
Chicago tem mais de 40 museus, 150 teatros e mais de 600 restaurantes. E foi num deles, Petterino’s, que eu, mesmo não sendo Terezinha de Jesus, de uma queda fui ao chão. O lugar é ótimo, bem no distrito dos teatros, a comida, o vinho e o serviço bem bons... eu recomendo! Mas o chão estava super escorregadio. Resumindo a ópera – dei um mal jeito naquele joelho que quebrei há dois anos, e acabei precisando de joelheira e fisioterapia por 40 dias. Não fiquei presa por causa disso, mas realmente perdi um pouco a mobilidade nos primeiros dez dias. Para minha agradável surpresa, o seguro do restaurante pagou tudo! Nem foi preciso ir atrás deles. No dia seguinte ao tombo, ligaram-me da Seguradora e ficou tudo resolvido. Minhas despesas com RX, joelheira e taxi foram reembolsadas através de um cheque, e o fisioterapeuta recebeu diretamente o pagamento pelas sessões. Inacreditável!
Não teríamos gostado tanto de Chicago se não tivéssemos Renato Gomes como anfitrião. Renato, filho de Ângela Dias, amiga querida, é um jovem economista de extensa cultura e profundo bom gosto. Falta pouco para concluir seu doutorado, e sabe bem onde ir para aproveitar melhor a cidade.
Levou-nos ao Demera, na 4801 N Broadway Street, um fantástico restaurante etíope. Nunca tida me aventurado por essa cozinha e, simplesmente, adorei. Para comer o “combinado” que ele sugeriu, com muitos vegetais e carne, conhecendo vários pratos diferentes ao mesmo tempo, não usamos talheres, e sim a “injera”, um pão bem fino, circular, tradicional para acompanhar a comida. Uma festa de Babbete! Depois, foi só atravessar a rua para aterrissar na melhor opção para ouvir jazz. Recomendo os dois lugares.
Green Mill é um jazz club tradicional, sofisticado ao mesmo tempo que informal, atmosfera dos anos quarenta, e que preserva o cuidado com a melhor música. Capone era frequentador assíduo e sentava-se na mesa central, de onde podia observar as portas da frente e de trás. Em caso de emergência, corria para o balcão das bebidas, onde havia a entrada do túnel secreto que o levaria para fora da zona de perigo. Esperto o rapaz.
E foi capengando que deixei Chicago, apelidada de “windy city” porque o vento marca presença. E, nos corredores do aeroporto, vi que se candidatou a sediar as Olimpíadas em 2016. Vai disputar com Tókio, Madri e Rio de Janeiro. Pelo que ouvi dizer, a mais cotada é Tókio, depois vem Madri, mais abaixo está Chicago e, lanterninha do grupo, a nossa cidade maravilhosa. Enfim, gosto é gosto, ninguém discute. Apenas lamenta. E todas elas são bastante interessantes. Como não conheço Tókio, de repente tenho uma bela razão para ir até lá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário