UMA
VELHINHA ENCRENQUEIRA
Lembram-se daquela figura idosa dos
desenhos animados, com cabelos brancos, bem magrinha, ameaçando o mundo com o
guarda-chuva na mão? Falta pouco para eu
ficar assim. Na verdade, os cabelos brancos
estão escondidos, o corpinho esbelto, por enquanto, mora em um sonho de
consumo, e o guarda-chuva é invisível.
Mas aviso - não levo desaforo para casa.
As filas para idosos, grávidas e
pessoas com deficiência são irritantes.
Na maioria dos lugares, não serve para nada! Algumas vezes, quando me apresento como
velhinha, acabo ficando mais tempo esperando do que os jovens que estão na “vala
comum”. De uns tempos para cá, quando
estou muito cansada, pego a senha prioritária e a normal, e apresento a que me chamar
primeiro. Nem preciso dizer quem ganha a corrida na maioria das vezes. Claro
que, se posso aguardar, fico resmungando, e muito, mas espero chamarem os “prioritários”.
Um dia desses, fui à loja de uma
empresa de telefonia no Shopping Leblon resolver um problema. Cheguei às 14:45 e recebi o número B 20. Dois prioritários na minha frente, nada
grave. Exatamente às 15:06, decidi pegar uma senha comum, para ver se dava
sorte; ganhei a E 09. Dois na minha
frente, como na de velhinhos. Em apenas 10 minutos, fui chamada para essa E
09. Quando acabei, às 15.22, ainda não
tinham chamado a PRIORIDADE B 20, senha que havia recebido mais de meia hora
antes.
É óbvio que não fiquei calada. Chamei o gerente, que foi super educado, devo
ressaltar, mas ele não conseguiu explicar o que estava acontecendo. Os velhinhos chegam, recebem o “tratamento
prioritário” e ficam esperando séculos. Fui
até o senhor com a senha B-21, que chegou logo depois de mim, para conferir o horário dele - 14:47. Horrorizada, confirmei que ele aguardava havia
mais de 35 minutos. O gerente, quando me
viu perto dele, logo se propôs a atendê-lo, para evitar que essa velhinha
encrenqueira aqui aprontasse alguma. Fui
discretamente aplaudida por duas mulheres que esperavam o atendimento –
adoraram a defesa dos fracos e oprimidos.
E no Metrô? Não deixo passar uma! Quando o assento prioritário está ocupado por
um jovem, peço meu lugar, sem qualquer constrangimento, com a maior educação,
mesmo que esse intruso esteja fingindo tirar o sono dos injustos. E peço lugar para os outros idosos também!
Sei que representamos uma
verdadeira invasão dos bárbaros, já que, em cinquenta anos, enquanto a população
brasileira triplicou, nós, maiores de sessenta, praticamente
quadruplicamos. Em 2012, já somávamos
doze por cento da população, cerca de vinte e três milhões de velhinhos
espalhados por esse Brasil. Estamos, tenho certeza, ocupando cada vez mais
espaço nessa terra de Deus. Somos da chamada terceira idade, melhor idade,
terceira juventude... ninguém se atreve mais a dizer velhice!
Foi Platão quem primeiro se mexeu para
mudar a visão da sociedade em relação aos idosos, e os romanos os honravam dando-lhes
as mais altas posições políticas. Enfim,
pela história da Humanidade, encontramos diferentes costumes sociais e decisões
políticas no que tange à velhice, infelizmente nem sempre muito favoráveis. Outro dia, o Ministro das Finanças do Japão
polemizou, afirmando que os idosos nos hospitais deveriam morrer mais rápido
para poupar recursos da nação. Pode?
Lembro-me de minha mãe contando
sobre uma tribo que, ao perceber que o cidadão estava mais baqueado, fazia com
que subisse em uma árvore. Com o idoso
lá em cima, balançavam o tronco. Dá para
perceber bem como era a coisa. Eu acho
que iam ter que dar outro jeito comigo...eu me recusaria a subir!
Vamos falar de coisas boas. Tivemos muitas mudanças nos últimos cem
anos. Os conceitos de velhice e de
invalidez ficaram atrelados por anos a fio, já que os mais velhinhos, sem poder
prover o próprio sustento, improdutivos, precisavam ser protegidos tanto quanto
os inválidos. Com a sociedade industerial, criaram a aposentadoria. Com tudo que os velhinhos andam aprontando hoje
em dia, com algumas novas políticas públicas, esse preconceito ficou lá para
trás.
Ganhamos visibilidade social e não somos
percebidos apenas por uns poucos. Já que o mundo precisa nos aguentar por um tempo
maior, melhor que sejamos mais saudáveis, mais alegres, bem entrosados na
sociedade. Deixamos de ser cidadãos incapazes, ociosos, decadentes e
dependentes, e passamos a saborear a vida com novos interesses, criando novos
laços afetivos e amorosos, dando bastante trabalho a todo mundo. De certa forma, podemos perceber que muitos
adultos já estão criando condições, desde agora, para “habitar” essa nova fase,
para fazer parte desse novo grupo social de um jeito bem melhor. Não ficamos mais na porta da Colombo, mas
estamos sassaricando por tudo que é canto.
Eu até concordo que, com o passar
do tempo, de certa forma ficamos mais pacientes com muita coisa... mas, sem
dúvida, não é com tudo. Eu, por exemplo, engulo um elefante, mas sou capaz de
me engasgar com alguns mosquitos, tipo filas de velhinhos. É nessas horas que grito
Shazam, pego o guarda-chuva invisível e me transformo na velhinha mais
encrenqueira do planeta, versão idosa da Mary Marvel . Os abusados e os normais
que saiam da frente!