quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

HA MAIS COISAS ENTRE O CÉU E A TERRA...

HA MAIS COISAS ENTRE O CÉU E A TERRA...
Ana Hertz
Fevereiro de 2009

Resolvi ir, com meu filho, assistir a um evento chamado MMA, uma versão aprimorada e bastante estruturada do nosso antigo vale-tudo. Mixed Martial Arts quer dizer que variadas técnicas são aplicadas nas competições, dentre outras o boxing,o kickboxing, o wrestling Greco-romano, predominando, sem dúvida, o nosso Brazilian Jiu-Jitsu.

Não foi uma decisão qualquer, uma coisa repentina. Desde que vim para os Estados Unidos, no ano passado, estou querendo descobrir o que há por trás deste esporte que, envolve milhões e milhões de dólares, com um sem número de canais de televisão falando disso dia e noite. Acreditem, não é exagero meu; simplesmente, é dia e noite com o mesmo assunto!

Além do mais, eu sabia que iríamos ser testemunhas de um pedido de casamento em pleno ringue, no intervalo das lutas agendadas. Um raro acontecimento. Eram novidades suficientes para me fazerem encarar a pancadaria... Sempre fui curiosa. Einstein dizia que não era talentoso, considerando-se, apenas, apaixonadamente curioso por tudo. Quem sabe chego lá? E sobre esse pedido de casamento, fica para uma outra conversa, pois sempre vale a pena falar de amor.

Como teríamos a festa de noivado dos nossos alunos no Hilton Hotel logo após o evento esportivo, já fui devidamente paramentada, mesmo receando estar vestida de modo por demais formal. Na minha imaginação, iria encontrar todo mundo de camiseta e calça jeans, tipo desarrumadinho. Surpreendi-me. Minha roupa não descombinava em cuidado ou padrão com que o que usaram as demais mulheres... apenas, elas eram mais jovens e se vestiram de acordo com a própria faixa etária; na verdade, todo mundo estava querendo fazer bonito.

Era um ginásio de tamanho médio, com aquele ringue que chamam de “cage” no meio. Pensei logo – Realmente combina com a palavra “jaula”. Essas pessoas se socando até não aguentar mais... E, enquanto não começava a primeira luta, aproveitei para fazer uma social com os alunos da academia de meu filho, que estavam ali para prestigiar e torcer por dois deles, que vinham se preparando para aquele dia havia semanas. Tirei fotos, conversei, perguntei pela família; enfim, tudo do jeito afetivo com que nos relacionamos com os pares.

Um dos nossos estava escalado para a primeira luta da noite. Quando o vi pisar no palco, meu instinto maternal acendeu. Fiquei pensando no meu filho, a cujas lutas nunca tive coragem de assistir; não queria ver o que eventualmente poderia acontecer com ele. Dessa vez, felizmente, ele estava no ringue apenas como treinador. O gongo soou e os lutadores começaram. Fechei os olhos no primeiro soco.

De repente, descobri-me gritando: Go, Greg, go! Stay there, Greg, stay! Terrível constatação. A pacifista, a conciliadora, aquela que, em geral, evita discussões estava aos berros, incentivando Greg a socar o adversário. E foi também assim na luta de Nick, nosso outro aluno. Lá estava eu: That's it, Nick... that's it! A academia de Jiu-Jitsu de meu filho entrou na competição com dois lutadores e os dois saíram com troféu nas mãos. Torci enlouquecidamente pelos dois.

No dia seguinte, só pensava naquilo. Incentivara alguém a socar um outro e ficara feliz quando Greg e Nick, marcados pelos ataques sofridos, conseguiram derrotar os oponentes, que saíram mais machucados ainda. Pensei, pensei e acabei interpretando meu comportamento “feroz” e abominável. Acredito ter sido envolvida pela sensação de pertencimento que nós, humanos, precisamos sentir. Como animais gregários, o fato de fazer parte de um grupo, seja sob qual bandeira ou filosofia for, nos dá mais segurança, nos faz mais inteiros. E como já conheço a maioria dos alunos, sei um pouco de suas dores e de seus amores, senti-me em casa, torcendo pelo membro do“clube”que estava competindo.

É aí que mora o perigo. Quando fazemos parte de um todo, corremos o risco de nos“contaminar”, positiva ou negativamente, e nos descobrimos fazendo coisas do arco da velha. Dizem que o álcool e as drogas liberam forças internas, mas acho que a massa inebria e enlouquece de forma ainda mais impressionante. Comecei a pensar nas lutas dos gladiadores, com o povo gritando e incentivando quem estava na arena, nos torcedores de futebol que perdem o rumo quando seus times vencem ou são derrotados, enfim como o ser humano, imerso na multidão, extrapola a si mesmo. Seria quase perder a própria identidade em favor da alma coletiva. Falando francamente... é bastante assustador!

Eu achava que me conhecia; acabei percebendo que, mesmo já na décima quinta primavera, ainda posso me surpreender. E muito! Dessa água não beberei? Pode ser que sim, pode ser que não. É claro que jamais serei capaz de fazer coisas graves, de transgredir eticamente em qualquer situação, pois é uma questão de caráter, e disso não tenho qualquer receio. Mas estou desconfiada de que outras tantas cositas ainda podem pintar.

Assim, se ouvirem alguém contar que saí pelas estradas do Texas, numa Harley-Davidson potente, com roupa de couro e cabelos ao vento, junto com outros tantos motoqueiros, não duvidem, não. Apurem mais um pouco. Quem sabe pode até ser verdade? Não me conheço o suficiente para afirmar que sim, ou que não. Agora, sei bem que só o tempo e as circunstâncias poderão dizer quem eu realmente serei a cada novo momento da vida. Shakespeare já dizia que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia. Esqueceu de avisar que há muito mais ainda nesse imenso universo que existe dentro de cada um de nós. Para o bem ou para o mal.

2 comentários:

  1. Oi, Ana. Todos nós temos um pouco de sadismo enrustido. Eu também sou fã ardoroso de lutas marciais. Na juventude adorava assistir os espetáculos de telecatch. Não tinha judo, karate, kung fu ou jiujitsu que se comparasse. Meu ídolo era Ted Boy Marino, um argentino louro, especializado em tesouras voadoras. Seu maior adversário era Verdugo, um nego feio de doer. Tinha também o Múmia, entre outros. Marino voava, pegava com os pés o pescoço do coitado, girava o corpo no espaço e lá se ia o outro para o chão, aos trambulhões. Gostava de vê-lo esmagar o pobre do adversário contra o tablado, pulando sobre ele com os dois pés, ou dar cabeçadas irresistíveis, cabeça contra cabeça. Haja coraçao! É isso aí. A gente vai se descobrindo. Bjs. Alberto

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  2. É muito importante estarmos atentas à esse exame retrospectivo à cada dia,nas nossas reações,atos,e principalmente pensamentos,que nos surpreendem sempre,mas fique traquila..."O ignorante afirma e o sábio duvida e reflete" (essa é do nosso amigo grego Aristóteles)

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