quarta-feira, 12 de março de 2014

UMA VELHINHA ENCRENQUEIRA

             Lembram-se daquela figura idosa dos desenhos animados, com cabelos brancos, bem magrinha, ameaçando o mundo com o guarda-chuva na mão?  Falta pouco para eu ficar assim.  Na verdade, os cabelos brancos estão escondidos, o corpinho esbelto, por enquanto, mora em um sonho de consumo, e o guarda-chuva é invisível.  Mas aviso - não levo desaforo para casa.
             As filas para idosos, grávidas e pessoas com deficiência são irritantes.   Na maioria dos lugares, não serve para nada!  Algumas vezes, quando me apresento como velhinha, acabo ficando mais tempo esperando do que os jovens que estão na “vala comum”.  De uns tempos para cá, quando estou muito cansada, pego a senha prioritária e a normal, e apresento a que me chamar primeiro. Nem preciso dizer quem ganha a corrida na maioria das vezes. Claro que, se posso aguardar, fico resmungando, e muito, mas espero chamarem os “prioritários”.
             Um dia desses, fui à loja de uma empresa de telefonia no Shopping Leblon resolver um problema.  Cheguei às 14:45 e recebi o número B 20.  Dois prioritários na minha frente, nada grave. Exatamente às 15:06, decidi pegar uma senha comum, para ver se dava sorte; ganhei a E 09.  Dois na minha frente, como na de velhinhos.   Em apenas 10 minutos, fui chamada para essa E 09.  Quando acabei, às 15.22, ainda não tinham chamado a PRIORIDADE B 20, senha que havia recebido mais de meia hora antes. 
             É óbvio que não fiquei calada.  Chamei o gerente, que foi super educado, devo ressaltar, mas ele não conseguiu explicar o que estava acontecendo.  Os velhinhos chegam, recebem o “tratamento prioritário” e ficam esperando séculos.  Fui até o senhor com a senha B-21, que chegou logo  depois de mim, para conferir o horário dele - 14:47.  Horrorizada, confirmei que ele aguardava havia mais de 35 minutos.  O gerente, quando me viu perto dele, logo se propôs a atendê-lo, para evitar que essa velhinha encrenqueira aqui aprontasse alguma.  Fui discretamente aplaudida por duas mulheres que esperavam o atendimento – adoraram a defesa dos fracos e oprimidos. 
             E no Metrô?  Não deixo passar uma!  Quando o assento prioritário está ocupado por um jovem, peço meu lugar, sem qualquer constrangimento, com a maior educação, mesmo que esse intruso esteja fingindo tirar o sono dos injustos.  E peço lugar para os outros idosos também!
             Sei que representamos uma verdadeira invasão dos bárbaros, já que, em cinquenta anos, enquanto a população brasileira triplicou, nós, maiores de sessenta, praticamente quadruplicamos.  Em 2012, já somávamos doze por cento da população, cerca de vinte e três milhões de velhinhos espalhados por esse Brasil. Estamos, tenho certeza, ocupando cada vez mais espaço nessa terra de Deus. Somos da chamada terceira idade, melhor idade, terceira juventude... ninguém se atreve mais a dizer velhice!
             Foi Platão quem primeiro se mexeu para mudar a visão da sociedade em relação aos idosos, e os romanos os honravam dando-lhes as mais altas posições políticas.  Enfim, pela história da Humanidade, encontramos diferentes costumes sociais e decisões políticas no que tange à velhice, infelizmente nem sempre muito favoráveis.  Outro dia, o Ministro das Finanças do Japão polemizou, afirmando que os idosos nos hospitais deveriam morrer mais rápido para poupar recursos da nação.  Pode?
             Lembro-me de minha mãe contando sobre uma tribo que, ao perceber que o cidadão estava mais baqueado, fazia com que subisse em uma árvore.  Com o idoso lá em cima, balançavam o tronco.  Dá para perceber bem como era a coisa.  Eu acho que iam ter que dar outro jeito comigo...eu me recusaria a subir!
             Vamos falar de coisas boas.  Tivemos muitas mudanças nos últimos cem anos.  Os conceitos de velhice e de invalidez ficaram atrelados por anos a fio, já que os mais velhinhos, sem poder prover o próprio sustento, improdutivos, precisavam ser protegidos tanto quanto os inválidos. Com a sociedade industerial, criaram a aposentadoria.  Com tudo que os velhinhos andam aprontando hoje em dia, com algumas novas políticas públicas, esse preconceito ficou lá para trás. 
             Ganhamos visibilidade social e não somos percebidos apenas por uns poucos. Já que o mundo precisa nos aguentar por um tempo maior, melhor que sejamos mais saudáveis, mais alegres, bem entrosados na sociedade. Deixamos de ser cidadãos incapazes, ociosos, decadentes e dependentes, e passamos a saborear a vida com novos interesses, criando novos laços afetivos e amorosos, dando bastante trabalho a todo mundo.  De certa forma, podemos perceber que muitos adultos já estão criando condições, desde agora, para “habitar” essa nova fase, para fazer parte desse novo grupo social de um jeito bem melhor.  Não ficamos mais na porta da Colombo, mas estamos sassaricando por tudo que é canto.

             Eu até concordo que, com o passar do tempo, de certa forma ficamos mais pacientes com muita coisa... mas, sem dúvida, não é com tudo. Eu, por exemplo, engulo um elefante, mas sou capaz de me engasgar com alguns mosquitos, tipo filas de velhinhos. É nessas horas que grito Shazam, pego o guarda-chuva invisível e me transformo na velhinha mais encrenqueira do planeta, versão idosa da Mary Marvel . Os abusados e os normais que saiam da frente!

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

MAL NA FITA
                                 
             Complicado reconhecer isso, mas acho que, nesses últimos dias, estamos muito mal na fita.  Na novela do Walcyr Carrasco, “Amor à Vida”, as mulheres não se saíram muito bem.  Pilar, Paloma, Aline, Paulinha, Bernarda, Valdirene, Márcia, Linda, Amarilys e Leila são algumas das principais figuras da novela, e com elas já podemos ter ideia do conceito que se extrai do todo.
             A matriarca, vivida pela Suzana Vieira, parecia normal mas, no finalzinho, sabemos que matou uma pessoa.  Aline, a secretária oferecida, conseguiu ser um monstrinho para ninguém botar defeito. Valdirene e Márcia, a primeira, periguete, e a segunda, uma perigosa (uma periguete idosa), eram do barulho..  Se bem que seus pecados eram brincadeira de criança perto do que aprontava Amarilys, louca de carteirinha.  Isso tudo sem falarmos na Leila, personagem igualmente desprezível, que acabou castigada pelo fogo, coisa meio bíblica.
             Poucas se salvaram. Bernarda, uma senhora com valores bem estabelecidos, a menina Paulinha, bem equilibrada, e a mãe, Paloma.  Esta, cá entre nós, embora tenha se mostrado super boa gente, era uma chata de galocha.  Não serviria como padrão, pois seguir o molde tornaria qualquer mulher campeã da falta de graça, de tempero, insossa até não poder mais. O engraçado é que quem ficou mesmo no coração da grande maioria dos espectadores foi o Felix, péssimo caráter, um verdadeiro cretino, que foi redimido pelo autor e, no final, tornou-se uma pessoa “legal”.  
             Na nova trama das 9, já deu para perceber que a tal da Helena, quando jovem, gostava de provocar os pretendentes.  A tia, Juliana, desequilibrada sem tirar nada.  Embora não possa ainda dar muitos palpites sobre a história de Manoel Carlos, já estou imaginando o cenário.  Tem um personagem masculino destemperado, o tal do Laerte, para compensar um pouco os problemas que as mulheres mostram.
             Antes, tivemos a Carminha, de Avenida Brasil, um enorme sucesso, personagem que conseguia ser ainda mais cruel do que o cafajeste do Max, seu eterno amante.  Se não me engano, ela decidiu matá-lo no finalzinho da novela.  Ou seja, pelo que se vê nas telinhas, cuidado com a mulheres.  Podem ser terríveis!
             A História nos traz muitas mulheres com histórias complicadas.  Temos a Salomé que, a pedido da mãe, conseguiu que João Batista fosse decapitado. Catarina de Médici, convenhamos, ficou célebre por vários motivos, mas o massacre de São Bartolmeu talvez seja aquilo que ninguém pode esquecer.  Outra Catarina, a Grande, dominou a Rússia com mão de ferro por mais de 30 anos, e até o Czar Pedro III, seu marido, parece ter sido vítima de suas tenebrosas ações.  Sangue é o que não falta nessas biografias.
             Messalina fez fama, e seu nome serve de “adjetivo” para algumas mulheres sedutoras.  E que tal Bloody Mary?  Maria Tudor não deixou por menos, e a bebida cor de sangue com essa denominação pode ter sido inspirada na rainha que levou a cabo sangrenta perseguição aos protestantes. 
             Para falar das boazinhas dos últimos séculos, na vida real ou na literatura, resolvi conferir, pois poderia ter esquecido algum nome importante.  Deparei-me com várias listas, cujos critérios de seleção me deixaram assombrada.  Muitos misturam alhos com bugalhos, pois no mesmo grupo vamos encontrar Anita Garibaldi, Joana D’ Arc, Maria Antonieta, a de França, Madre Tereza, Brigite Bardot, Frida Khalo e Madame Curie. Até agora, confesso  não ter captado bem o critério adotado.
             Anita Garibaldi, cuja história conhecemos bem, agora em 2012 teve seu nome inscrito no Livro de Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Liberdade e da Democracia Tancredo Neves, em Brasilia.  Embora tenha morrido com apenas 27 anos, foi um exemplo de ser humano. Interessante saber que Ana Neri, a famosa enfermeira, heroína da Guerra do Paraguai, também está no livro. Como somente essas duas mulheres estão lá, vamos torcer para que outras mulheres consigam ser incluídas. 
       Madame Curie, com uma inteligência privilegiada, ganhou duas vezes o Prêmio Nobel, um em Física e outro em Química.  Fico impressionada com esses gênios que aparecem vez  por outra.  O lado ruim da história - pagou caro pela dedicação às pesquisas, pois a longa exposição aos elementos radioativos acarretou-lhe uma leucemia.  Foram duas mulheres fora da curva, sem qualquer dúvida.
             Na ficção, não é muito fácil uma “boazinha” se destacar, mas Jane Austen até conseguiu isso para sua Elinor, em Razão e Sensibilidade.  Penélope, por ter esperado o marido por 20 anos sem ceder ao assédio de muitos, também deixou ótima impressão, pelo menos entre os outros maridos.  Enquanto Machado de Assis deixou Capitu no meio do caminho entre a inocência e a culpa, Anna Karenina também aprontou, e Shakespeare mostrou a famosa Lady Macbeth arrependida do que tinha aprontado, preferindo, assim, dar cabo da própria vida. Muito radical, eu acho.
             Não sou ingênua.  Uma vida que se resuma ao personagem acordar, tomar café, ir para o trabalho, almoçar, voltar para casa mais tarde, ver um pouco de TV e cama, claro que não dá o menor IBOPE.  Esse roteiro não deixa milhões de pessoas grudadas no sofá, comentando com os amigos o que viram na telinha na véspera. Li, no livro “LOUCO PARA SER NORMAL”, de Adam Phillips, que trata da loucura e da sanidade, que não há, aparentemente, nenhuma estatística disponível sobre os chamados “normais”.  O autor, psicanalista badalado, afirma que os sãos não são notícia.   
             Por outro lado, uma moça chamada Letícia, que foi excluída outro dia da casa do Big Brother, ganhou muitos, muitos minutos em um programa de domingo, onde foram discutidos alguns pontos “muito importantes”.  Tinha ficado com 3 homens diferentes ou não durante o tempo em que esteve trancada? É uma pessoa falsa ou foi tudo um mal entendido?  Prefiro fingir que não vi nem ouvi esse quadro.
             Enfim, de certa forma, parece que é possível ficar na História fazendo coisas relevantes para a humanidade, ou então sendo cruel, louca, interesseira.  Mae West foi uma atriz badalada e ficou famosa por dizer: “Quando sou boa, sou boa... Quando sou má, sou melhor ainda”. Uma bobagem, eu sei, mas que ganhou peso quando dita com o charme que a atriz carregava.  E continuou, dando, ainda, outro conselho, polêmico, por certo: “A melhor forma de se comportar é se comportar mal”.  Fecho aspas dizendo que a escolha é sua.